Uma simples passagem no Plano Nacional de Direitos Humanos III, o PNDH-3, que explicitava apoio à aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seu próprio corpo, foi alvo de uma enorme polêmica. Entretanto, esse episódio é também a expressão, em pequeno, do que foram os 7 anos de governo Lula no que diz respeito aos direitos dasmulheres. Essa passagemevidentemente não significava a legalização e descriminalização do aborto. Mesmo assim, com uma forte ofensiva a ConfederaçãoNacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outros setores, questionaram esta passagem e também a união e adoção homossexual, e por isso o Ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, fez ummea culpa dizendo que foi um erro dele.
Ainda com esse retrocesso, o movimento de mulheres ligado ao governo, como a Marcha Mundial de Mulheres (PT), a União Brasileira de Mulheres (PCdoB) e a Articulação de Mulheres Brasileiras (PT), além de diversas ONGs, fazem questão de fechar os olhos diante de tamanha demagogia, colocando no centro de suas manifestações a luta pela concretização do PNDH-3. Evidentemente que nem Lula e nem Paulo Vannuchi, quando assinaram este Plano, acreditavam que de fato poderiam concretizá-lo, ainda que fossem tímidos passos.
Não podemos esquecer que em novembro de 2008 o presidente Lula foi ator de um acordo entre o Estado Brasileiro e o Vaticano, aprofundando um atrelamento nacional e internacional do Estado com a Igreja, e portanto nenhum tipo de decisão sobre a legalização do aborto poderia estar por fora deste consenso aprovado na Câmara e no Senado. Um retrocesso claro, que nem mesmo Fernando Henrique Cardoso tinha sido capaz de levar adiante.
Hoje, há mais de 7 anos na presidência da República, sobre as resoluções e bandeiras históricas do movimento de mulheres, inclusive das mulheres de seu próprio partido, podemos dizer que Lula não tomou nenhuma medida concreta. O direito ao aborto continua sendo negado e as mulheres criminalizadas sobre o peso do Código Penal de 1940. A Lei Maria da Penha que rendeu a Lula o prêmio da ONU na luta contra a violência às mulheres só foi possível tornar- se lei após uma mulher que quase foi assassinada ficar mais de 20 anos, paraplégica, lutando por seus direitos. Ainda assim, os avanços apresentados nessa lei não podem se concretizar até o final, já que fazem parte de um Estado burguês que sustenta e legitima a violência contra as mulheres. Para isso, vale dizer, que a mesma ONU que premiou Lula contra a violência as mulheres, coloca suas tropas sob a liderança deste presidente para estuprar as mulheres haitianas.
Mas se em 7 anos, Lula não acenou nenhuma medida para descrimilizar e legalizar o aborto, por que em ano eleitoral faria isso? Se por um lado, a Igreja possui uma importante base eleitoral, o PT que pretende eleger uma mulher, também precisará do apoio do movimento de mulheres. Isso demonstra, cabalmente, o fracasso do projeto reformista das feministas do PT, PCdoB e outros partidos governistas, que por anos venderam a idéia de que “com Lula e o PT os direitos das mulheres seriam conquistados”. Ao contrário, nunca antes os setores reacionários tiveram a ousadia de utilizar a justiça para processar mulheres por terem recorrido ao aborto, como no Mato Grosso do Sul, coisa que somente no governo petista- lulista se viu. Sem falar no Encontro “Em Defesa da Vida” que irá ocorrer no Brasil por ser “modelo” na luta pela criminalização do aborto. Isso é resultado, também, de uma estratégia reformista das feministas que atuam “por dentro da ordem”, impedindo a mobilização ativa das mulheres e suas organizações. A demagogia lulista, apoiada por essas feministas, se transforma dessa forma em retrocesso. Por isso é necessário lutar pela organização independente das mulheres trabalhadoras, estudantes, donas de casa, sem nenhum atrelamento ao governo e aos patrões.
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Diana Assunção é dirigente da Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional e integrante do Núcleo da Mulher Trabalhadora do Sindicato de Trabalhadores da USP. Clarissa Menezes é militante da Liga Estratégia Revolucionária - Quarta Internacional e mestranda em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ambas impulsionam o grupo de mulheres Pão e Rosas.
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