Por Gabriela e Stephanie, do Pão e Rosas Rio Claro
A idéia que nos é passada hoje, através dos livros, da ciência, da escola, da televisão, e repetida pela grande maioria das pessoas, é a de que "o mundo mudou", que "não vivemos mais em uma sociedade machista", "a mulher? Triste o tempo que ela era oprimida, porque hoje ela conquistou seu espaço", e as próprias mulheres confirmam: "hoje podemos nos divorciar, podemos trabalhar!", enfim "que o patriarcalismo chegou ao fim" e que a mulher conquistou sua liberdade...
Mas a questão é, concordamos que o mundo mudou, mas entendemos que ele não mudou tanto a ponto de romper com as suas estruturas mais enraizadas, e que continua privando algumas pessoas de terem direito em privilégios de outras, faz a maioria das mulheres acreditar que conquistamos nossa liberdade e que o machismo vive apenas nos livros de história, e é essa mesma estrutura que necessita da exploração de milhares de homens e mulheres pobres, e principalmente da opressão do gênero feminino, para se propagar.
Para tentar responder a essas questões, e outras que possam surgir, buscaremos explicações na realidade de mulheres que de fato trabalham fora de suas casas, mas não mulheres como a Xuxa, ou como a Hillary Clinton e muito menos a Condoleezza Rice, que possuem empregos questionáveis, porém muito bem remunerados e que quando chegam em suas casas a comida já foi feita por outras mulheres, suas empregadas. Nessas breves palavras falaremos das mulheres que ocupam hoje (e sempre ocuparam) no mercado de trabalho os postos mais precarizados, ganham os piores salários, e ao chegar em casa sua luta cotidiana continua, pois terão que cozinhar para seus maridos, cuidar de suas casas e filhos. Essas mulheres, que tempo elas possuem para essa tal liberdade? Não, não existe tempo livre para essas mulheres! Não há tempo para pensarem, para terem uma vida política ativa, para exercerem outras atividades que não a de seu trabalho alienado! Quando afirmam que não há mais machismo e que a opressão feminina acabou, esquecem dessas milhares de mulheres trabalhadoras que século após século não conhecem a liberdade. E é por essas mulheres, é para que essa falsa liberdade seja denunciada e é pela nossa real emancipação que faremos as reflexões a seguir.
A mulher e o "novo" mercado de trabalho
A chamada "divisão sexual do trabalho" tem as suas origens desde as sociedades mais remotas, e mesmo ao longo dos séculos, não deixou de existir, e nem de ser o trabalho feminino menos valorizado do que o masculino, tanto o trabalho exercido pelas mulheres no âmbito das suas casas (trabalho doméstico), que sempre foi invisível, minimizado e realizado por elas para os outros, em nome de um dever materno irracional, que vem sendo naturalizado e apropriado pelo capitalismo, até o trabalho realizado pela mulher no próprio mercado de trabalho, que também possui ao longo dos séculos um valor menor. Dessa forma o atual sistema mantém a ordem no núcleo familiar, possibilitando a reprodução da força de trabalho. Isso quer dizer que, trabalhando em casa (espaço reprodutivo), a mulher garantirá que no dia seguinte seu marido, filhos e ela mesma possam ser explorados no trabalho (espaço produtivo) sem receber por isso.
Para entender a maneira como o capital se apropriou da opressão de gênero, e foi buscar na força de trabalho feminino uma maior fonte de lucro, precisaremos fazer uma análise histórica.
Com as novas dinâmicas do capital, o mercado precisou da mulher, na Revolução Industrial com a inclusão das máquinas no processo produtivo, a utilização do trabalho feminino se fez necessária uma vez que o determinante não era mais a força muscular (Marx). Mas vale ressaltar aqui que essa incorporação da mulher no mundo do trabalho, com a Revolução Industrial, "trouxe, dentre tantas conseqüências, a desvalorização do valor da força de trabalho de toda a classe trabalhadora" (Mazzei), uma vez que aumentando o número de trabalhadores, a sua mão-de-obra se torna mais barata. Assim, esses "novos" trabalhadores se tornam também consumidores.
Mas ainda assim, existe uma hierarquia na divisão sexual do trabalho, os homens possuem salários maiores para exercerem muitas vezes as mesmas funções que as mulheres, ou seja, o capitalismo retira das mulheres o máximo de lucro!
Como já citado no texto, vivemos em um modo de produção capitalista. Porém o modo de organização dessa produção varia segundo as necessidades do capital. A partir da consolidação do modo de produção industrial, desenvolveu-se um modelo conhecido como Fordismo. Segundo esse modelo, sintetizado primeiramente nos EUA, as linhas de montagens passaram a ser automatizadas, ficando o trabalhador responsável por realizar uma pequena etapa da produção repetitivamente e não necessitando de uma grande qualificação, em contrapartida do que ocorria antes da Revolução Industrial, em que os artesões participavam de todas as etapas da produção, surgindo assim nas fábricas: a divisão social do trabalho. Outro elemento é a rigidez fordista, relacionada com a fabricação em massa de um mesmo produto, criando assim um estoque da produção. Além desses fatores, essas grandes fábricas, possuíam um grande número de trabalhadores concentrados no mesmo local de trabalho, e geograficamente próxima a outras fábricas, que possibilitou a esses trabalhadores se organizar em sindicatos para defender seus interesses.
Conforme o modo de produção foi se desenvolvendo, ele foi conhecendo momentos de crise, que exigiram que o modelo de organização fosse repensado. Por exemplo, com a crise mundial ocorrida na década de 70, o mundo conheceu o declínio do modelo fordista de produção, e precisava de uma saída. Assim, a resposta não tardou a aparecer (e já estava aparecendo), e diretamente do Japão (que buscava uma reestruturação no pós-guerra) um novo modo de organizar o trabalho se desenvolve: o toyotismo!
Com o toyotismo, novas relações de trabalhos são impostas, novos padrões organizacionais e tecnológicos, e principalmente novas formas de organização social e sexual do trabalho.
O toyotismo, com suas formas flexíveis de acumulação de capital, vem com toda força para dar respostas as crises ocorridas nas décadas anteriores. As empresas e fábricas adotam o sistema just-in-time em substituição ao estoque típico do fordismo, e passam a criar métodos participativos para os trabalhadores, medidas que ao mesmo tempo em que respondem ao avanço do sindicalismo, contribuem para a lógica empresarial que exige a redução de custos para obter maiores lucros. Outra conseqüência foi a redução da força de trabalho, que levou a um aumento sem tamanho da exploração, além dos altos níveis de desemprego estrutural, a destruição e reconstrução de habilidades, e a redução do emprego regular em favor do crescimento do trabalho temporário que afeta principalmente as mulheres, e a sua principal estratégia: a terceirização do trabalho!
A intensificação da precarização do trabalho: as terceirizações
A terceirização é uma estratégia que assume um importante papel no mundo capitalista globalizado a partir da década de 70, conforme já dito antes, através da reestruturação produtiva (toyotismo), e ela é uma saída principalmente por dois aspectos fundamentais: ao mesmo tempo em que diminui os gastos com a força de trabalho, provoca a divisão entre os trabalhadores.
A terceirização ocorre quando uma empresa contrata outra empresa para que esta forneça a mão de obra de alguma atividade que não é a principal da empresa contratante. Fazendo isso ambas as empresas ganham, citando um exemplo concreto: Na Unesp, uma universidade, a atividade fim é o tripé `ensino-pesquisa-extensão', porém para que sua estrutura funcione são necessárias outras atividades, como a limpeza. Dessa forma, se a Unesp que é "do Estado", fosse contratar funcionários deveria abrir concursos públicos, porém ao invés disso utiliza-se da mesma lógica do mercado, solicitando uma empresa terceira para fornecerem a mão de obra.
Para uma funcionária efetiva da limpeza, o Instituto de Biociência da Unesp de Rio Claro paga um salário referente, em média, a dois e meio, três salários mínimos. Já para as terceirizadas, a empresa TransCampos paga um salário mínimo.
Partindo desta análise concreta, e retomando as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, se torna evidente a intensificação da exploração da classe trabalhadora, além da sua fragmentação. Pois muitos trabalhadores apesar de exercerem as mesmas funções, por receberem salários diferentes e trabalharem em condições diferentes, não se reconhecem enquanto classe. Retomamos aqui o fato da reestruturação produtiva vir como resposta não somente a crise do próprio sistema, mas sim a organização dos trabalhadores.
Outro aspecto da terceirização é a desregulamentação das leis trabalhistas nas contratações por empresas terceirizadas, além da ausência de uma legislação específica da categoria, que garantiria os direitos desses trabalhadores. Mas essas observações não podem ser feitas de forma simplista, já que com a reestruturação produtiva outra conseqüência é o crescente desemprego, criando um exército de reserva que possibilita aos patrões explorar de forma mais acentuada, desmobilizando os trabalhadores que ficam vulneráveis, já que dependem da venda de sua força de trabalho.
Não podemos de maneira alguma esquecer que as terceirizações são um fenômeno global que vem se intensificando rapidamente nas últimas décadas, e que junto a ela ocorre a precarização do trabalho feminino, já que a grande maioria desses empregos são ocupados por mulheres. Mulheres estas que são exploradas e oprimidas cotidianamente, e de diversas formas: No ambiente familiar com a dupla jornada de trabalho; pelas empresas terceirizadas que lucram em cima de seus trabalhos precarizados; pelas empresas contratantes, que pagam salários menores; e pela própria opressão de gênero, que se reflete até hoje, em todas as esferas da sociedade.
Devido a atual conjuntura internacional, no que diz respeito a questão da mulher e do trabalho, não poderíamos deixar de, enquanto mulheres e estudantes, questionar, denunciar, e lutar ao lado dessas mulheres, para que as cercas da exploração e da opressão sejam de fato rompidas! Chamamos a tod@s para nos organizarmos em uma luta contra a precarização e flexibilização do trabalho! Nos colocamos ao lado das terceirizadas para que todas as trabalhadoras sejam incorporadas ao quadro de funcionárias efetivas! Para que as mulheres se libertem de todas as amarras que um dia lhe foram postas! E possam desfrutar da real liberdade!
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