Camila Moraes, estudante de Geografia na USP
Na greve
de trabalhador@s terceirizad@s em 2011 na USP - em que elas e os estudantes
espalharam lixo pelos prédios da Faculdade de Humanas, se manifestando pelos
pagamentos de seus salários e direitos - lembro-me de pelo menos uma delas
dizendo algo como: 'pela primeira vez havia se sentido visível naquela
universidade', pois diariamente, por cerca de 9h por dia, limpam o chão,
banheiros, salas e não são notadas por ninguém: estudantes, funcionários,
professores... No momento em que passaram a ser sujeitas políticas, em que
estavam não limpando, mas sim lutando com centenas de companheiras e
estudantes, foram notadas. Sabemos que elas tem toda razão quando dizem isso,
as pessoas que frequentam os prédios não sabem seus nomes, não lhes
cumprimentam e as veem todos os dias, limpando...
Em 2005
teve uma greve da empresa Guima na USP, que deu no livro 'A Precarização tem
rosto de mulher', os relatos de Silvana, que foi linha de frente dessa greve e
hoje é uma valiosa companheira do Pão e Rosas, mostra profundamente essa
invisibilidade das trabalhadoras da limpeza, além da orientação dos patrões de
não falar com com as pessoas, sobretudo os estudantes, com a ameaça de
serem transferidas.
Estou
tendo a experiencia de trabalhar ao lado de algumas trabalhadoras terceirizadas
(em cerca de 15, apenas 3 são homens, sendo 2 homossexuais) e vejo como se dá
essa relação de inferioridade de forma profunda: entre os efetivos e
terceirizados. A jornada de trabalho é intensa, sobretudo para as
terceirizadas, que tem uma estação de metro gigante para limpar entre poucas.
Toda manhã, bem cedo, tanto elas, como os metroviários, estão tomando café na
copa. Há uma divisão nas mesas: de um lado sentam as terceirizadas, do outro os
metroviários. Quase ninguém as cumprimenta, nem com um bom dia, quanto mais com
um beijo no rosto. Quando fui sentar na mesa com elas, elas ficaram
impressionadas, falando como eu era humilde, pois todos ali tinham nariz em pé
e nem falavam com elas. Outro dia eu tirei apenas as coisas que estavam em cima
da mesa, pois uma jovem terceirizada estava limpando e ela me falou: 'Você é a
primeira que me ajuda, acredita?'
Pequenos
gestos mostram como elas sentem na pele, todos os dias, o preconceito por serem
mulheres, negras, morarem na periferia e trabalharem na limpeza. Pequenos
gestos demonstram como a divisão entre os trabalhadores efetivos e
terceirizados é brutal e só enfraquece a luta da classe. Os salários e direitos
são muito menores (o salario delas deve ser menor que o vale-refeição dos
metroviários), a jornada de trabalho é muito mais intensa, o trabalho é
sub-valorizado.
Historicamente
o trabalho de reproduzir a vida nos lares é tido como um trabalho não
remunerado e feminino. A mulher Lava, cozinha e limpa para que sua família
esteja em condição de no dia seguinte, ter sua rotina, produzir para o patrão
ter a riqueza, recebendo em troca um salario que não dá pra nada. E é assim
todos os dias, trabalha o dia inteiro na rua (muitas vezes limpando) e chega em
casa e ainda trabalha mais, é a dupla jornada de trabalho que tira o descanso
de milhões de mulheres todos os dias.
O
serviço de limpeza foi introduzido no mercado de trabalho primeiro com as
empregadas domésticas (não preciso dizer que todas são mulheres, muitas negras)
ganhando salários miseráveis, sem direitos, lembrando bastante a escravidão...
Em larga escala, a limpeza foi introduzida nas Instituições Públicas e empresas
com a terceirização do trabalho, fazendo uma divisão brutal na classe
trabalhadora.
Esses
'pequenos gestos' de minhas colegas de trabalho demonstram a importância da
defesa dos trabalhadores precários pelos efetivos. Não haverá efetivação dos
terceirizados sem uma intransigente defesa desta pauta pelos efetivos.
Sindicatos como o SINTUSP (Trabalhadores da USP) são um exemplo de como se deve
colocar essa defesa tanto em debate entre a base da categoria, tanto na luta
quando estes se levantam pelos seus direitos. Um dos diretores sindicais,
Claudionor Brandão foi demitido por defender os terceirizados em 2008, a atual diretoria
quase toda (se não toda) tem processos administrativos pela mesma causa.
Essa
punição exemplar para os diretores do SINTUSP demonstra como a unidade entre
efetivos e terceirizados é uma afronta aos planos dos governos e patrões, que
seguem aprofundando a precarização do trabalho, rebaixando os salários
utilizando o grande contingente de desempregados e setores oprimidos que
não se veem com outra alternativa que não aceitar os piores postos de trabalho
(negros, mulheres, homossexuais, imigrantes...).
Enfim,
defender incondicionalmente os trabalhadores mais precarizados, os que hoje
mais sofrem com os ataques aos nossos direitos em tempos de crise econômica
mundial, é defender os setores mais oprimidos da sociedade, é pensar
estrategicamente o acirramento da luta de classes no Brasil. Sabemos que apenas
com a força dos próprios trabalhadores arrancaremos nossos direitos, que nada
dos que nos é 'concedido' é por bondade dos patrões e governo. Nos dividir
entre mulheres e homens, homossexuais e héteros, efetivos e terceirizados,
negros e brancos é parte do ataque a nossa organização enquanto classe para não
avançarmos na unidade das fileiras operárias.
Dedico
estas poucas palavras à estas mulheres, negras, trabalhadoras e lutadoras, que
mesmo com todo o sofrimento que o machismo, o racismo e o capitalismo impõem
diariamente, são as mais sorridentes entre meus colegas de trabalho. Dedico a
Ana, que um dia me viu colando um boletim do Pão e Rosas no mural e perguntou
sobre as reuniões do grupo de mulheres - muito interessada - mas falou que
depois de trabalhar no metrô, ainda trabalha limpando uma casa todo dia, e ai
não tem tempo para participar (pois certamente, ao chegar em casa, tem a tripla
jornada de trabalho).