quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Carta de Liliane, secundarista, para Julia, professora da rede estadual de SP na ZO

Júlia,

Bom, nem sei por onde começar ou porque começar a escrever, mas eu quero que saiba que fiquei super feliz por você ter me convidado para participar da reunião do Pão e Rosas, na verdade nem sei porque me convidou, mas sei que conhecer o Pão e Rosas me fez ser uma pessoa melhor, me despertou ainda mais a curiosidade de conhecer o outro, desvendar cada olhar e enxergar o ser humano.
Saí da reunião com um novo pensamento, com sorriso no rosto e olhar brilhar de esperança, de união, de força que senti naquele lugar, com todos os relatos de todas aquelas mulheres que se unem para exigir seus direitos, liberdade e prazeres. E foi você que me proporcionou toda essa experiencia me convidando, não sei mas acho que você enxergou em mim alguma razão e agora acho que sei, tantas histórias eu ouvi e tenho muitas pra contar. Quando cheguei em casa contei o quanto foi maravilhoso estar ouvindo gritos verdadeiros, gritos de união e de muita força todas aquelas guerreiras. E ainda tomei coragem pra dizer à minha mãe o quanto ela é guerreira e ela até chorou e também ela mesma tomou a iniciativa de querer ir comigo.
Enfim, o texto pode e deve ter ficado confuso, mas te agradeço porque você e as outras mulheres do Pão e Rosas MUDARAM A MINHA VIDA!
Pode contar comigo para tudo o que precisar que estarei lá para te ajudar, e me ofereço também a ajudar como eu puder o Pão e Rosas no que vocês precisarem.
Obrigada, mais uma vez, por ter mudado a minha vida! E te admiro ainda mais por você fazer parte dessa luta e de muitas outras.

Ps: A Bárbara (outra aluna que foi à Plenáaria) tava me contando o quanto foi muito louca a festa e o teatro!!! Da próxima minha mãe disse que eu posso ficar até o final. Já estava super bem antes de sair, nossa, imagina depois! Muito louco, muito demais, muito lindo, muito tudo!!

Beijão,
Liliane

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Emocionante encontro entre trabalhadoras e estudantes grita: Pão e Rosas!




Rita Frau, Tristán, Virginia Guitzel, Silvana Ramos, Dini Xavier
e Diana Assunção na Plenária Nacional do Pão e Rosas
Neste sábado, 10 de Agosto, realizou-se em São Paulo, a Plenária Nacional do grupo de mulheres Pão e Rosas que reuniu cerca de 200 mulheres e homossexuais entre trabalhadoras, estudantes secundaristas, universitárias, trabalhadoras terceirizadas da limpeza, operárias de fábricas, metroviárias, bancárias, trabalhadoras da USP, professoras de diversos de diversos estados do país (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro).


As trabalhadoras à frente!


Dini Xavier, da Secretaria de Mulheres do Sintusp
A atividade teve início com a abertura de Silvana Ramos, trabalhadora terceirizada linha de frente da luta contra a precarização do trabalho na USP, saudando todas as companheiras ali presentes e contando um pouco de como a luta que travou para receber o salário e os benefícios na greve da USP lhe aproximou da vida política e da necessidade de se organizar. Colocou a importância que se faz hoje as mulheres se organizarem, já que são as mulheres que estão nos piores postos de emprego, são oprimidas pela dupla (quando não tripla) jornada de trabalho e dos abusos (morais e sexuais) que sofrem. Dizia que a lógica que os patrões empregavam para contratar mulheres para esses empregos terceirizados era de que mulher, quando levava bronca, chorava no banheiro. “Eu não. Nós, trabalhadoras na USP, não! Não choramos no banheiro, nós gritamos! Nós lutamos para conseguir nossos direitos”


Silvana também expressou que as mobilizações que tiveram em junho levantadas pela juventude fez “todo mundo ir atrás: os trabalhadores, as mulheres, os homossexuais...” e que agora nesse dia 14 e 30 de agosto, era preciso que as mulheres estivessem presentes levantando suas reivindicações. Em seguida, Dinizete Xavier, da Secretaria de Mulheres do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP, que apoiou ativamente as greves das terceirizadas em 2007, 2011 e 2013) saudou as mulheres que estavam na atividade e apontou de como nossa luta está ligada a um questionamento ao Estado, resgatando em linguagem simples as definições de Engels sobre a origem da família, da propriedade privada e do próprio estado. E de como achamos que nossos inimigos não são os homens, mas sim capitalismo.


A juventude mostra o caminho!


Clismênia, da Unesp de Marília
Tristan, militante do Pão e Rosas no Rio de Janeiro, partiu das mobilizações de junho e do papel que muitos sindicatos poderiam ter cumprido se tivessem forjado uma aliança dos trabalhadores com as centenas de milhares de jovens que saiam as ruas exigindo saúde, educação e transporte públicos, gratuitos e de qualidade. Colocou que essa combinação explosiva, que desde o Pão e Rosas defendemos, é o que a burguesia e os patrões têm mais medo. E que se no dia 11, os sindicatos tinham sido um impeditivo para os trabalhadores, a vontade e os anseios destes só tinha a crescer. Colocou também de como a visita do Papa Francisco ao Brasil foi marcado por muita repressão, tendo manifestantes atingidos com balas de fogo, até bala de fuzil. E também muita hipocrisia, pois enquanto a voz das ruas gritava por serviços públicos decentes, o governo que dizia não ter dinheiro, gastava 118 bilhões dos cofres públicos para trazer o Papa para o Brasil. Relacionou a repressão diretamente com o sumiço de Amarildo, trabalhador negro da rocinha desaparecido pelas mãos da UPP, e de como ele não é o único, mas é parte da realidade também das mulheres morrem cotidianamente seja pela violência domestica, pela polícia, pelos maridos, etc.


Jéssica, Diretora do CAELL USP
Virginia, estudante da Fundação Santo André, discutiu sobre a ilusão que muitas mulheres tinham que com a chegada de Dilma (PT) como presidente da republica seus direitos estariam garantidos. Contou como desde a campanha eleitoral Dilma já demonstrava que não seria capaz de garantir esses direitos, pois sua base de apoio, já nas eleições a fez desistir de defender a legalização do aborto e assim garantir que 200.000 mulheres deixassem de morrer todos os anos. Continuou com o acordo Brasil Vaticano feito por Lula favorecendo a Igreja Católica com isenções fiscais, vetou o kit anti-homofobia que levava para as escolas, desde a infância, a diversidade sexual e a necessidade de respeitá-la. E por fim, abriu espaço para que essa base aliada chegasse na Comissão de Direitos Humanos com Marco Feliciano, e recebeu de braços abertos o Papa da ditadura argentina no Brasil. Por isso, as mulheres não podiam ter nenhuma ilusão em Dilma, ou no PT ou nos patrões. Era preciso nos organizar de forma independente e nos inspirar nos exemplos como as mulheres indianas que se organizaram e foram às ruas em centenas de milhares para lutarem contra o abuso e os estupros que acontecem frequentemente contra as mulheres. Terminou lembrando de Rosa Luxemburgo , revolucionária alemã do século XX, que se colocava a tarefa de lutar por um mundo “onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.


“Esta é minha 1ª Plenária...”


Adriana, professora da Zona Norte de São Paulo
Dezenas de novas trabalhadoras e estudantes se encontraram nesta Plenária Nacional do grupo de mulheres Pão e Rosas. Com destaque para a delegação de mais de 15 companheiras da Unesp em greve, a voz das mulheres trabalhadoras se fez sentir na intervenção de uma companheira operária de fábricas na Zona Oeste, que iniciou sua fala dizendo que era sua 1ª Plenária, e que na próxima traria mais operárias para se juntar com outras trabalhadoras e com a juventude. Jaciara, trabalhadora do comércio no Rio Pequeno, escancarou o problema da opressão homofóbica e das instituições religiosas que “querem decidir quem eu posso amar”.


Foram dezenas de intervenções de estudantes e trabalhadoras que relatavam suas vidas e a opressão cotidiana que vivem e como combatiam o machismo em casa e no trabalho. Relatos de discriminação por serem lésbicas, por serem negras, por serem trabalhadoras terceirizadas. Se fazia claro que era urgente se organizar para não mais deixar as mulheres morrerem por abortos clandestinos, que era urgente lutar para que as travestis e transexuais tivessem acesso a saúde e educação respeitando sua identidade de gênero e garantindo atendimento qualificado para que a perspectiva de vida não fosse mais de 35 anos.


Jaciara, comerciária
Esteve presente a companheira Patrícia Lessa, do coletivo Maria Lacerda, de Maringá que colocou um relato das atividades do grupo e também interviu Marília Rocha, operadora de trem no Metrô de Sâo Paulo que encabeça como candidata a presidente para as eleições do Sindicato dos Metroviários a Chapa 3 – Pela Base! que está sendo ameaçada de veto pela Diretoria atual do Sindicato e a Comissão Eleitoral.


Uma trabalhadora dos “bandejões” da USP relatava seu cotidiano no local de trabalho e sua revolta com as condições dos terceirizados que nem tinham comida no almoço e eram impedidos de almoçar no próprio bandejão. As estudantes da UFMG relataram como estão organizando o Pão e Rosas em Minas Gerais, Jéssica diretora do CAELL e estudante da Letras retomou a luta contra a ditadura da beleza que nos impõe, Letícia Parks fez um forte relato resgatando a luta de Dandara e muitas outras intervenções transformaram a Plenária Nacional do Pão e Rosas em um emocionante e promissor encontro entre trabalhadoras e estudantes que mostrou o enorme potencial de construção de um forte movimento de mulheres.


Nas fábricas, escolas e universidades: construir o Pão e Rosas!               


Rita Frau, no encerramento
Ao final, Rita Frau, professora da rede estadual de São Paulo em Campinas encerrou fazendo um forte chamado a construir o Pão e Rosas, propondo que nas próximas semanas organizássemos reuniões do Pão e Rosas por local de trabalho e estudo para debater as principais conclusões desta primeira Plenária Nacional. Rita colocou a importância de cada companheira convencer mais mulheres e lutar por nossos direitos junto com o Pão e Rosas. Serão criados grupos de emails para debate entre todas as companheiras de diversos estados que estiveram presentes e debater a organização nos próximos meses de seminários abertos sobre “Gênero e Marxismo” nas universidades avançando em debater nossa estratégia de luta pela emancipação das mulheres. Queremos em breve organizar uma nova e maior Plenária Nacional do Pão e Rosas, preparando nossa forte intervenção no Dia Latino-Americano Pelo Direito ao Aborto bem como nos espaços de mulheres organizados pelos Sindicatos e pela CSP-Conlutas.


Coletivo As Mãos de Jeanne Marie
Ao fim, o recém-formado Coletivo As mãos de Jeanne-Marie apresentou uma performance sobre as mulheres revolucionárias mesclando trechos do poema de Arthur Rimbaud “As mãos de Jeanne Marie” com trechos do livro “Pão e Rosas” de Andrea D’Atri, colocando a necessidade da independência das mulheres trabalhadoras em relação às mulheres burguesas. A atividade continuou com uma grande festa com a DJ Cecília Lara, cerveja e comida, além da exposição artística organizada pela estudante de Ciências Sociais Ravenna Kuneva e outras exposições e colagens. Durante toda a atividade funcionou uma creche com companheiros estudantes e trabalhadores que garantiram o cuidado com as crianças.


Como conclusão, também ficou remarcado que é preciso desde já ir às ruas nesse dia 14 e 30 ao lado da juventude e dos trabalhadores para lutar por transporte público estatal e sob controle dos trabalhadores e contra os escândalos de corrupção entre o governo e o Metrô de São Paulo, construindo também um novo dia de paralisação nacional dos trabalhadores. Venha conhecer e construir o grupo de mulheres Pão e Rosas! Chamamos a nesta semana construir o dia 14 junto com a juventude e os trabalhadores, colocando também a bandeira das mulheres para avançarmos na luta anti-capitalista e arrancar nosso direito ao pão (todas nossas necessidades para viver) mas também o direito as rosas (nosso direito ao lazer, a cultura e a liberdade).

 


  

domingo, 4 de agosto de 2013

A emancipação das mulheres em tempos de crise mundial



Por Andrea D'Atri e Laura Liff*

A sintomática emergência política dos setores mais oprimidos questiona a ideia de emancipação como conquista progressiva e acumulativa de direitos (tal como propõe um feminismo partidário, exclusivamente, aquele da estratégia do lobby parlamentar para a “ampliação da cidadania”) e põe em xeque a perspectiva de “democratizar radicalmente a democracia” (como propõe o pós-feminismo, ou feminismo pós-moderno), que se mostra inviável quando a crise econômica, social e política segue desenvolvendo-se.
Com a crise, torna-se evidente que cada direito obtido não é uma conquista perene, mas que está sujeita a cortes e ajustes que imponham os governos e instituições financeiras internacionais, como também – quando não se trata de um problema estritamente econômico – aos vai-e-vens das relações de forças, já que a crise agudiza a polarização social e isso faz resurgir com virulência os setores mais reacionários que expressam sua xenofobia, homofobia, misoginia, etc. Não são poucos os governos que, por trás de um discurso supostamente “progressista”, escondem compromissos com setores direitistas e concessões a determinados grupos religiosos, reforçando o controle social com a retirada de liberdades democráticas.
Na população que é lançada pelo capital a uma vida miserável, não há “igualdade de gênero”: 70% são mulheres e meninas. Mas a desigualdade não se encontra somente nos índices econômicos. Sua discriminação – como a que se exerce também contra imigrantes e pessoas não heterossexuais – contrasta com os direitos adquiridos nas últimas décadas: repressão, violação e assassinato de mulheres no Egito e outros países da África e Oriente Médio; a escalada xenófoba na Europa; as mobilizações multitudinárias, encabeçadas pela Igreja Católica, grupos de cristãos evangélicos e políticos conservadores, contra os projetos para legalizar o matrimônio igualitário [1]. O capitalismo ensina, com essas lições brutais, que a emancipação feminina assim como de outros grupos sociais subjulgados, é uma quimera enquanto subsistir este regime social, político e econômico. Se esta é a perspectiva, o que deve levantar o feminismo, enquanto movimento emancipador que denuncia a desigualdade social, política e cultural das mulheres sob domínio patriarcal? E o que tem a dizer o marxismo revolucionário?

Paradoxos da restauração conservadora: mais direitos e maiores humilhações

Neste ultimo século, a vida das mulheres mudou de uma maneira que não é comparável às mudanças relativamente menores que experimentou a vida dos homens no mesmo período. Mas há outros dados que contrastam brutalmente com essa imagem de “progresso sem contradições”, até uma maior igualdade de gênero, que é própria dos países imperialistas e das semicolônias prósperas. Como entender dentro deste horizonte, que a cada ano entre 1 milhão e meio e 3 milhões de mulheres e meninas são vítimas da violência machista e que a prostituição se transformou numa indústria de grandes proporções e enorme rentabilidade, o que por sua vez permitiu desenvolver expansivamente as redes de tráfico?
Além disso, mundialmente, apesar dos enormes avanços científicos e tecnológicos, morrem 500 mil mulheres anualmente, por complicações na gravidez e no parto, enquanto 500 mulheres morrem, por dia, em decorrência de abortos clandestinos. No mesmo período, aumentou exponencialmente a “feminização” da força de trabalho, especialmente na América Latina, às custas de uma maior precarização[2]. Por isso, diferente de outras crises mundiais, esta que estamos atravessando encontra a classe operária com uma força de trabalho que representa mais de 40% do emprego global. 50,5% dessas trabalhadoras estão precarizadas e, pela primeira vez na história, a taxa de emprego urbano entre as mulheres é levemente superior à taxa de emprego rural [3].
É gritante o contraste entre os direitos adquiridos – incluindo a legitimidade que alcançou, nas últimas décadas, o conceito de “igualdade de gênero” - e o desolador panorama destas estatísticas. Foi buscando uma explicação para esta contradição, que a feminista norte-americana Nancy Fraser expressou sua insatisfação com a tese de que “a capacidade relativa do movimento (feminista) para transformar a cultura, contrasta de maneira aguda com sua incapacidade relativa para transformar as instituições” [4]. E a partir desse balanço impróprio (que adjudica ao feminismo um triunfo cultural e  certo fracasso institucional), Fraser desafia com uma nova hipótese, perguntando-se se por acaso o que aconteceu é que “as mudanças culturais impulsionadas pela segunda onda, saudáveis em si mesmas, serviram para legitimar uma transformação estrutural da sociedade capitalista que avança diretamente contra as visões feministas de uma sociedade justa”[5]. A autora se permite suspeitar que o feminismo e o neoliberalismo se tornaram afinados uma ao outro, questionando a cooptação do primeiro e a sua subordinação à agenda do Banco Mundial e a outros órgãos internacionais.
A suspeita parece certa. Por acaso o feminismo só pode nos propor uma restrita emancipação, limitada a setores minoritários que gozam de alguns direitos democráticos, em determinados países, às custas da extensão de brutais situações de humilhação contra a imensa maioria das mulheres em escala mundial? Esta situação paradoxal, que as décadas da restauração conservadora nos legaram, não pode ser explicada senão reportando-se à correlação de forças que ficou colocada com a radicalização iniciada nos 60. Desde o fim dessa década até meados dos anos 80, ocorreu um ascenso revolucionário de massas que questionou não somente a ordem capitalista, mas também, o controle férreo da burocracia estalinista nos Estados Operários do Leste da Europa.
No início deste extenso processo de radicalização, que atravessou os continentes e colocou em xeque o equilíbrio pactuado entre o imperialismo e a burocracia estalinista ao fim da 2ª Guerra Mundial, também deu lugar ao florescimento de outros questionamentos radicais sobre a vida cotidiana: o movimento feminista se recriou sob novas premissas, originando o que ficou conhecido como “a segunda onda”, o movimento pela libertação sexual saiu do “armário” imposto pela repressão, irrompendo na cena mundial com as barricadas de Stonewall e a visibilidade “orgulhosa”; a população afro-americana também emergiu, gritando sua rebeldia e hasteando a bandeira do blackpower, enquanto os campi universitários se convertiam em ambientes de deliberação política e filosófica, experimentação musical e lisérgica, ao mesmo tempo em que a família tradicional, o par heterossexual monogâmico e todas as relações intersubjetivas eram questionados pelo amor livre e a vida comunitária.
Mas a contraofensiva imperialista – conhecida como “neoliberalismo” – foi descarregada sobre as massas desferindo-lhes uma derrota não apenas política, mas cultural. Diferente das outras guerras mundiais, a recuperação parcial que o sistema capitalista conseguiu não se baseou na destruição das forças produtivas mediante o aparato bélico. Ainda que houvesse “derrotas físicas”, a base desta “nova ordem” foi, essencialmente, a descomunal fragmentação da classe trabalhadora. Frente a este ataque imperialista às massas e às suas conquistas, as próprias organizações criadas pela classe operária (desde os partidos como a socialdemocracia ou os PC, até os sindicatos e os estados operários burocratizados) atuaram como agentes da implementação dessas mesmas medidas que reconfiguraram o domínio do capital [6]. O modelo do livre mercado e o pensamento único lideraram este período de restauração, caracterizado pelo desvio e a canalização do ascenso de massas através da crescimento dos regimes democráticos capitalistas, abrindo o caminho para  medidas econômicas, sociais e políticas que liquidaram grande parte das conquistas obtidas durante o período anterior.
Este processo se estendeu no tempo e no espaço de uma maneira nunca antes vista. Ainda que “mais extensas geograficamente, se constituíram como democracias degradadas tendo como base fundamental as classes médias urbanas e até setores privilegiados da classe operária (especialmente nos países centrais), que tiveram a porta aberta à extensão do consumo. A desideologização do discurso político sob a combinação da exaltação do indivíduo e a sua realização no consumo (“consumismo”) foram as bases deste 'novo pacto' muito mais elitista que aquele do pós guerra, que conviveu com o aumento da exploração e degradação social da maioria da classe trabalhadora, junto com altos índices de desemprego e a proliferação exponencial da pobreza” [7] (as ênfases no texto são nossas)
Enquanto os setores mais altos da classe trabalhadora e as classes médias eram incorporados ao festim consumista, as grandes maiorias eram lançadas ao desemprego crônico, à aglomeração nas favelas e à marginalidade social, política e cultural. O individualismo também permeou a cultura de massas. Para essa “integração” que estabeleceu um “novo pacto” entre as classes foi necessário incorporar, rebaixando, na agenda das políticas públicas, muitas das demandas democráticas levantadas pelos movimentos sociais, inclusive o feminismo.

Feminismo na democracia: da insubordinação à institucionalização

O divórcio entre a classe operária, por um lado, com suas direções encabeçando a entrega de conquistas ou, no melhor dos casos, resistindo a partir de um sindicalismo vulgar aos ataques neoliberais e, por outro, os movimentos sociais – que, frente à derrota, abandonaram a perspectiva de uma transformação radical do sistema global – se consumou finalmente, depois de uma longa história de barricadas compartilhadas. “Marginalizado por si mesmo” ou integrado às batalhas pelo “reconhecimento” devido no espaço do “Estado democrático”, o feminismo abandonou a luta contra a ordem social e moral que o capital impõe e que descarrega as maiores misérias e ofensas contra as mulheres. Ao contrário, a ausência de um horizonte revolucionário e o papel cumprido por suas próprias direções no momento do maior ataque perpetrado pelo capital, afundou a classe operária em um corporativismo economicista. Reformismo de duas caras: a política feminista só se limitou a pressionar através do lobby às instituições do Estado para conseguir uma “ampliação de cidadania” que, antes cedo do que tarde, está se transformando em papel molhado frente à crise em curso; enquanto às mulheres da classe trabalhadora se designa, no melhor dos casos, somente o “direito” ao salário, deixando nas mãos da casta política burguesa o manejo dos assuntos públicos.
As mulheres que almejavam sua emancipação não tiveram, durante estas décadas de profunda restauração conservadora, um modelo a seguir nos países que abarcava o denominado “socialismo real”, como havia sido no começo do século XX. Ali somente encontravam a confirmação de que toda tentativa de opor-se à dominação existente, poderia gerar novas e monstruosas formas de dominação e exclusão. O estalinismo havia se encarregado de manchar as bandeiras libertárias do bolchevismo para a emancipação feminina e transformá-las em seu inverso: reestabeleceu a ordem familiar promovendo o papel das mulheres como esposas, mães e donas de casa, revogou o direito ao aborto, criminalizou a prostituição, como nos tempos do czarismo; reduziu drasticamente ou diretamente eliminou as políticas públicas de criação de lavanderias, restaurantes e moradias comunitárias e liquidou todos os órgãos partidários femininos. Estas foram somente algumas das medidas com as quais a burocracia destruiu e reverteu os pequenos, porém audazes, passos dados pela Revolução Russa de 1917. Junto a cooptação e à integração ao regime capitalista, avançou-se em direitos democráticos elementares e se transformou a agenda feminista – antes elaborada somente por alguns setores de vanguarda – em “senso comum” de massas. Mas a radicalidade do feminismo da alvorada da “segunda onda” foi engolida pelo sistema. Sua aposta subversiva foi desandada no caminho em que transitou “da rua ao palácio”, da transformação social radical à transgressão simbólica resistente.

Entre a extensão inusitada do consumo para amplos setores de massas, a exaltação do individualismo como valor social e a conversão dos movimentos sociais em pedreiras de tecnocratas para abastecer de pessoal capacitado as agências de desenvolvimento, o feminismo igualitarista perdeu seu caráter crítico. Depois, o feminismo da diferença e o feminismo pós-moderno questionaram, relativamente, essa conciliação.
Mas a adaptação a uma época na qual a revolução se distanciava do horizonte, com uma classe operária submersa num atraso político, a crise de subjetividade sem precedentes e a desmoralização provocada pela identificação do estalinismo com o “socialismo”, também tiveram seu correlato nos novos fundamentos teóricos feministas e feministas pós-modernos. Suas respostas, longe de atacarem o coração do problema, retomando as críticas mais radicais com as quais o feminismo havia conseguido apontar à aliança “capital-patriarcado”, estabeleceram a ideia de uma emancipação individual, enganosamente assimilada às possibilidades de consumo e apropriação – transformação subjetiva do próprio corpo.

Apontamentos para um debate

Esta reconfiguração da situação das mulheres, com novos direitos e vítimas de maiores danos, junto a uma nova composição de gênero da força de trabalho provocada pelas transformações que ocorreram nas últimas décadas, obriga-nos a reatualizar o debate entre feminismo e marxismo sobre o caráter da relação entre capitalismo e patriarcado, o agente da emancipação e a questão da hegemonia. Está colocada a hipótese do ressurgimento de um feminismo que não se autossatisfaça no refúgio intimista da libertação individual e se coloque num horizonte de crítica radical anticapitalista? Isso implica não somente o combate contra as variantes reformistas que propunham a inclusão, ainda quando o fazem sob as labirínticas formas de uma charada pós-moderna, mas também, recuperando – contra todo reducionismo economicista ou politicismo oportunista funcionais àquele reformismo – as melhores tradições da história do marxismo revolucionário na luta contra a opressão da mulher.


*Texto originalmente publicado na Revista "Ideas de Izquierda" impulsionada pelo Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) da Argentina e independentes.
[1]  Em Paris, centenas de milhares de pessoas marcham contra a aprovação do casamento igualitário. Na manifestação, liderada por personalidades da direita e da ultradireita francesa, se ouvia  contra o governo de Hollande a frase: “Não toque no matrimônio, ocupe-se do desemprego”. Em 2008, na Califórnia, grupos direitistas – como a organização Project Marriage (Projeto Casamento) – promoveram a emenda constitucional denominada “Limitar o matrimônio”. Algo parecido aconteceu no Estado Espanhol, onde o PP e a Igreja encabeçaram as mobilizações contra o casamento gay. Recentemente, no Brasil, milhares participaram na “Marcha pra Jesus”, uma manifestação de cristãos evangélicos liderados pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados que aprovou um projeto de lei para que as faculdades de psicologia considerem a homossexualidade como uma doença e estabeleçam seu tratamento.
[2] Nas 3.000 zonas francas que há no mundo  trabalham mais de 40 milhões de pessoas, sem nenhum direito, mas 80% são mulheres que tem entre 14 e 28 anos.
[3] OIT, Informes 2011 e 2012.
[4] Nancy Fraser, “El feminismo, el capitalismo y la astucia de la historia”, New Left Review 56, Madrid, 2009.
[5] Ídem.
[6] Ver E. Albamonte e M. Maiello, “En los límites de la restauración burguesa”, Estrategia Internacional 27, Buenos Aires, 2011.
[7] Idem.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Venha na Plenária Nacional do Pão e Rosas, 10 de agosto!

Já está na gráfica! A partir desta quinta-feira estaremos com este folheto nas fábricas, escolas, bairros, locais de trabalho e universidades de várias cidades do país chamando as mulheres trabalhadoras, estudantes, donas de casa, desempregadas, secundaristas, mulheres negras, travestis, jovens trabalhadoras a participar da Plenária Nacional do grupo de mulheres Pão e Rosas. Dia 10 de agosto, venha participar!