Muitas vezes ouvimos dizer que “política não é coisa de mulher”. Mas é preciso uma explicação para o fato das mulheres serem minoria entre trabalhadores sindicalizados e minoria entre os que se organizam politicamente. A opressão da mulher é algo que surgiu antes do sistema capitalista, no qual vivemos hoje, mas que é apropriado por ele como forma de fortalecer a exploração dos trabalhadores. Isso porque, se em certo momento diziam que as mulheres deveriam ficar em casa cuidando dos filhos e dos maridos, foi também necessário incorporar as mulheres como mão-de-obra barata à produção. Entretanto, isso gerava uma contradição: ou as mulheres trabalham fora, ou cuidam da casa. Mas o sistema capitalista resolveu essa contradição rapidamente, se utilizando da opressão da mulher para, por um lado garantir que pudesse incorporar sua mão de obra à produção por custos mais baixos, e por outro lado, naturalizando ainda mais a atividade doméstica como responsabilidade única e exclusivamente feminina. É um senso comum que as mulheres são as responsáveis pelos afazeres domésticos, que nada mais são do que serviços que garantem a reprodução de todos (comida, roupa lavada, higiene, cuidado com as crianças, idosos e doentes).
A essa contradição, de trabalhar fora de casa, mas também trabalhar dentro, chamamos dupla jornada. Hoje em dia, inclusive, muitos já falam sobre “tripla” ou “quadrúpla” jornada, em referência às mulheres que não somente trabalham e cuidam da casa, mas cuidam dos filhos, estudam, são militantes de sindicatos ou partidos políticos. Mas o fato é que a maioria das mulheres, quando se deparam com essa vida, em que estão condenadas a dedicar as 24 horas de seu dia para outros (no trabalho para os patrões, em casa para os filhos, maridos, parentes), desistem de si mesmas. E desistir de si mesma é também acreditar que em sua vida não há espaço para se organizar, para a política, para o sindicato, para a luta, para tomar seus destinos em suas mãos. Porém, a história demonstrou muitas vezes e os fatos da atualidade também, que quando as mulheres vão à luta, desenvolvem uma combatividade, uma entrega e uma heroicidade muito grande.
A precarização tem rosto de mulher
No Brasil nestes últimos anos de crescimento econômico pudemos observar que as mulheres, que historicamente ocupam os postos de trabalhos com menor remuneração além de terem que realizar todo trabalho doméstico, ocuparam também grande parte dos trabalhos precários, temporários. O impacto da crise econômica não é igual para todos. Na América Latina a taxa de desemprego é quase duas vezes maior entre as mulheres do que os homens e 60% das mulheres no mercado de trabalho ocupam os postos mais precarizados. Além disso, quanto maior a crise econômica, maior será a carga de dupla jornada de trabalho das mulheres, porque com a maior desestruturação da educação, da saúde e dos serviços públicos, serão mais as tarefas que recairão sobre as mulheres para a reprodução da vida.
No setor de serviços, o qual é composto por cerca de 56,3% da força de trabalho feminina, as trabalhadoras se deparam com tarefas monótonas e repetitivas como nas atividades de telemarketing, sendo que muitas não podem nem ao menos sair da sua cadeira por alguns instantes para ir ao banheiro ou beber água, ainda tendo que passar por situações constrangedoras, e é altamente estressante devido ao assédio moral e a pressão por maior produtividade. Entre as terceirizadas da limpeza, não é diferente, pois além de os salários serem míseros, não possuem os mesmos direitos que os efetivos e também sofrem de intenso assédio moral por seus encarregados e supervisores, sendo que no contexto de demissões, precisam fazer o seu serviço e o das suas colegas que foram demitidas, intensificando ainda mais a exploração. A precarização também tem relação direta com um setor ainda mais explorado da sociedade, que são as mulheres negras. Com a grande ofensiva neoliberal dos anos 1990, foi se intensificando a exploração a essas trabalhadoras, principalmente por terem sindicatos vendidos aos patrões que não permitem a organização das mulheres, como por exemplo o SIEMACO (sindicato das empresas terceirizadas de limpeza) que diante da mobilização dos terceirizados e terceirizadas da USP junto ao SINTUSP, trouxeram bate-paus para bater nas trabalhadoras e nos ativistas sindicais.
Diante de tantos ataques, é necessário hoje criar um fórum em defesa da saúde pública, gratuita e de qualidade contra as privatizações que Serra está implementando no Estado e Kassab no município, e contra as Fundações de direito privado como a Fundação Faculdade de Medicina, que está recebendo verba do município para administrar a saúde (Organização Social de Saúde, as conhecidas OSS), o que vai aumentar ainda mais a precarização e terceirização do trabalho.
Lutar pelos nossos direitos!
Por tudo isso, devemos lutar para que seja parte das demandas de todos os trabalhadores da USP a possibilidade das mulheres trabalhadoras participarem de todos os espaços políticos que elas queiram, entre estes o próprio sindicato. É por isso que consideramos necessário abrir uma séria discussão sobre de que maneiras os trabalhadores e trabalhadoras podem se organizar para desde seus intrumentos de luta exigir que o Estado, no nosso caso a USP, garanta a prestação dos serviços que hoje são garantidos pelas mulheres dentro de suas casas, com muito sacrifício e após uma intensa jornada de trabalho, como por exemplo o cuidado dos filhos, a alimentação, a lavagem das roupas, entre outros. Inclusive, exigimos que as áreas de trabalho insalubres cumpram de imediato o que já é garantido por lei, como por exemplo a lavagem de uniformes que é obrigatório no Hospital Universitário e outras unidades. Acreditamos que todos esses direitos devem ser estendido também às trabalhadoras terceirizadas e das Fundações, estudantes e professoras.
Acreditamos ser necessário lutar por direitos especiais para as trabalhadoras grávidas, como por exemplo a liberação das mesmas sem perda de remuneração diante de doenças de risco (como foi o caso da Gripe A), assim como consideramos importante lutar pela licença-maternidade de 1 ano para todas as trabalhadoras. Também é fundamental um maior acompanhamento do sindicato diante dos casos de assédio moral contra trabalhadoras efetivas, mas especialmente terceirizadas, onde o assédio moral é naturalizado e praticamente legalizado. Da mesma forma, é necessária uma luta pela readaptação das trabalhadoras (es) portadoras (es) de LER (Lesão por Esforço Repetitivo) e DORT (Doença Ósteomolecular Relativa ao Trabalho), doenças que atingem principalmente as mulheres. Por isso também fazemos nossas as bandeiras de nosso sindicato na luta contra a precarização do trabalho na universidade, já que atinge majoritariamente as mulheres, portanto defendemos o salário igual pelo trabalho igual. Acreditamos que as trabalhadoras devem estar na linha de frente da luta contra a violência dentro das casas, transformando isso num debate vivo dentro do sindicato e da nossa categoria, entendendo que o problema da opressão da mulher não é algo individual, mas sim que deve ser tomado por todos os trabalhadores e trabalhadoras. Da mesma forma, devemos nos organizar junto aos estudantes, lutando contra o assédio sexual nas moradias estudantis e os estupros dentro do campus.
Para lutar contra tudo isso, é fundamental entender que a opressão das mulheres é internacional, não está apenas em nosso país ou em nossa categoria. Hoje, os Estados Unidos com o apoio do governo Lula ocupam com Tropas Militares a região do Haiti, condenando todo um povo, e em especial as mulheres que sofrem com estupros e humilhações, a viver sob a tutela de um país tão rico como os EUA. Podemos falar também das mulheres mexicanas, que protagonizaram a grande Comuna de Oaxaca, em 2006, quando enfrentaram a polícia em defesa de seus direitos, e hoje essas mesmas mulheres se vêem novamente atacadas pelo governo com a demissão de 44 mil trabalhadores e trabalhadoras da Luz e Fuerza, empresa de eletricidade mexicana. As mulheres negras africanas, que convivem diariamente com os estupros e as mutilações, e que vêm resistindo a um verdadeiro massacre às mulheres da África. Com a Gripe A, na Argentina, as trabalhadoras da alimentação iniciaram uma série de rebeliões exigindo afastamento para não se contagiar e para cuidar de seus filhos pequenos, o que resultou na demissão de mais de 160 trabalhadores da multinacional Kraft Terrabusi, numa greve histórica que ainda continua. E não podemos deixar de falar das mulheres hondurenhas, jovens, trabalhadoras e estudantes que estão há mais de 3 meses resistindo ao golpe militar que instaurou a ditadura em Honduras, e que hoje está caminhando cada vez mais para uma negociação entre o governo golpista e o governo anterior, ignorando a quantidade de sangue que foi derramada em nome dos interesses de uma minoria. Acreditamos que essas mulheres são exemplos de luta para nós, e devemos sempre nos levantar quando são atacadas, oprimidas e exploradas.
Adiante mulher trabalhadora!
Neste V Congresso, fazemos um chamado a todos os trabalhadores e trabalhadoras, efetivos e terceirizadas, aos estudantes e professores, aos ativistas e militantes de partidos políticos operários, que somemos vozes para gritar contra a opressão das mulheres. Queremos colocar na ordem do dia em nosso sindicato a luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras, e por isso propomos como resolução ao Congresso:
Colocar de pé novamente o nosso Núcleo da Mulher Trabalhadora do SINTUSP e estendendo essa discussão pra fora da universidade, nos dando a tarefa de darmos um exemplo na luta contra a opressão das mulheres, mas também contra essa sociedade de opressão e exploração.