Reproduzimos a fala de Odete, estudante da Letras-USP e militante do Pão e Rosas e da LER-QI, no debate "Desatai o Futuro: o que devemos aprender com a greve da USP?"
É
muito difícil conseguir sintetizar o que foram esses quatro meses de greve e a
importância que eles tiveram pra nossa concepção de feminismo e emancipação das
mulheres. Somos um grupo de mulheres classistas e revolucionárias e acreditamos
que a emancipação das mulheres não vai ocorrer dentro desse sistema
capitalista, que usa dessa opressão, para se consolidar enquanto sistema.
Acreditamos que é necessário uma revolução proletária para acabarmos com a
exploração de uma classe por outra e só assim conseguirmos acabar com a opressão
de um gênero por outro.
Essa greve foi
muito importante para entendermos como uma fração revolucionária deve atuar nos
momentos agudos da luta de classes. Nesse sentido entender a opressão às
mulheres e as dificuldades que ela causa para a organização das mulheres como
parte dos problemas da organização da própria greve foi fundamental. As
mulheres não constituem uma classe separada. Levantar a bandeira da emancipação
das mulheres e de todos os setores oprimidos é fundamental para unidade de toda
a classe operária.
Por esse motivo
garantir o cantinho das crianças para que as mães e pais pudessem participar de
todo o processo político da greve, realizar um debate sobre a questão negra, a
questão palestina, sobre a homolesbotransfobia, ou como uma de nossas
camaradas, estudante de educação física fez realizando um debate sobre saúde do
trabalho, colocando o seu conhecimento a serviço dos trabalhadores... Tudo isso
é necessário, não porque em si mesmas são ações que resolvem os problemas que a
sociedade burguesa nos impõe, mas são pequenas experiências, ainda restritas à
uma categoria, que mostra pra toda a classe os problemas concretos que ela vai
ter que enfrentar pra conseguir organizar e unificar suas fileiras com a
perspectiva de se fazer uma revolução.
Essa greve foi uma
pequena “Escola de Guerra” sobre quais são os temas que a classe operária
precisa tomar pra si para conseguir se organizar e superar a exploração a que
está submetida. Seja organizando debates sobre as opressões, lutando para que
as 970 mulheres que estão na fila do papa Nicolau possam realizar o exame ou
fazendo um ato pela São Remo, defendendo a efetivação dos terceirizados,
entendendo que os trabalhadores compõem uma única classe. Dessa forma, nós
rompemos com a ideologia burguesa de separação e fragmentação da classe.
Defendemos a
hegemonia operária não só por que a classe operaria é a única que pode levar
até o final todas as demandas democráticas que o regime burguês não consegue
garantir, mas porque ela necessita fazer isso. A classe operária precisa
combater as opressões e a divisão imposta pela burguesia, entre homem e mulher,
negros e brancos, heterossexuais e LGBTTs. Por que esse é o único meio de
unificar suas fileiras e mostrar a sua força enquanto classe.
Não nos adaptamos
como a esquerda em geral faz que é não ligar a luta contra as opressões à luta
por salários e melhores condições de trabalho, por exemplo. Acreditamos que
essas duas questões estão profundamente ligadas por dois motivos. O primeiro é
que a classe operária precisa unificar suas fileiras para lutar pelas suas
demandas e o segundo é que os trabalhadores são o sujeito revolucionário que
podem modificar as bases materiais e dessa forma modificar os valores e a
cultura da sociedade.
O capitalismo cria tendências
que não pode levar até o final. Ao contrario da classe trabalhadora que não só
pode, como precisa levá-las até o final para conseguir se emancipar. Com o capitalismo surge o processo de
feminização do trabalho, acentuado a partir da década de 70. Que é uma das grandes
contradições desse sistema, pois, ao mesmo tempo que ele proporciona a mulher as
condições e o direito de sair de casa e conquistar sua independência faz isso
mantendo o trabalho doméstico como obrigação da mulher e submetendo-nas aos
trabalhados mais precários e com salários menores.
O capitalismo cria
a possibilidade de socialização do trabalho doméstico, com a possibilidade de
criação de creches, restaurantes e lavanderias públicas. Mas ele mantém esse
trabalho atrelado à mulher, porque o capitalismo visa o lucro e é muito mais
vantajoso para a burguesia ter uma mulher que faça esses serviços sem receber
nada. A dupla ou tripla jornada de trabalho da mulher é vantajosa pro
capitalismo porque garante os lucros do capitalista, mas também porque impede
que uma mulher possa se colocar como sujeito político na luta por seus
direitos. Ou seja, impede que grande parte da classe operária se coloque contra
a exploração a que estão submetidos.
A classe media é um
setor que está em disputa pelo projeto de sociedade de duas grandes classes, a
burguesia e o proletariado. Os trabalhadores precisam mostrar que são o sujeito
revolucionário e que são o único setor que podem levar até o final as demandas
democráticas que esse sistema não garante. Os trabalhadores têm necessariamente
que acabar com o racismo, com a opressão de gênero, com a falta de liberdade
sexual, com a xenofobia e com a divisão entre efetivos e terceirizados, porque
eles precisam unificar as suas fileiras e disputar esses setores da classe
média. Mostrar que só acabando com a divisão da sociedade em classes é que
vamos avançar para acabar com todas as outras divisões impostas por essa
sociedade.
A classe operária
cumpre esse papel não só pela sua expressão numérica, os trabalhadores são a
maioria nessa sociedade, mas também pelo papel que cumprem na produção. Os
trabalhadores controlam a produção e como marxistas acreditamos que as relações
de produção determinam as relações sociais. Por isso é preciso modificar a
estrutura econômica pra modificar os valores e a cultura.
E para fechar
gostaria de citar um trecho da Andrea D’Atri, uma das fundadoras do Pão e Rosas
na Argentina e dirigente do PTS:
“Cada vez que
uma mulher é abusada, golpeada, humilhada, considerada um objeto, discriminada,
submetida, a classe dominante se perpetua um pouco mais no poder. E a classe
trabalhadora, por outro lado, se enfraquece. Porque essa mulher perderá a
confiança em si mesma e em suas próprias forças. Atemorizada, passará a crer
que a realidade não é passível de mudança e que é melhor submeter-se a opressão
do que enfrentá-la e por sua vida em risco. A classe trabalhadora, por outro
lado, se enfraquece, também, porque esse homem que golpeou sua companheira, que
a humilhou, que a considerou sua propriedade, está mais distante que antes, de
transformar-se num trabalhador consciente de suas algemas, está um pouco mais
longe de reconhecer que, na luta para romper seus grilhões, deve propor
libertar toda a humanidade de sua cadeia e contar com todos os oprimidos como
seus aliados.
Por essa razão, o programa
do trotskismo defende o oposto ao que sustentam os populistas: se a unidade dos
trabalhadores é necessária, então é imperioso erradicar os prejuízos contra os
imigrantes, as barreiras que se levantam entre efetivos e terceirizados,
combater a ideologia que impõe a repressão do adulto sobre o jovem e, nesse
sentido, lutar decididamente contra a opressão das mulheres. “