segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Manifesto Pão e Rosas!

Nos manifestamos dentro de nossas universidades e locais de trabalho por sentir a necessidade de ter um espaço de discussão e ação concreta em torno da questão da mulher na sociedade de classes. Se o fazemos a partir deste ponto de vista é porque entendemos que a opressão a que estão sujeitas as mulheres, apesar de anterior ao capitalismo, sobrevive porque tem funcionalidade e legitimidade justamente na base da sociedade capitalista: a exploração de uma classe pela outra. Por isso, nós somos contra esse sistema.

Nosso nome é uma homenagem à luta das operárias têxteis norte-americanas, que no começo do século XX estavam na linha de frente de uma importante greve, onde exigiam o "pão", que representava não apenas o alimento, mas as condições necessárias para viver, assim como as "rosas", que significava a cultura, a arte e a possibilidade de se desenvolver plenamente enquanto mulheres, o que nos é brutalmente negado na sociedade de opressão e exploração em que vivemos.

Hoje, olhando para casos de personalidades femininas socialmente bem-sucedidas e financeiramente independentes, há quem fale que as mulheres alcançaram pé de igualdade com os homens. Ora, podemos comparar a vida de Condolezza Rice com a situação das mulheres negras haitianas que sofrem com a violência das Tropas da ONU? Não, assim como o único elemento que une Hilary Clinton com a situação das imigrantes nos Estados Unidos é o fato de serem mulheres. Entretanto, mulheres como as senhoras Hilary e Rice são agentes diretos da exploração do imperialismo norte-americano sobre a classe trabalhadora e o povo pobre de todo o mundo.

Por isso, compreendemos que todas as mulheres são oprimidas, mas o limite de tal opressão possui diferentes formas conforme a classe social a qual pertencem. Cabe aos estudantes e à juventude tomar essa questão pelo corte de classe, se colocando ao lado das mulheres trabalhadoras para discutir a realidade em que vivemos e as necessidades de organização, contrariando a idéia de que as mulheres só devem discutir os problemas das mulheres, isoladas da realidade na qual vivemos.

Afinal, nos dizem que somos apenas reprodutoras e que o lar é nosso local por excelência, para assim justificar o fato de fazermos de graça todo o serviço doméstico socialmente necessário à reprodução da força de trabalho. Os capitalistas se desobrigam de garantir creches, lavanderias e restaurantes comunitários que mantenham em condições seus assalariados para continuar explorando-os, sabendo que o trabalho de casa será executado gratuitamente pelas mulheres. E então, quando precisam de mão-de-obra mais barata, somos recrutadas para o mercado de trabalho, ocupando postos precarizados, muitas vezes exercendo a mesma função de um homem por salários menores.

O sistema capitalista construiu, portanto, enormes contradições: nos diz que as mulheres devem ficar no lar cuidando das crianças, mas nos obriga a trabalhar fora de casa, porque com apenas um salário não dá pra sustentar toda a família; nos diz que os homens têm que trazer o sustento, mas depois condena os trabalhadores com o desemprego, provocando depressão e angústia diante da miséria. Nos dizem que devemos criar nossos filhos, mas nem o Estado e nem os capitalistas nos dão creches gratuitas em nossos trabalhos. Condenam o aborto, mas nos demitem quando engravidamos!

Às jovens lhes dizem que devem ser livres, independizar-se de seus pais e progredir, mas depois se encontram com o trabalho precário, a flexibilização, o estágio, os salários de miséria, a instabilidade dos contratos temporários.. . Aí têm que continuar vivendo com os pais por muito tempo! Nos dizem que devemos sonhar com o amor romântico, mas depois nos impõe as horas extras, as folgas 6 por 1, os horários rotativos, o trabalho noturno... E quando teremos tempo para nos encontrar com nosso companheiro ou companheira? Também nos reprimem quando queremos desfrutar de nossa sexualidade, seja com homens ou com mulheres.

Também dizem que as mulheres são fracas, mas cada vez aumentam mais o número de casas mantidas por mulheres. E, além disso, quando o capitalismo descarrega suas grandes crises sobre as famílias operárias, as mulheres estão na primeira fileira da luta e são de dar medo aos patrões, à justiça, às forças repressivas e aos políticos do regime! Assim mostraram as mulheres pobres de Paris, em 1789, quando se mobilizaram contra os preços do pão e deram início a grande Revolução Francesa. Assim mostraram, também, as operárias têxteis de São Petersburgo, em 1917, quando se mobilizaram reivindicando "pão, paz e liberdade" e deram o pontapé inicial da primeira revolução proletária triunfante, a Revolução Russa. Assim também mostraram diversas mulheres nas últimas lutas, como as trabalhadoras de Bruckman na Argentina e do Wall Mart nos Estados Unidos. E assim temos confiança de que mostrarão as mulheres trabalhadoras e a juventude nos próximos enfrentamentos de classe!

Hoje, a presente crise do capitalismo, iniciada nos EUA e estendida a todo o mundo, mostra a cada dia sua face mais brutal de um sistema de poucos que muito têm sobre muitos que nada têm. Vemos como os banqueiros e os grandes capitalistas são socorridos por bilhões de dólares, enquanto cada vez mais os trabalhadores têm que se enfrentar com o desemprego e a miséria. Isto prova que este sistema merece acabar. O Brasil não é diferente, e apesar do governo Lula nos dizer que estamos "blindados" contra os efeitos da crise, as demissões e as férias coletivas já começaram. Se organizar de forma independente ao lado da classe trabalhadora é a única maneira que as mulheres e a juventude têm de se enfrentar com essa crise que querem descarregar nas nossas costas. Sabemos que sentiremos duplamente esse peso. É preciso começar a resistência. Mulheres organizadas para barrar as demissões, férias coletivas e suspensões!

Não aceitaremos, portanto, a saída que a burguesia quer dar, através do Estado, suas instituições e o governo, pois são esses os que asseguram, reforçam, legitimam e justificam as condições de subordinação e opressão das mulheres. Inclusive, a campanha hipócrita e reacionária da Igreja contra o direito ao aborto se faz eco, lamentavelmente, em setores que se dizem socialistas, como Heloísa Helena do PSOL. E o PT, que por décadas atraiu os setores feministas mais importantes de nosso país, mostrou mais abertamente com o governo Lula seu caráter de protetor dos interesses da burguesia. Portanto, jamais poderá responder aos anseios das mulheres que querem lutar contra a nossa opressão e exploração. Basta ver o caso da governadora do Pará, Ana Julia Carepa, membro da DS (Democracia Socialista), corrente petista que dirige a Marcha Mundial de Mulheres, em cujo Estado uma jovem menor de idade ficou encarcerada com homens por quase um mês. A maneira criminosa como isso foi tratado mostra que não se pode governar para o capital e promover uma política conseqüente para as mulheres. É preciso, portanto, superar esta direção e avançar na construção de uma nova tradição de luta pelos direitos das mulheres! Às companheiras que ainda assim mantém ilusões nesses setores, e também no governo do PT, convidamos a refletir sobre as contradições que estão em xeque hoje.
Também queremos nos apropriar do legado teórico de todas as grandes feministas, sobretudo as que partiram do diálogo com o marxismo, que aportaram com as ferramentas necessárias para o entendimento das bases da condição feminina na sociedade de classes, e as chaves para a transformação a partir da luta revolucionária por nossa emancipação. É preciso que a juventude, ao lado das mulheres trabalhadoras, tenha independência política diante dos exploradores e seus aliados! Fazemos também um chamado especial às mulheres das organizações de esquerda, como a Conlutas, a nos organizarmos em comum!

Este manifesto convida à construção de um forte movimento militante de mulheres trabalhadoras, terceirizadas, donas de casa, desempregadas, estudantes e jovens, chamado Pão e Rosas, que lute pelos nossos direitos e para acabar com esse sistema de opressão e exploração!



Depois de uma jornada de trabalho, as mulheres voltam para casa e encontram... mais trabalho. Quantas vezes não ouvimos que "política não é coisa de mulher"? Isso se justifica pelo fato de que, se as mulheres não estão mais inseridas nos sindicatos é porque estão garantindo a comida, a roupa lavada e o cuidado com os filhos, um trabalho socialmente necessário que não é remunerado, servindo muito para eximir os patrões de aumentar o salário dos trabalhadores. Daí a importância de reivindicarmos creches, restaurantes comunitários e lavanderias em todos os locais de trabalho, nas universidades e nos bairros!

Todos os dias convivemos com a super-exploração das trabalhadoras. São aquelas que usam uniformes diferenciados dos trabalhadores efetivos. Elas recebem salários menores e constantemente são ameaçadas de demissão devido à instabilidade de seus empregos. Por que convivemos com isso de braços cruzados? Devemos nos colocar frente uma campanha pela efetivação de todos os trabalhadores terceirizados, exigindo os mesmos salários para os mesmos cargos, sejam homens ou mulheres, brancos ou negros!

O Núcleo Pão e Rosas é contra a intervenção que o Estado, a Igreja e a classe dominante têm sobre nossos corpos. Nos dizem o que fazer e nos "obrigam" a buscar um modelo comum de beleza. Não aceitam que nossa sexualidade pode se dar de diversas formas outras, a não ser a convencional, ligada diretamente à reprodução. Queremos decidir por nossos corpos através do acesso à saúde de qualidade, direito à maternidade e atendimento especial. Lutamos pela educação sexual, contraceptivos e aborto legal e gratuito. Acreditamos que apenas a partir de tais conquistas, as mulheres vão parar de darem à luz filhos indesejados e pior, morrer em conseqüência de abortos clandestinos, que já contabilizam a quarta causa de morte feminina no Brasil.


A cada dia a violência se torna a principal causa da morte de mulheres. O próprio sistema capitalista, que reproduz estereótipos de submissão e obediência para as mulheres e dominação para os homens, expõe os corpos femininos como objetos de consumo e desfrute para os demais. Entretanto, na sociedade onde vivemos, diferentemente do que muitas mulheres pensam, a violência não é um assunto privado e individual, e não se dá apenas no âmbito familiar, mas toma diversas formas e contornos, como a violência policial, a proibição do direito ao aborto que resulta na morte de 6 mil mulheres todos os anos na América Latina, a diferença de salários, a precarização do trabalho, as redes de prostituição e tráfico de mulheres, o assédio moral e sexual nos locais de trabalho... O capitalismo, portanto, sustenta e legitima toda a violência que existe. Por isso, é preciso lutar contra todas as formas de violência contra as mulheres! Queremos dizer basta! Que a classe trabalhadora levante essa bandeira!

Passados 120 anos da abolição da escravidão, podemos ver nitidamente que o capitalismo no Brasil incorporou os negros ao trabalho assalariado, destinando-os às funções mais precárias e os salários mais baixos, e sabemos que as mulheres são as mais atingidas por essa opressão. Historicamente, às mulheres negras é negado o direito à maternidade. Durante a escravidão, nossos filhos muitas vezes eram arrancados de nossos braços após o parto. Na atualidade, vemos casos de esterilização forçada que tem como principal alvo as mulheres negras. Sustentamos nossos lares com salários miseráveis e enfrentamos o absurdo das exigências de "boa aparência" nas entrevistas de emprego. Nossos corpos são tratados como mercadorias sob o símbolo da "mulata", que faz do Brasil um dos "campeões" em tráfico sexual. Nossos filhos são mortos pela polícia nessa matança brutal que assola as favelas e periferias, onde ser negro é ser sempre suspeito. Nossas irmãs africanas e haitianas são estupradas por soldados da ONU nas "missões de paz" que espalham terror. Somos a camada mais explorada da classe trabalhadora do nosso país e temos um papel fundamental a cumprir na luta pela libertação do povo negro e da emancipação das mulheres, luta que para nós se insere no marco do combate da luta de classes, contra a burguesia e o imperialismo. Pelo fim da diferença salarial entre brancas/os e negras/os! Pelo direito à maternidade para as mulheres negras! Abaixo às políticas de esterilização forçada! Abaixo a repressão policial ao povo negro!

As práticas de consumo capitalista levaram à reprodução massiva de uma imagem da mulher que mantém relações de poder e geram diversas formas de opressão embasadas em modelos estéticos, políticos e religiosos difundidos pela mídia. O corpo feminino continua operando e ocupando o papel mercantil mais submisso de coisa, objeto. Ele aparece ora contido na exposição da boa mãe, esposa e filha; ora completamente exposto como produto nas propagandas de carros e cervejas, na propagação do machismo de forma massiva: gastando bem, mulher não vai lhe faltar! Mulheres são expostas como carne nas revistas masculinas enquanto, ao mesmo tempo, a mídia voltada ao público feminino sempre coloca o homem como sujeito de sua vida. E inseridas em tal lógica, muitas mulheres tentam adaptar-se a padrões estéticos completamente avessos a si, e não para si, mas para o homem, conforme sua individualidade é banalizada no machismo difundido pelo sistema capitalista. Doenças como a anorexia são também produto dessa ideologia. Por isso, dizemos às mulheres: sejamos sujeito, e não objeto!
Da mesma forma que não existe capitalismo sem machismo e racismo, o mesmo pode-se dizer da homofobia. O Brasil encabeça rankings de violência contra homossexuais na América Latina, com casos extremos como as recém-divulgadas 13 mortes de homens homossexuais em Carapicuíba. Além de sermos alvos de agressão física passamos também por formas de humilhação social e moral, como ao ser alvo de piadas em rodas de bar, diminuindo nossa sexualidade e nossos trejeitos, obrigando-nos a reduzir à guetos quando na verdade somos parte das fileiras de trabalhadores. Em uma sociedade dita democrática, em que nossos direitos são falsamente garantidos por representarmos um mercado potencial em expansão, a mulher lésbica é duplamente oprimida e explorada. Isso porque, o desfrute de nossa sexualidade não é definido por nós mesmas, já que a sociedade onde vivemos reprime qualquer tipo de sexualidade que não esteja diretamente relacionada à reprodução. Na saúde pública não podemos contar com nenhuma espécie de atendimento especializado ou métodos preventivos que considerem nossa sexualidade e, justamente pela homofobia, poucas de nós sequer relatamos aos nossos médicos que nos relacionamos com mulheres. Por isso lutamos pelo direito ao livre exercício de nossa sexualidade! Basta de discriminação e violência contra travestis, lésbicas, transexuais e gays!

sábado, 13 de dezembro de 2008

Conheça e discuta nosso Manifesto!

Este manifesto convida à construção de um forte movimento militante de mulheres trabalhadoras, terceirizadas e desempregadas, estudantes e jovens, chamado Pão e Rosas, que lute pelos nossos direitos e para acabar com esse sistema de opressão e exploração!
Convidamos todas e todos a conhecer e discutir nosso
manifesto. Logo após a Plenária do Movimento A Plenos Pulmões.
Dia 13/12 às 19h no SINTUSP
Av. Profº Luciano Gualberto, travassa J, 374 -
C. Universitária - Butantã (ao lado da ECA)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Mães, alunas e professoras da E. E. Salvador Bove discutem a situação das mulheres no capitalismo


No último sábado, dia 06/12, realizou-se uma atividade de encerramento da “Semana de Prevenção” na Escola Salvador Bove, no bairro Jardim Nova Mercedez, periferia de Campinas. Esta semana foi organizada por um grupo de professores e professoras, e foi feita uma atividade de encerramento aberta para os pais e a comunidade do bairro, discutindo as dificuldades enfrentadas pela mulher trabalhadora na sociedade capitalista. Nessa atividade de encerramento esteve presente Diana Assunção, militante da LER-QI e integrante do Núcleo Pão e Rosas. Discutimos a necessidade de organização das mulheres diante da crise econômica que já atinge o Brasil, e convidamos todas as mães, alunas e professoras a se organizarem junto conosco.

Se você tiver interesse em organizar atividades e debates
em sua universidade, escola ou local de trabalho
entre em contato nucleopaoerosas@gmail.com

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Declaração do Núcleo Pão e Rosas diante da demissão de Claudionor Brandão, dirigente sindical do SINTUSP

Ontem, dia 09 de dezembro, Claudionor Brandão, diretor do SINTUSP (Sindicato de Trabalhadores da USP) e dirigente da LER-QI (Liga Estratégia Revolucionária - Quarta Internacional) , foi demitido pela Reitoria da Universidade de São Paulo, numa mostra clara de que a repressão e a perseguição política aos lutadores da USP segue adiante.

Nós, mulheres do Núcleo Pão e Rosas repudiamos a demissão do companheiro Brandão, e consideramos que se trata de um ataque ao conjunto da classe trabalhadora. Desde já, nos solidarizamos com o companheiro e os demais trabalhadores da USP para impulsionar uma campanha em defesa do emprego e contra a repressão aos lutadores.

Pela imediata readmissão de Claudionor Brandão!
Contra as demissões e suspensões!

São Paulo, 10 de dezembro de 2008
Núcleo Pão e Rosas

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Dia 06/12, sábado, o Núcleo Pão e Rosas estará na E. E. Prof. Salvador Bove em Campinas para discutir a questão da mulher e as classes sociais


Atividade de encerramento da "Semana de Prevenção" com o NÚCLEO PÃO E ROSAS, formado por estudantes da FACULDADE PUC/SP e trabalhadoras
dia 06/12 às 14, logo após atividade cultural com apresentação de dança-do-ventre
na E.E.PROF. SALVADOR BOVE, Rua Alberto Degrande, 330, Bairro Jd. Nova Mercedez.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Debate

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A LEI MARIA DA PENHA

Debatedoras:

Natália Braga Costa Pimenta
(Militante do Coletivo de Mulheres Rosa Luxemburgo - PCO)

Carol Rodrigues
(Militante do PSTU)

Fernanda Figueira
(Integrante do Núcleo Pão e Rosas e Militante da LER-QI)


dia 28 de novembro
sexta-feira
às 12:30
no Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Mulheres negras!


"Sem racismo não há capitalismo", Malcolm X

No momento em que a ONU, ao lado do governo Lula, acaba de renovar a permanência das Tropas no Haiti por mais um ano e os Estados Unidos acabam de eleger seu primeiro presidente negro, consideramos importante abrir a discussão sobre a opressão que vivem os negros, e em especial as mulheres negras na sociedade capitalista. Queremos também discutir a situação das mulheres que sofrem violência, lembrando que em menos de 10 dias quatro meninas com idades de 3 a 9 anos foram estupradas e assassinadas no estado do Paraná. No mês da consciência negra e da luta contra a violência às mulheres, perguntamos: qual a relação entre a aberrante situação de violência que sofrem as mulheres nesse sistema em que vivemos? Poderão Barack Obama, Condoleezza Rice ou René Preval resolver o problema do povo negro explorado e oprimido?
Convidamos todos e todas a essa discussão.

26/11 (quarta) às 18h30
no CASS da PUC-SP

domingo, 23 de novembro de 2008

Discussão sobre a fábrica Zanon com Graciela López Eguia, do PTS Argentino

No dia 18/11 [terça-feira] o Núcleo Pão e Rosas se reuniu com estudantes e trabalhadores no Centro Acadêmico de Serviço Social da PUC-SP para conhecer um pouco mais sobre o processo de luta dos trabalhadores e trabalhadoras da fábrica Zanon, desde 2007 sob controle operário. Graciela López Eguia, militante do PTS Argentino, contou detalhes das discussões entre os trabalhadores, a tomada da fábrica, os enfrentamentos com a polícia, assim como a ajuda da comunidade, da juventude e da Comissão de Mulheres.
Num momento em que a crise internacional se intensifica e que os patrões se preparam pra descarregá-la nas costas dos trabalhadores com férias coletivas, demissões e fechamentos de fábrica, se torna bastante atual a necessidade de discutir os métodos impulsionados pela classe trabalhadora.
Para saber mais sobre Zanon, indicamos o site http://zanonsobcontroleoperario.blogspot.com/ , da Campanha em Defesa da Gestão Operária, a qual nós do Núcleo Pão e Rosas enviamos o nosso apoio.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

FASINPAT : Fábrica Sem Patrões


Em 2001, durante a crise social na Argentina, muitas fábricas foram ocupadas pelos seus trabalhadores e a fábrica de cerâmica Zanon (FASINPAT) foi o processo mais avançado e está sob gestão operária há quase 7 anos.

Em Zanon, tudo se decide em assembléias, não existe hierarquia entre os que estão na produção ou na administração. Essa é indubitavelmente uma expressão fortíssima contra o capitalismo, uma experiência que mostra que quando os trabalhadores tomam em suas mãos o controle da produção podem dar uma saída diferente do desemprego, da fome e da miséria. Convidamos todos a conhecer um pouco mais sobre esse importante processo de luta, que hoje está ameaçada pela justiça burguesa, e também a conhecer o papel que cumpriu a juventude e a Comissão de Mulheres de Zanon, com as chamadas “operárias sem patrão!”.


18|11

20h – Exibição do documentário “FASINPAT”, de Daniele Incalcaterra
18h30 – Discussão com Graciela Lopez Eguia,
militante do PTS que participou do processo de luta dos
trabalhadores e trabalhadoras de Zanon

no CASS
[Centro Acadêmico de Serviço Social - PUC-SP]

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A crise mundial e a situação das mulheres




Nos últimos meses pudemos acompanhar em todos os jornais o aceleramento da crise econômica que atinge o principal país imperialista, os Estados Unidos. Entretanto, essa mesma crise já começa a ter consequências em diversos países do mundo, mostrando que não se trata apenas de uma crise econômica. Os governos desembolsaram bilhões de dólares para salvar um punhado de capitalistas... Enquanto isso, milhões de pessoas seguem passando fome, sem acesso a saúde de qualidade e sequer acesso a saneamento básico... Mas porque nessa situação serão as mulheres, sobretudo as trabalhadoras, que sentirão duplamente em suas costas as mazelas da crise mundial? E que papel pode cumprir a juventude neste processo? Convidamos todos e todas a essa discussão.


12/11
quarta-feira
18h30
no Centro Acadêmico de Serviço Social (CASS) da PUC-SP - Rua Monte Alegre, 984

Texto de referência para a discussão sobre A crise mundial e a situação das mulheres [3]

Crise vai gerar 20 milhões de desempregados até 2009, diz OIT

segunda-feira, 20 de outubro de 2008, 09:04

Se previsão se confirmar, mundo atingirá pela primeira vez a marca de 210 milhões de pessoas sem emprego

Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo

GENEBRA - A atual crise econômica irá gerar 20 milhões de novos desempregados no mundo até o final de 2009, revertendo anos de avanços na área social e agravando a pobreza e desigualdade. O alerta é da Organização Internacional do TRabalho (OIT) que prevê demissões em massa diante da desaceleração das principais economias do mundo, como Estados Unidos, Europa e Japão. Em um evento em que o Estado foi o único jornal latino-americano a ser convidado, o diretor-geral da OIT, Juan Somavia, elogiou a situação do Brasil, mas deixou claro: "Ninguém estará imune ao problema".

Pelos cálculos feitos pela entidade, o número de desempregados passará pela primeira vez a marca dos 200 milhões de pessoas. "Passaremos de 190 milhões de pessoas sem trabalho no início de 2008 para cerca de 210 milhões. Essa é a primeira vez na história que a humanidade atinge esse marca", afirmou Somavia. Os 20 milhões de novos desempregados seriam gerados, portanto, em apenas dois anos.

Ele ainda alerta que os números podem ainda ser maior. "Esses dados podem estar inclusive subestimados", disse o chileno que dirige a entidade ligada à ONU. Os cálculos do desemprego foram feitos a partir dos dados de crescimento econômico divulgados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). "Para 2009 teremos um crescimento de 0,1% nos Estados Unidos, 0,2% na Europa e 0,5% no Japão", disse. "Isso, na realidade, significa um crescimento zero nas maiores economias do mundo", afirmou.

"Esses números podem ser ainda piores, o que significa que o desemprego também poderá ser maior dependendo de quanto tempo será a recessão e qual será sua profundidade. A realidade é que a crise financeira está tendo implicações bem mais amplas", disse Somavia.

Nas últimas semanas, uma série de setores vem já tendo suas vendas afetadas pela crise. Um dos principais é o setor automotivo. Em setembro, o registro de carros novos na Europa já caiu em 8%. Empresas como a Opel e BMW fecharam momentaneamente suas fábricas em toda a Europa, enquanto outras reduziram os salários dos empregados.

Um dos principais impactos ainda será na classe mais pobre. A camada da população mundial que ganha menos de US$ 1,00 por dia vai aumentar de 480 milhões de pessoas para 520 milhões. Entre os que ganha até US$ 2,00, o aumento de pessoas afetadas será de 100 milhões. No total, 1,4 bilhão de pessoas estarão abaixo dessa linha de renda.

Para Somavia, o aumento da camada pobre é alarmante e poderá ter conseqüências graves para os objetivos da ONU de reduzir pela metade a fome e a pobreza no mundo até 2015. Mas ele também destaca para a deterioração da situação da classe média. "Muitos na classe média estão vendo que estão vivendo agora em dificuldades", disse.

Outro grupo que será afetado será o dos jovens. A OIT já destacou que o desemprego entre os jovens pode gerar o aumento da criminalidade em alguns países e até fortalecer movimentos terroristas em outros.

Fonte: www.estadao.com.br

Texto de referência para a discussão sobre A crise mundial e a situação das mulheres [2]

Na Índia, ministra Nilcéa Freire diz que crise financeira atinge mais as mulheres [com toda a demagogia do Governo]

16.10.2008

Vitor Abdala - Agência Brasil

Autoridades da área de defesa da mulher de Índia, Brasil e África do Sul pediram aos chefes de governo desses países, ontem (15), em Nova Délhi, uma maior atenção para as trabalhadoras neste momento de crise financeira. Segundo a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Brasil, Nilcéa Freire, elas são as que mais sofrem em situações de crise."

"Quem mais sofre são as mulheres, pelo acúmulo dos seus encargos. Sofre a dona-de-casa, sofre a mulher no mercado de trabalho. Como elas normalmente estão em postos mais precários e esses são os mais atingidos pelas crises econômicas, elas acabam sendo também as mais atingidas", afirmou.

A ministra esteve reunida com as autoridades de Índia e África do Sul, em Nova Délhi, onde participou da 3ª Reunião de Cúpula do Fórum IBAS (grupo que reúne os três países), que tratou, neste ano, de questões como a mulher, o comércio, a cooperação acadêmica e o mercado editorial dessas nações, entre outras.

Os resultados das discussões em cada tema, que envolveram também a sociedade civil, foram encaminhados ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, ao primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, e ao presidente sul-africano, Kgalema Motlanthe.

De acordo com Nilcéa Freire, além do pedido de atenção especial às mulheres nesse período de crise financeira, também foram acertados pontos como o estabelecimento de indicadores comuns aos três países para avaliar a situação das mulheres e a ampliação do combate à violência contra a mulher.

"Muito embora tenhamos traços culturais diferenciados, esse é um problema comum e podemos nos ajudar tanto na compreensão quanto na criação de políticas que viabilizem a redução da violência contra as mulheres", disse a ministra, ao final da reunião.

Nilcéa acrescentou ainda que foi feita uma recomendação aos três chefes de governo para que eles busquem incluir a defesa das mulheres no Pacto de Monterrey, sobre o financiamento ao desenvolvimento do mundo, que será reavaliado em breve.


Fonte: http://www.comuniweb.com.br/?idpaginas=20&idmaterias=370345

Texto de referência para a discussão sobre A crise mundial e a situação das mulheres [1]

A crise pesará duplamente sobre nossas costas

Por Clarissa Lemos e Diana Assunção

“A crise social, com seu cortejode calamidades, gravita com maiorpeso sobre as mulheres trabalhadoras”Leon Trotsky

A noção mais exata dos progressos de uma sociedade é dada pelas medidas práticas que são tomadas para melhorar a vida das mulheres. Hoje, é evidente que há pouca preocupação em torno disso já que as mulheres compõem cerca de 70% da população pobre; são a maioria entre os trabalhadores desempregados e continuam ganhando cerca de 30% a menos do que os homens. Também se intensifica o trabalho doméstico e as poucas creches públicas carecem de vagas. Sem falar da dupla-jornada das mulheres: o trabalho fora da casa (precarizado e mal remunerado), o cuidado da casa, limpeza, alimentação, higiene, sua e de sua família.

Além disso, quando uma mulher é pega de surpresa com uma gravidez, muitas vezes não quer nem pensar em ter esse filho, pois o sustento da casa depende dela e se o patrão descobre é provável que seja demitida. Não há alternativa senão fazer um aborto precário, pois aborto nos serviços de saúde pública não é disponível, além de ser crime e correr o risco de ser perseguida pela justiça, como a perseguição à quase 10 mil mulheres no Mato Grosso do Sul. Outras vezes as mulheres são pegas de surpresa quando a polícia mata seus filhos, como acontece freqüentemente no Rio e em Salvador, sem que nenhum culpado seja punido. Quando vai fazer um parto no hospital público seu bebê morre por falta de condições mínimas de atendimento, como aconteceu em Belém, no Pará, com quase 300 mortes de bebês somente no 1º semestre deste ano. Também vemos nosso salário diminuir frente aos preços dos alimentos, o transporte ficar mais caro, a educação piorar e as filas dos hospitais aumentarem. Isso tudo acontece em pleno século XXI e se chama capitalismo.

No Brasil o presidente Lula tem se apropriado de algumas demandas das mulheres, nos utilizando em seu discurso e também em sua política de maquiagem dessa inevitável miséria social do capitalismo. Criou uma secretaria especial de política para mulheres, sancionou a licença de maternidade opcional para 6 meses [1], está promovendo a figura de Dilma Roussef como futura presidenciável e o Ministério da Saúde está fazendo uma campanha em defesa do parto normal [2]. Vale ressaltar que a ampla maioria dos titulares do Bolsa Família são mulheres e é através de programas assistencialistas que Lula mantém importante base de apoio do seu governo.

Mas se não houve muitas melhoras nas condições de vida e trabalho quando o país crescia, agora menos ainda. É preciso nos preparar para enfrentar a crise internacional que já abala as principais economias do mundo e está chegando ao Brasil. Pois quem “paga o pato” é a classe trabalhadora através de demissões, desemprego, férias coletivas forçadas, rebaixamento salarial e intensificação da precarização, fome, repressão, mais miséria e mortes. E dizemos que as mulheres trabalhadoras sentirão duplamente essa carga pois vivem nas piores condições de submissão, cotidianamente humilhadas por esse sistema que lhes relega a escravidão doméstica, as tarefas mais pesadas, as dores mais cruéis.

E Lula continua com sua demagogia porque para ele “o papel do presidente é passar pra sociedade a serenidade que a sociedade precisa pra continuar acreditando no país”. Mas essa “serenidade” de Lula, só serve pra uma coisa: pra que acreditemos no capitalismo e na sua recuperação enquanto eles planejam como descarregar a crise sobre nossas costas. Ao contrário, devemos acreditar na força da classe trabalhadora, e confiar, como a história já comprovou diversas vezes, que são nesses momentos de crises sociais, econômicas e políticas que se despertam as melhores qualidades das mulheres, como a paixão, o heroísmo e a abnegação, sobretudo daquelas que são mais oprimidas, como as trabalhadoras. É preciso nos organizar desde já, pois não há dúvidas de que estaremos na linha de frente das lutas para enfrentar a crise capitalista!

Notas
[1] Que precisa da adesão das empresas para que se dê e, portanto, não atinge a maioria das mulheres. Leia mais.
[2] O parto normal traz menos riscos para as mulheres. Já o parto cesáreo além de trazer mais riscos de infecções e de vida para as mulheres, é amplamente propagado por ser grande fonte de lucros dos hospitais privados. Entretanto, o governo nada perde com essa campanha, já que é mais barato um parto normal do que cesáreo, diminuindo mais ainda seus gastos com a saúde.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Tirem seus rosarios de nossos ovários!


Pelo direito ao aborto legal, gratuito e seguro!

08|10 [quarta] 18h30 : Discussão sobre a questão do aborto. Bibliografia básica na pasta 78 do CASS e neste blog.

10|10 [sexta] 18h30 : Exibição do filme "4 meses, 3 semanas e 2 dias" no CASS.

19h40 : Intervenções artísticas na Prainha. E... exposição de cartazes, depoimentos, telagem de camisetas, música e cerveja no CASS!

Local: Centro Acadêmico de Serviço Social da PUC-SP

Impulsionado pelo Movimento A Plenos Pulmões e independentes

sábado, 4 de outubro de 2008

Mapa de referência para a discussão sobre o Aborto


O mapa, retirado da Revista Cláudia, mostra as regiões do mundo onde o aborto é legalizado e aonde não é.


Texto de referência para a discussão sobre o Aborto [3]

Direito ao aborto - Conquistar nossos corpos, decidir sobre nossas vidas

Barbara Funes (integrante da agrupação Pan y Rosas - Argentina)

14 de fevereiro de 2005

A primeira perversão é o silêncio. Todas as estatísticas existentes sobre os abortos clandestinos e as mortes e danos irreparáveis que produzem na saúde das mulheres dos setores populares são apenas estimativas. Isso porque a penalização do aborto implica que sua prática e suas consequências funestas sejam caladas.

De acordo com o Instituto Alan Guttmacher[1], na América Latina se calcula que o número anual de aborto chega a quatro milhões e 119 abortos de cada 100 mil terminam na morte da mulher. Diferentemente, nos países aonde o aborto é legal, essa cifra é de entre 0,2 e 1,2 a cada 100 mil abortos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula em 6 mil o número de mortes na região por abortos sépticos, ou seja, abortos clandestinos ou mal praticados[2].

A América Latina e o Caribe são consideras as regiões com a taxa de abortos inseguros mais elevada a nível mundial: anualmente se praticam 3,7 milhões de abortos, pelos quais se estima uma taxa de 26 a cada mil mulheres em idade reprodutiva. Os abortos inseguros são a causa de 25% de todas as mortes femininas que ocorrem nos países latino-americanos e no Caribe, e de cerca de 12% na África e de 10% na Ásia[3]. Se calcula que no México ocorrem aproximadamente 500 mil abortos provocados, sendo a terceira ou quarta causa de morte entre as mulheres, enquanto que ao menos mil morrem a cada ano como resultado de abortos mal praticados[4]. Em Chiapas cerca de 20% das mulheres morrem por esta razão e uma a cada dez que engravida recorre aos abortos clandestinos[5]. No Uruguai se realizam 33 mil abortos por ano[6].

Na Argentina se praticam cerca de 750.000 abortos[7]. Entre 1999 e 2002, as mulheres que foram atendidas por esta causa nos hospitais públicos aumentaram em 46%[8]. As hospitalizações de mulheres por complicações de abortos são mais de 70.000 por ano[9]. Somente em Buenos Aires, a cada treze dias morre uma mulher por consequência de abortos clandestinos enquanto 32.000 ingressaram aos hospitais públicos por esta causa de acordo com as estatísticas do Ministério da Saúde. No Brasil, a estimativa é que ocorram de 750 mil a 1 milhão de abortos clandestinos por ano, cujas complicações constituem a quarta causa de morte materna no país.

Isto quer dizer que as mulheres trabalhadoras e de setores populares que não contam com os meios para custear um aborto clandestino asséptico devem escolher entre ter um filho que não desejam ou colocar em risco sua vida, deixando-a nas mãos das máfias da saúde.


A história da maternidade compulsiva

Depois da revolução burguesa de 1789 na França, o Estado começou a tomar a maternidade como uma questão pública. Diderot escreveu que "um Estado é tão mais poderoso quanto mais povoado se encontre (...), e quanto mais numerosos sejam os braços empregados no trabalho e na defesa"[10]. Assim o Estado estabeleceu como tarefa natural e autêntica das mulheres a maternidade e a nossa capacidade biológica começou a reger nossas vidas. Foram estabelecidas políticas de saúde pública, incluindo a regulação e formação de obstetras e parteiras e a erradicação gradual das parteiras tradicionais (caseiras), onde os profissionais da saúde, verdadeiros agentes do Estado, interviam no corpo e na vida das mulheres. O direito de propriedade se aplicou "legalmente" sobre nós mulheres.

Desde então, o Estado coloca em nossa cabeças que nosso dever é sermos mães, aconteça o que acontecer. Querem que sejamos incubadoras submissas ao negarmos o direito de decidir sobre nossos destinos. Necessitam que a miséria se expanda à medida que se expande a população. A força de trabalho humana é o denominador comum em todo tipo de mercadorias, assim como o abastecimento dos serviços tais como transporte, energia, telecomunicações, educação, saúde. Mas enquanto produzimos enormes lucros, eles se apropriam da imensa maioria e nos destinam o mínimo para subsistir.

A realização das tarefas domésticas em forma invisível e gratuita que realizam as mulheres dos setores populares para garantir a subsistência da classe operária e os salários mais baixos para as trabalhadoras, são verdadeiros mecanismos de pressão para diminuir os salários de todos e todas. Necessitam que a classe operária se reproduza para ter um exército industrial e sua reserva com milhões de trabalhadoras e trabalhadores desempregados para pressionar os salários pra baixo.

A época imperialista tem regulamentado a vida sexual de homens e mulheres ao redor de um objetivo fundamental: a reprodução. Ao dizer de Antonio Gramsci "...não pode desenvolver-se o novo tipo de homem exigido pela racionalização da produção e do trabalho enquanto o instinto sexual não tenha sido regulado de acordo com esta racionalização, não tenha sido também racionalizado"[11].

Seu duplo discurso pretende nos enganar: o mandato imperativo é ter filhos, e por isso o aborto é ilegal. Mas as trabalhadoras que efetivamente cumprem com o mandato se encontram com a saúde pública que se deteriora cada vez mais e com salários de miséria que não são suficientes para garantir o cuidado de seus filhos durante suas horas de trabalho. A imensa maioria das grandes empresas e das dependências do Estado não fornecem creches gratuitas, e no melhor dos casos dão subsídios que nunca cobrem o custo das creches privadas. As formas de opressão e exploração para as trabalhadoras se multiplicam de maneira exponencial.

Por outro lado, a Igreja, essa antiga misógina, se tem colocado como defensora incondicional da "criança por nascer", como defensora da vida e da família como célula social. E por que? Rastreando suas posições ao largo da história, se tem colocado como defensora da maternidade, já que necessitou que seus fiéis se reproduzissem a partir dos nascimentos para que suas idéias se propagassem[12].

Mas existe outra razão: todas as criaturas são obras de "Deus". Que as mulheres determinemos por nós mesmas se desejamos ou não dar a vida, é um fato que coloca em questão todo o sistema de idéias armado pelos teóricos da Igreja. Seu deus onipresente é alguém em quem deposita sua fé para que resolva os problemas da humanidade. Portanto, o poder deste "deus" determina a vida e a morte de todos os seres vivos. A humanidade deve submeter-se ao destino já escrito, a um poder externo. Estes conceitos resultaram legitimadores das classes dominantes por centenas de anos. E nos tem imposto a noção de que ninguém pode mudar a realidade e nem construir seu próprio destino. Esta ideologia constitui um dos pilares fundamentais da dominação de uma minoria parasitária sobre a classe trabalhadora.

Mas é a mesma Igreja obscurantista a que criou a Inquisição que custou numerosas vidas, em sua maioria mulheres, julgando a todas e todos aqueles dos quais se suspeitava que não acreditavam incondicionalmente em suas verdades. Pior ainda, seu principal objetivo mediante a Inquisição não foi a matança em si mesma, senão domesticar os espíritos rebeldes da época, mediante torturas e humilhações. Em tempos mais recentes, esta defensora da vida apoiou a ditadura militar e hoje, em toda a América Latina se tornam públicos centenas de casos de padres abusadores de crianças e mulheres.

Este ano, no México se tornou público que os 30 milhões de pesos que o grupo ultra conservador Próvida[13], ligado à Igreja e ao Opus Dei, recebeu do governo federal para seus programas internos, U$ 12.892.576 foram utilizados para gastos com publicidade anti-aborto. Enquanto isso, a Secretaria de Saúde (SS) exerceu nesse mesmo ano, U$ 9.914.456 em seus programas de prevenção da AIDS. A assistência da AIDS passou de U$ 208.000.000 aprovados pela Câmara de Deputados em dezembro de 2002, aos U$ 178.000.000[14].


Legalização ou descriminalização? Um debate necessário

Historicamente, o movimento de mulheres se debateu entre estas duas alternativas. A legalização do aborto implica a legitimação por parte do Estado destas práticas, mas não necessariamente garante o acesso gratuito aos serviços médicos para realizá-los. A descriminalização não quita o caráter de "atentado contra a vida" da interrupção voluntária de uma gravidez, mas tampouco nos assegura políticas de saúde pública que garantam a gratuidade tanto da realização dos abortos como de sua prevenção.

Para nós que impulsionamos a agrupação de mulheres Pan y Rosas - Argentina somos as mulheres trabalhadoras e de setores populares quem devemos encabeçar a luta pelo direito ao aborto livre e gratuito e quem pode garanti-lo efetivamente. Em 1917 na revolução operária que ocorreu na Rússia, foi o Estado dos Sovietes[15] onde as mulheres conseguiram pela primeira vez, entre outros direitos, o direito ao aborto[16]. O que está em jogo é nossa vida e o direito de decidir sobre nossos destinos. Lutamos pela liberdade de decidir se queremos ter filhos ou não, quando e com quem tê-los. Lutamos para eliminar a tutela da Igreja e do Estado sobre nós. Exigimos contraceptivos gratuitos para exercer livremente nossa sexualidade. Exigimos o direito ao aborto livre, seguro e gratuito para todas as mulheres dos setores populares. Que o Estado garanta os serviços médicos necessários nos hospitais públicos, e que sejam de qualidade.

Quanta confiança em nós mesmas ganhariamos se nos apropriassemos de uma vez e para sempre de nossos corpos! Somente organizadas de forma independente do Estado, da Igreja e dos partidos patronais, confiando em nossas próprias forças, podemos exigir nossos direitos, inclusive arrancar-lhes leis que nos beneficiem. Julieta Lanteri[17], uma feminista do começo do século XX declarou uma vez que "Os direitos não se mendigam. Se conquistam." Nós acreditamos que as mulheres devemos lançar-nos à conquista de nossas vidas. Por isso lutamos pelo direito ao aborto livre e gratuito.

Notas
1. Organização estadounidense sem fins lucrativos orientada em pesquisas sobre a saúde sexual e reprodutiva.
2. Dados extraídos da Cimac Noticias “América Latina: entre desinformación y condena”.
3. Dados extraídos da Cimac Noticias “Demanda personal médico información de marco legal sobre aborto en México"
4. Dados extraídos da Cimac Noticias “Penalización de aborto aumenta su clandestinidad” , por Rafael Maya.
5. Dados extraídos da Cimac Noticias “Abortos mal practicados elevan índice de muerte materna” por Sandra de los Santos Chandomí.
6. Dados extraídos da Cimac Noticias “Derechos sexuales y reproductivos, lo que se discute en Uruguay”, por Isabel Villar, jornalista da República de las Mujeres de Uruguay.
7. Dados extraídos de “Derecho a no parir” Página 12, suplemento LAS 12, 17/10/2003, Lila Pastoriza.
8. Dados extraídos de “Libertad de vientres” Página 12, suplemento LAS 12, 26/09/2003, Martha Rosenberg.
9. Dados extraídos do jornal Clarín de junho 2004.
10. Giulia Galeotti “Historia del Aborto”.
11. Antonio Gramsci “Americanismo y fordismo”
12. Guy Bechtel, “Las cuatro mujeres de Dios. La puta, la bruja, la santa y la tonta”.
13. O grupo Provida na Argentina foi um dos principais impulsionadores da postulação da juíza Carmen Argibay por ser atéia, solteira, sem filhos e por estar a favor do aborto a título pessoal.
14. Dados extraídos da Cimac Noticias, “Canaliza Provida 13 millones de pesos a publicidad antiaborto”, por Rafael Maya.
15. Conselhos operários, de camponeses e de soldados que tomaram em suas mãos os destinos de seu país. São organismos de democracia direta onde as trabalhadoras e os trabalhadores tiveram hegemonia.
16. Andrea D’Atri “Pão e Rosas. Identidade de gênero e antagonismo de classe no capitalismo”.
17. (1873-1932) Faminista de origem italiana radicada na Argentina em sua infância, iniciou como médica em 1907. Lutou pelos direitos políticos e civis das mulheres. Foi candidata a deputada nacional em 1919 com o apoio da União Feminista Nacional e do Comitê Pró Direito do Sufrágio Feminino. Entre suas propostas, além do direito ao voto das mulheres, colocava a jornada reduzida para as trabalhadoras, salários iguais para mulheres e homens e divórcio absoluto.

Texto de referência para a discussão sobre o Aborto [2]

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ [na visão da igreja]

DECLARAÇÃO SOBRE O ABORTO PROVOCADO

[...]

A tradição da Igreja sempre considerou a vida humana como algo que deve ser protegido e favorecido, desde o seu início, do mesmo modo que durante as diversas fases do seu desenvolvimento. Opondo-se aos costumes greco-romanos, a Igreja dos primeiros séculos insistiu na distância que, quanto a este ponto, separa deles os costumes cristãos. No livro chamado Didaché diz-se claramente: « Tu não matarás, mediante o aborto, o fruto do seio; e não farás perecer a criança já nascida » [6] . Atenágoras frisa bem que os cristãos têm na conta de homicidas as mulheres que utilizam medicamentos para abortar; ele condena igualmente os assassinos de crianças, incluindo no número destas as que vivem ainda no seio materno, « onde elas já são objecto da solicitude da Providência divina » [7] . Tertuliano não usou, talvez, sempre a mesma linguagem; contudo, não deixa também de afirmar, com clareza, o princípio essencial: « É um homicídio antecipado impedir alguém de nascer; pouco importa que se arranque a alma já nascida, ou que se faça desaparecer aquela que está ainda para nascer. É já um homem aquele que o virá a ser » [8]

[...]

Devido o fato de tal texto ser muito longo segue abaixo o link do site Vaticano com o texto na íntegra:

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19741118_declaration-abortion_po.html

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Texto de referência para a discussão sobre Aborto [1]

O ABORTO: UM RESGATE HISTÓRICO E OUTROS DADOS

Néia Schor
Augusta T. de Alvarenga

Resumo: Preocupados com os resultados recentes de pesquisas brasileiras sobre complicações após aborto, que indicam um crescente aumento no número desses eventos, além de registrarem uma alta incidência dos mesmos entre adolescentes, os autores propõem-se a analisar, neste trabalho, a prática do aborto sob uma ótica histórica, como um subsídio para se "repensar"a questão em futuras políticas de saúde no Brasil. Apresentam, para tanto, enfoques médicos, religiosos, políticos, legais, sociais, econômicos e culturais sobre a questão do aborto, esposados pelos povos, desde as antigas civilizações, orientais e ocidentais, até os dias de hoje - todos eminentemente ditados por fatores econômicos, dependentes, obviamente, da facção que estivesse no poder em determinado contexto histórico. É apresentada, também, a legislação brasileira sobre o assunto.

Palavras-chave: aborto, ótica histórica, saúde da mulher.


INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo trazer à tona alguns dados históricos a respeito da questão da prática do aborto, analisando-a sob a ótica das várias civilizações e religiões que ajudaram a compor a história do mundo.

O universo pesquisado foi de 2.588 mulheres carentes, apresentando complicações pós-aborto que procuraram o Hospital Municipal de Santo André no município da Grande São Paulo, no período de janeiro de 1978 a dezembro de 1982.

As conclusões mais marcantes foram a duplicação do número de abortos atendidos pelo serviço, na proporção de 1 aborto para 3,6 partos para 1 aborto para 1,8 partos, em 1978 e 1982 respectivamente e grande incidência do evento entre adolescentes23.

Dados como esses - concretos e expressivos - parecem levar a certo tipo de reflexão até mesmo óbvia: em que medida o aparente descaso por parte de autoridades médicas e governamentais em relação à questão da prática do aborto não está, de certa forma, contribuindo para o agravamento do problema?

Seguindo essa linha de raciocínio, estaríamos abrindo espaço para discussões em torno das políticas de: planejamento familiar; saúde reprodutiva; controle da natalidade; qualidade de assistência à mulher; qualidade de vida da população e, por que não dizer, da polêmica questão da liberdade da mulher em relação ao seu próprio corpo. De uma forma ou de outra, sabe-se que o aborto é praticado no Brasil: nas populações carentes ou abastadas, em meio a boas condições de higiene ou não, entre mulheres jovens ou maduras. Até que ponto não estaríamos funcionando apenas como mero observadores de uma escalada que pode trazer conseqüências graves para a vida afetiva, biopsíquica e social de uma população feminina que vem sendo engrossada dia após dia?


O ABORTO COMO PRÁTICA SOCIAL E QUESTÃO DE SAÚDE

Ao analisarmos a questão do aborto no Brasil de hoje não devemos nos desvincular de todo o conhecimento que se tem sobre o assunto em termos mundiais. Embora não seja possível abarcar todas as nuances que o tema comporta, vamos nos deter aqui nos principais trabalhos realizados a partir de 1960, com o objetivo de verificar como a questão do aborto vem sendo tratada ao longo dessas décadas.

A partir da tese de LIMA14, um marco nas pesquisas junto a escolas médicas, foi mostrada a incidência do aborto como responsável por inúmeras mortes hospitalares. Assim, esta prática - e suas conseqüências - eram vistas como problemas de saúde pública, requerendo atenção médica especial, além de propiciar a ocupação, a alto custo, de leitos hospitalares.

Para CANESQUI6, que analisou a constituição da política de planejamento familiar no Brasil, o aborto constituía um problema universal, que afetava a saúde pública e provocava a desintegração da família gerando problemas de diferentes ordens à mulher.

Várias vezes, em pesquisas realizadas em nosso país, o aborto foi associado a crime e doença, transformando- se num problema médico-social que incidia principalmente na faixa de mulheres entre 25 e 29 anos.

As principais causas desse estado de coisas estariam relacionadas, segundo uma gama variada de análises, com o atraso cultural, a falta de educação sexual, a paternidade "irresponsável" e a ignorância do uso de métodos anticoncepcionais.

Pelos diferentes aspectos que encerra sabe-se hoje que somente a atenção médica não reduz a ocorrência dessa prática social do aborto provocado, uma vez que vários fatores estão presentes na sua ocorrência e no processo de atendimento à questão. Como saída geral mais relevante e mais eficaz, estaria a colocação em prática de uma efetiva política de planejamento familiar ou reprodutivo onde a mulher, vista na sua totalidade, lançaria novos elementos à análise do problema.

Para HUTCHINSON12, o aborto está situado entre os vários tabus que podem povoar uma sociedade, constituindo motivo de vergonha em alguns meios, sobretudo entre as classes mais altas. Entretanto, para ele, a prática do aborto como método limitador da família não é exclusiva de nenhum grupo econômico ou social.

Em relação à magnitude do problema como questão de saúde pública NAKAMURA & BARRETO18, citam que, entre 2800 mulheres entrevistadas, 15% delas já tiveram histórico de aborto espontâneo ou provocado. Além disso, constataram que a incidência do aborto é predominantemente maior nas áreas urbanas, numa proporção 2:1 em relação às áreas rurais, conforme os dados seguintes:

• São Paulo (município) - 15%
• Outras áreas urbanas - 13,5%
• Áreas rurais - 7%

Corroborando esses dados FARIAS9 revela que entre 1697 mulheres pesquisadas no decorrer de 3 meses, num hospital de Salvador, 21% registraram complicações pós-aborto. Também RICE-WRAY22 cita que para cada 1000 partos encontrou 233 mulheres tratadas por complicações pós-aborto. Vale destaque a pesquisa realizada por NEME et al19, abrangendo o período 1944-1962, cujos dados demonstram que das 5500 complicações de gravidez ou parto, um terço estava relacionado com complicações pós-aborto.

Em termos de Brasil calcula-se, na atualidade, que sejam praticados 2,5 milhões de abortos por ano, o que equivaleria a um total de 6850 abortos por dia, 285 por hora e 5 por minuto1, 20, 21.

Esse valor adquire grande significado para o campo da saúde quando se observa as complicações mais frequentes, tais como: infecção pélvica, hemorragia e choque séptico. Deve-se considerar igualmente que o aborto provocado pode afetar a mulher e as gestações subsequentes (prematuridade, gravidez ectópica, abortamento espontâneo, baixo peso ao nascer). Com a repetição do número de abortos praticados os riscos se acentuam, trazendo não só implicações de ordem orgânica, mas também social, econômica e psíquica.

Entre as consequências de ordem orgânica, podemos citar até mesmo o risco da infecundidade. Entre os casos de infecção puerperal, sabe-se que 60% deles são ocasionados por aborto provocado (choque septêmico)19.

Outro dado marcante diz respeito aos óbitos maternos em 10 cidades latino-americanas: 34% das mortes são provocados por aborto. No Chile, por exemplo, a taxa percentual varia de 30% a 41% no que diz respeito aos óbitos maternos registrados1, 7,18,20,25.

Do ponto de vista social a prática do aborto está relacionada, além de processos gerais, com uma série de processos particulares que vão desde as dificuldades de sobrevivência da mulher ou da família em meio a uma urbanização desenfreada, à carência de programas educativos e de planejamento reprodutivo, à alta do custo de vida, além de outros. Neles residem as possibilidades da mulher procurar o aborto como meio de terminar uma gravidez indesejada ou "impossível" de ser levada a cabo pela precariedade de sua situação pessoal ou de condição de vida.

A questão do aborto entre as adolescentes constitui um capítulo à parte no universo relacionado a essa prática. É fato que hoje em dia as adolescentes apresentam um início de vida sexual mais precoce. Num país desenvolvido como os Estados Unidos sabe-se que 50% das jovens são sexualmente ativas e que destas, 50% não usam métodos contraceptivos. Na Inglaterra e País de Gales (1978), cerca de 3% do total de abortos praticados referem-se a jovens menores de 16 anos, e destas, 50% procuraram os serviços públicos2,3. O que dizer, então, de um país como o Brasil, marcado pelo analfabetismo e pela falta de informação na área?


UM ACOMPANHAMENTO HISTÓRICO DA QUESTÃO

Num país em que não raras vezes crimes de pequeno, médio ou grande porte deixam de ser julgados e, consequentemente, punidos - pela concorrência dos mais diversos fatores, tais como, falta de provas, ineficiência dos sistemas policiais e/ou jurídicos, interesses "ocultos", não haverá de ser diferente em relação à prática do aborto, considerada ilegal pelo atual Código Penal, em vigor desde 1940. Segundo Decreto-Lei no 2848, de 7 de dezembro de 1940 (artigos 124 a 127), somente duas modalidades de aborto não são puníveis: o aborto terapêutico - feito como tentativa de salvar a vida da gestante - e o aborto sentimental - decorrente de gravidez por estupro8,10, 11.

Ainda que no Brasil, o aborto, essa prática clandestina por excelência, carregue a marca da reprovação, certamente não terá sido assim no decorrer da história da humanidade. Sabe-se que desde os povos da antiguidade este era difundido entre a maioria das culturas pesquisadas. O imperador chinês Shen Nung cita em texto médico escrito entre 2737 e 2696 a.C. a receita de um abortífero oral, provavelmente contendo mercúrio.

Na antiga Grécia, o aborto era preconizado por Aristóteles como método eficaz para limitar os nascimentos e manter estáveis as populações das cidades gregas. Por sua vez, Platão opinava que o aborto deveria ser obrigatório, por motivos eugênicos, para as mulheres com mais de 40 anos e para preservar a pureza da raça dos guerreiros. Sócrates aconselhava às parteiras, por sinal profissão de sua mãe, que facilitassem o aborto às mulheres que assim o desejassem10. Já Hipócrates, em seu juramento, assumiu o compromisso de não aplicar pressário em mulheres para provocar aborto11.

Entre os Gauleses, o aborto era considerado um direito natural do pai, que era o chefe incontestável da família, com livre arbítrio sobre a vida ou a morte de seus filhos, nascidos ou não nascidos10. O mesmo ocorria em Roma, onde o aborto era uma prática comum, embora interpretada sob diferentes ópticas, dependendo da época. Quando a natalidade era alta, como nos primeiros tempos da República, ela era bem tolerada. Com o declínio da taxa de natalidade a partir do Império, a legislação se tornou extremamente severa, caracterizando o aborto provocado como delito contra a segurança do Estado5.

O livro do Êxodo cita que, dentre os povos hebreus, era multado aquele homem que ferisse mulher grávida, fazendo-a abortar. Esse ato de violência obrigava aquele que ferisse a mulher a pagar uma multa ao marido desta, diante dos juízes; se, porém, a mulher viesse a morrer em consequência dos ferimentos recebidos aplicava-se ao culpado a pena de morte.

Ainda que a regra geral se voltasse para a severidade legal, que punia a mulher com o exílio ou com castigos corporais extremados, na prática imperava quase sempre a impunidade. Com o advento do Cristianismo, entretanto, o aborto passou a ser definitivamente condenado, com base no mandamento "Não Matarás". Essa posição é mantida até hoje pela Igreja Católica mas, ao contrário do que se possa pensar, ela não foi tão uniforme ao longo dos anos. Interesses políticos e econômicos contribuíram para que isso acontecesse.

São Tomás de Aquino, com sua tese da animação tardia do feto, contribuiu para que a posição da Igreja com relação à questão fosse mais benévola do que nos dias de hoje11.

No Século XIX, o aborto expandiu-se consideravelmente entre as classes mais populares, em função do êxodo crescente do campo para a cidade e da deterioração de seu nível de vida. Isso certamente constituía uma ameaça para a classe dominante já que representava um decréscimo na oferta de mão-de-obra barata, tão necessária para a expansão das indústrias. Na classe alta o controle da natalidade era obtida através de uma forte repressão sexual sobre seus próprios membros e a prática do aborto, embora comum, era severamente condenada5,10.

Hoje em dia torna-se mais e mais comum que o número de defensores da prática livre do aborto venha crescendo respaldados em razões de ordem econômica, política, social e demográfica muito embora, em função de contextos históricos, a questão possa apresentar-se controvérsa e ambígüa.

Alguns acontecimentos históricos, no início deste século, ocasionaram certas modificações importantes nas legislações que regiam a questão do aborto e são explicitadoras dessas diferentes ordens de motivos que fundamentam concepções e políticas a respeito.

Com a Resolução de 1917, na União Soviética, o aborto deixou de ser considerado um crime naquele país, tornando-se um direito da mulher a partir de decreto de 1920. Processo inverso aconteceu em alguns países da Europa Ocidental, sobretudo aqueles que sofreram grandes baixas durante a Primeira Guerra Mundial, que optaram por uma política natalista, com o endurecimento na legislação do aborto. Como exemplo, podemos citar a França, que introduziu uma lei particularmente severa no que diz respeito não só à questão do aborto, mas também quanto aos métodos anticoncepcionais10 ,21.

Com a ascensão do nazifacismo, as leis antiabortivas tornaram-se severíssimas nos países em que ele se instalou, com o lema de se criarem "filhos para a pátria". O aborto passou a ser punido com a pena de morte, tornando-se crime contra a nação, a exemplo do que ocorreu em certo momento no Império Romano.

Após a Segunda Guerra Mundial, as leis continuaram bastante restritivas até a década de 60, com exceção dos países socialistas, dos países escandinavos e do Japão (país que apresenta lei favorável ao aborto desde 1948, ainda na época da ocupação americana)10, 21,26.

A partir dos anos 60, em virtude da evolução dos costumes sexuais, da nova posição da mulher na sociedade moderna e de outros interesses de ordem político-econô mica, a tendência foi para uma crescente liberalização. Acentuou-se na década de 70 e as estatísticas revelam que, em 1976, 2/3 da população mundial já viviam em países que apresentaram as leis mais liberais, mais da metade delas foi aprovada nesta última década.

Mas, há também casos de países que voltaram às leis anteriores, como aconteceu com a Romênia, Bulgária e Hungria (razões de ordem demográfica) e com Israel (motivos político-religiosos).

Se fôssemos traçar um quadro indicador das relações entre os diversos países do mundo e o tratamento dado à questão do aborto, teríamos10,11, 15,21:

• o aborto é realizado por meio de simples solicitação - 35%
• o aborto é realizado por razões de ordem social - 24%
• o aborto é realizado por razões de ordem médica, eugênica ou
• humanitária - 20%
• o aborto é realizado para salvar a vida da mãe - 13%
• o aborto é totalmente proibido - 4%
• situação desconhecida - 4%

As situações apresentadas por TIETZE27 e BARRON4 não diferem muito do que se observou no quadro acima.


ASPECTOS JURÍDICOS

O Código Penal, que atualmente vigora em nosso país, data de 1940 e é o terceiro existente no Brasil. Os dois primeiros, de 1830 e 1890, eram bem mais rigorosos que o atual, não prevendo a exceção do aborto para salvar a vida da mãe ou em caso de gravidez decorrente de estupro, conforme se tem hoje. Segundo o Código Penal hoje em vigor, estas duas modalidades de aborto previstas por lei só podem ser praticadas por médicos; o auto-aborto é punido, teoricamente, da mesma forma que o praticado por terceiros, sendo menor a pena para o primeiro (detenção de 1 a 3 anos, de acordo com o artigo 124).

Quanto ao aborto provocado por terceiros, as penas diferem quando há consentimento da gestante, sendo a pena de reclusão de 1 a 4 anos no primeiro caso e de 3 a 10 anos no segundo. Em caso de haver lesões corporais graves na gestante, ou mesmo sua morte, as penas podem ser aumentadas de um terço, ou duplicadas.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Sagrada Família?


Quando nos falam de “família” – na TV, na escola, na Igreja e na própria família
– logo relacionamos isto com amor, compreensão, cuidados e carinho.
Apesar dos problemas de convivência, do fato de que nem todas as famílias
são iguais, da carga de trabalho doméstico que é feito quase exclusivamente pelas
mulheres, e inclusive, da existência da violência doméstica, ninguém se atreve a
questionar sua existência desde que “o homem é homem”. Mas afinal, qual o papel
da família na sociedade de classes? O que tem a ver a opressão que a mulher sofre
com a exploração capitalista? Convidamos todos a essa discussão.

25|09
18h30
CASS

Textos de referência para a discussão sobre Família

Além dos dois textos que seguem nos dois posts abaixo, segue para leitura também os seguintes:

- O FIM DO CASAMENTO MONOGÂMICO, de Alexandra Kollontai*

- O GÊNERO NOS UNE, A CLASSE NOS DIVIDE, de Cecília Toledo*

*ambos os textos se encontram na pasta 78 do Centro Acadêmico de Serviço Social (CASS-PUCSP)

Como bibliografia complementar, sugerimos o livro

- A ORIGEM DA FAMÍLIA, DA PROPRIEDADE PRIVADA E DO ESTADO, de Friederich Engels

Nossa próxima reunião ocorrerá dia 25|09, às 18h30, no Centro Acadêmico de Serviço Social (CASS - PUCSP).

Texto de referência para a discussão sobre Família [2]

Marxismo e Família

Por Andrea D’Atri

As origens

Quando nos falam de “família” – na TV, na escola, na Igreja e na própria família – logo relacionamos isto com amor, compreensão, cuidados e carinho. Apesar dos problemas de convivência, do fato de que nem todas as famílias são iguais e, inclusive, da existência da violência doméstica, ninguém se atreve a questionar que o fundamento da família é o amor e, muito menos, questionar sua existência desde que “o homem é homem”. Mas isto é realmente assim? Quais foram os fundamentos da organização familiar em suas origens?


Até a época dos antigos gregos e romanos, os seres humanos haviam se organizado de diferentes maneiras para a reprodução e produção de suas vidas, predominando as formas de relação baseadas nos laços sanguíneos de linhagem materna. As mulheres, enaltecidas por sua possibilidade de carregar uma vida e pelo mistério que isso significava para os seres humanos, ocupavam um lugar privilegiado nas sociedades primitivas. Uma das razões pela qual existiam inúmeras deusas e outras divindades femininas neste período. Depois descobriram a técnica da agricultura, a fundição de metais e a domesticação de animais, entre outras coisas. Todos estes grandes descobrimentos permitiram aumentar as riquezas sociais e então, deixou de ser necessário que todos os membros da comunidade trabalhassem para garantir sua sobrevivência: enquanto a maioria trabalhava, um setor minoritário podia eximir-se deste fardo e ser mantido por aqueles que trabalhavam. Se originam assim, as classes nas quais se divide a sociedade e a propriedade privada. Mas não somente se descobriram as técnicas que permitiram aumentar a produtividade do trabalho, mas também se descobriu a relação que existia entre o coito e a reprodução, o que permitiu entender o papel que tinha o homem na procriação. “Assim ficaram abolidas a filiação feminina e o direito hereditário materno, substituindo-os pela filiação masculina e pelo direito hereditário paterno”, disse Engels. Complementa: “O fim do direito materno foi a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo. O homem empunhou também o sustento da casa; a mulher se viu degradada, convertida na serviçal, na escrava da luxúria do homem, num simples instrumento de reprodução”.


Se analisarmos o termo “família”, descobrimos que, em latim, quer dizer “conjunto de escravos”. É porque a família, entre os romanos, remetia a esposa, aos filhos e aos escravos que possuía um cidadão. Como este conjunto de escravos era um objeto de propriedade do pai, o mesmo tinha direito de vida e de morte sobre a família (patria potestad) e a cedia em herança através de um testamento, a seus filhos.

Assim, as mulheres eram uma fonte de riqueza igual a dos escravos, a terra ou o gado, porque eram as que permitiam aumentar a quantidade de filhos de uma família, ou seja, a quantidade de força de trabalho disponível para aumentar ainda mais as riquezas de seu proprietário. Seu papel independente na produção social, passou a um segundo plano: o que se requeria primordialmente delas era sua capacidade reprodutiva. E possuir o domínio sobre essa capacidade, garantia que a descendência fosse “legítima”, por isso – dizem os marxistas - , a monogamia no matrimônio se estabeleceu como uma obrigação para as mulheres, mas não para os homens. “A monogamia nasceu da concentração de grandes riquezas numa mesma mão – as mãos de um homem – e do desejo de transmitir essas riquezas por herança aos filhos deste homem, excluindo os filhos de qualquer outro. Para isso era necessária a monogamia da mulher, e não a do homem; tanto é assim, que a monogamia da mulher não é a menor objeção para a poligamia descarada e oculta do homem.” A este domínio do homem adulto nas relações sociais para a reprodução da espécie, os marxistas o denominaram “patriarcado”. Claro que os modos de produção foram mudando, desde aqueles tempos remotos nos quais surgiram as classes sociais: amos e escravos, senhores e servos, burgueses e proletários.. E em cada modo de produção e em cada classe social, os mecanismos patriarcais também foram distintos. Não obstante, podemos dizer que as relações patriarcais existem em todos os modos de produção, ainda que as formas específicas que assumam sejam diferentes. Mas.. que função cumpre a família, então, em nossos dias?


Casados com filhos

Parece que desde que se instituiu a família nos tempos da Antiguidade, o pai se converteu numa figura indiscutível de poder sobre esposa e filhos. Quantas vezes escutamos ou dizemos “em casa mando eu”, “você vai ver a hora que seu pai chegar” e outras frases desse estilo.. Até nos questionários se fala de “chefes” e “chefas” do lar! Como se na família existissem as mesmas hierarquias que numa fábrica, na empresa e em outras instituições da sociedade... Por que existem estes papéis dentro da família? Com mais ou menos amor, de maneiras mais explicitas ou sutis, as vezes brutais, a família ajuda a moldar o caráter de meninos e meninas, desde a infância, educando-os na obediência à autoridade, impondo-lhes disciplina e castigando a rebeldia. Na família se aprende o que é correto e o que não é, para a vida social.


E quem decide o que é correto e o que não é? Em geral, todos os comportamentos que permitam adaptar-se e desenvolver-se nesta sociedade serão estimulados, enquanto que os comportamentos que se choquem com as normas e os costumes sociais serão reprimidos. Por isso, antes que na escola, na família se ensina quais são os comportamentos “adequados” para um homem ou para uma mulher. A família educa as meninas desde cedo para que depois sejam “boas esposas e mães” e aos meninos lhes ensinam que “os homens não choram” e que devem comportar-se como machos fortes, protetores ou autoritários.


Citamos acima Engels, que falava de monogamia apenas como uma obrigação para as mulheres, enquanto os homens gozam do “privilégio” de “fazer o que quiserem”. Essa conduta baseada na desigualdade porém permanece em nossos dias! Acontece que as mulheres, consideradas somente em sua capacidade reprodutiva, são um precioso tesouro para a reprodução da força de trabalho; sua sexualidade só interessa sempre e quando se associe a reprodução. Que importa o desejo? Por isso também resulta que um homem que se faz de galã para “conquistar” é reconhecido por outros homens, mas uma mulher que faz o mesmo é desqualificada negativamente.


Por isso, esta sociedade fundamentada na exploração do trabalho assalariado, também reprime a sexualidade que não está estritamente ligada com a função reprodutiva, como por exemplo, a homossexualidade, o lesbianismo, etc. E com isto, a família cumpre um papel importantíssimo, “moldando” os pequenos ao que a sociedade “espera deles”. E ainda que existam pais mais permissivos que outros, ou mães que criam sozinhas a seus filhos, o exemplo que ainda nos transmitem na escola, na Igreja e nos programas de televisão se parece muito a este tipo de família “modelo”, que, diga-se de passagem, já está bastante em crise atualmente.


Enquanto isso, o próprio sistema capitalista que reproduz estes estereótipos de submissão e obediência para as mulheres e controle e dominação para os homens, expõe os corpos femininos como objetos de consumo e disfrute para os demais. E não é casualidade, então, que a violência doméstica seja exercida, na imensa maioria dos casos, por homens contra as mulheres. Não se trata de nenhuma predisposição congênita maligna, mas de um dos produtos mais aberrantes desta sociedade que – desde a infância – nos coloca estes papéis, estas normas, estes regulamentos: “ela me engana com outro”, “ela se vestiu com roupas provocativas”, “ela não cuida das crianças e não fica em casa todos os dias”, “ela faz pouco caso de mim”! “Assim ela vai saber quem manda aqui”...

Como demonstrava Engels, a família é a instituição desta sociedade de classes que determinou e mantém a opressão das mulheres. Nas famílias trabalhadoras e de setores populares, as mulheres e meninas são, em sua grande maioria, as que se encarregam das tarefas domésticas, um dos aspectos principais que adquire essa opressão. Na maioria dos casos, essas mulheres que realizam tarefas do lar, também trabalham em fábricas, empresas, hospitais, escolas ou em casas de outras famílias. Por isso, os marxistas, falamos da dupla opressão das mulheres trabalhadoras.


Donas de casa desesperadas

Dissemos que a família é a instituição desta sociedade de classes que determinou e mantém a opressão das mulheres. Entretanto, a família cumpre esta função de forma diferente nas classes dominantes e nas classes subalternas.


Para a pequeno burguesia (os pequenos comerciantes, proprietários de pequenas parcelas de terra, etc), a família é uma unidade produtiva na qual todos seus membros cooperam. Para os exploradores, a família é fundamentalmente, aquela instituição através da qual transmitem hereditariamente sua riqueza de uma geração a outra.

Mas os capitalistas obtém outros benefícios da família... só que da família dos trabalhadores! A família do operário é o mecanismo básico pelo qual o empresário se exime de garantir a reprodução social daqueles cuja força de trabalho explora. É um mecanismo muito barato para a burguesia! Por isso, os capitalistas continuam enfiando em nossas cabeças a idéia de que cada família deve ser responsável pela vida de seus integrantes. A família é responsável pelo cuidado de todos aqueles que não estão em condições de serem explorados e “ganhar o pão com seu próprio suor”: são as crianças, os velhos e os doentes.


Além disso, através da família, se garante a reprodução da força de trabalho com as tarefas domésticas gratuitas que permitem aos trabalhadoras voltar para a fábrica, no dia seguinte, para continuar vendendo sua força de trabalho ao capitalista. Se os trabalhadores tivessem que comprar sua comida pronta ou tivessem que comer sempre em restaurantes, se tivessem que recorrer todos os dias do ano as lavanderias automáticas ou as tinturarias, se tivessem que pagar costureiras, babás ou faxineiras para a limpeza da casa.. teriam que receber salários muito mais altos do que recebem! Por isso o capitalismo, ainda que não tenha “inventado” a opressão das mulheres, se aproveita dela em grande escala, fomentando os preconceitos de que as mulheres têm que estar em casa, enquanto os maridos trabalham para “trazer o sustento”.


Mas ao mesmo tempo, o capitalismo empurrou as mulheres para a produção social! Incorpora sua força de trabalho nas fábricas e empresas; porém não as exime das tarefas domésticas. Por isso, os marxistas falamos da dupla jornada de trabalho das mulheres trabalhadoras: por um lado, vende sua força de trabalho ao patrão – como o resto dos operários -; mas, além disso, usa o tempo livre restante nas tarefas domésticas que não são consideradas “horas de trabalho” pela patronal, ainda que resultem altamente benéficas para os patrões.

O resultado para as mulheres fica claro: stress, abatimento, embrutecimento e múltiplas doenças e acidentes produzidos pelo cansaço excessivo. É lógico que o amor familiar então, vai se sendo substituído pela discórdia, pelo mau-humor e pela irritação. Os reacionários dizem que os marxistas – quando denunciamos isto – queremos destruir a família. Mas é o próprio sistema capitalista que, ao mesmo tempo que glorifica a unidade familiar, deixa nesta situação as famílias proletárias!


As superpoderosas

Apesar do que já viemos sustentando, a família é defendida pela maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, porque é o único lugar no qual tentam satisfazer algumas necessidades humanas, como o amor, a companhia, etc. Mas quem desintegra a família, trazendo sofrimento não é o marxismo, e sim o próprio sistema capitalista!


O sistema capitalista construiu enormes contradições: nos diz que as mulheres devem ficar no lar cuidando das crianças, mas nos obriga a trabalhar fora de casa, porque com apenas um salário não dá pra sustentar toda a família; nos diz que os homens têm que trazer o sustento, mas depois condena os trabalhadores com o desemprego, provocando depressão e angústia diante da miséria. No capitalismo, nos dizem que devemos criar nossos filhos, mas nem o Estado e nem os capitalistas nos dão creches gratuitas em nossos trabalhos, para estar perto deles, que ficam nas mãos de outras trabalhadoras – quando podemos pagar este serviço – ou aos cuidados de irmãs mais velhas, avós e outros familiares. Inclusive nos despedem quando engravidamos!


Aos jovens lhes dizem que devem ser livres, independizar-se de seus pais e progredir, mas depois se encontram com o trabalho precário, a flexibilização, os salários de miséria e a instabilidade dos contratos temporários... Aí têm que continuar vivendo com os pais até muito velhos! Nos dizem que devemos sonhar com o amor romântico, mas depois nos impõe as horas extras, as folgas 6 por 1, os horários rotativos, o trabalho nortuno... E quando teremos tempo para nos encontrar com nosso namorado?


Também dizem que as mulheres são débeis, mas cada vez aumentam mais o número de casas mantidas por mulheres solteiras. E além disso, quando o capitalismo descarrega suas grandes crises sobre as famílias operárias, as mulheres estão na primeira fileira da luta e são de dar medo aos patrões, à justiça, às forças repressivas e aos políticos do regime! Trotsky dizia que “a crise social, com seu cortejo de calamidades, gravita com o maior peso sobre as mulheres trabalhadoras. Elas estão duplamente oprimidas: pela classe possuidora e por suas próprias famílias”. E acrescenta “Toda crise revolucionária se caracteriza pelo despertar das melhoras qualidades da mulher das classes trabalhadoras: a paixão, o heroísmo, a devoçao”. Assim mostraram as mulheres pobres de Paris, em 1789, quando se mobilizaram contra os preços do pão e deram início a grande Revolução Francesa. Assim mostraram, também, as operárias têxteis de São Petersburgo, em 1917, quando se mobilizaram reivindicando “pão, paz e liberdade” e deram o pontapé inicial da primeira revolução proletária triunfante, a Revolução Russa. Mas também assim o mostraram, mais recentemente, as operárias de Brukman e as mulheres dos movimentos de desempregados, enfrentando a crise de 2001 na Argentina. Elas disseram que não eram “meninas superpoderosas”. Entretanto, sua companhia e sua fortaleza foram indispensáveis para que a patronal não acabasse com o ânimo dos trabalhadores.


E também são mulheres as que sempre estão a frente nas mobilizações contra o gatilho preparado, convertendo em dor uma luta contra as forças repressivas, a corrupção e a impunidade. Por isso, acreditamos que uma análise materialista da origem histórica e do papel que cumpre a família na sociedade capitalista e uma visão marxista da opressão da mulher na sociedade de classes são essenciais para desenvolver um programa revolucionário que busque despertar esta enorme energia das mulheres trabalhadoras e dos setores populares na luta pela revolução social e a emancipação de todos os oprimidos.


Livres e iguais

Como diziamos, uma análise materialista da origem histórica e do papel da família na sociedade capitalista e uma visão marxista da opressão da mulher na sociedade de classes são essenciais para desenvolver um programa revolucionário, que se coloque a tarefa de alimentar essa enorme energia das mulheres trabalhadoras e dos setores populares na luta pela revolução social e pela emancipação de todos os oprimidos. Mas o que deveria expressar esse programa?


Aos marxistas muitas vezes nos acusam de estar contra a família. Já dissemos que é o próprio capitalismo que destrói as familias proletárias com a superexploração, o desemprego, a marginalização, a fome, a miséria e todas as consequências da descomposição social. O que colocamos é que deve abolir-se a família como estrutura econômica privada, sobre a qual descansam as tarefas relativas ao abastecimento de alimentos, abrigo, comida e cuidados necessários para a reprodução da força de trabalho; para então podermos ir adiante com as relações estabelecidas livremente, sem coerção econômica e nem de nenhum tipo, e baseadas, finalmente, no amor. Mas sabemos que isto não pode acontecer “por decreto”.


Para isso é necessário exigir, em primeiro lugar, a industrialização e socialização das tarefas necessárias para a reprodução. Isto liberaria as mulheres do que Lenin denominou como “escravidão doméstica” e permitiria que as mulheres se incorporassem a produção socializada nas mesmas condições que os homens, sem ter que aguentar a dupla jornada de trabalho.


Esta enorme tarefa é inseparável do fim da propriedade privada dos meios de produção. Somente sobre a base de um estado operário, baseado nos organismos de democracia direta da classe trabalhadora que planifiquem a economia, será possível dar estes primeiros passos para erradicar, de uma vez por todas, a opressão que pesa sobre as mulheres.


Mas com essa perspectiva, sabendo que esta emancipação somente pode se dar sobre as bases de uma revolução socialista que acabe com o domínio de uma classe sobre outra, chamamos a mais ampla mobilização das mulheres para lutar com um programa que permita despertar a energia revolucionária da classe trabalhadora em aliança com o povo pobre e outros setores oprimidos. Exigimos um salário destinado ao trabalho doméstico necessário numa família para sua própria reprodução; denunciando que esse trabalho “invisível” e não remunerado – que recai majoritariamente nas mulheres da família – é vital para o Estado e os capitalistas. Exigimos creches pagas pela patronal e pelo Estado nas fábricas, empresas e locais de trabalho.


Com a incorporação das mulheres a produção social, exigimos igual salário por igual trabalho, igualdade de oportunidade de emprego, contra a discriminação das mulheres em qualquer ramo da atividade econômica e direitos especiais para as mulheres grávidas e que estão amamentando.


Junto a isso, o direito das mulheres de decidir e ter o controle de seu próprio corpo, sua sexualidade e suas funções reprodutivas. Por isso lutamos pelo direito ao aborto livre e gratuito, mas também pela educação sexual e a distribuição gratuita de contraceptivos, ao mesmo tempo que defendemos o direito a maternidade escolhida livremente.


Consideramos que somente a mais ampla autonomia – desde a independência econômica até o controle do próprio corpo – permitirá que as pessoas se relacionem com liberdade, amor e respeito mútuo, baseando-se exclusivamente nos seus desejos e não pressionados pelas necessidades da sobrevivência cotidiana.


Para isso é necessário também enfrentar os preconceitos que a classe dominante recria entre as fileiras dos explorados. Sabemos que com decretos não se pode acabar com o machismo e a opressão. O feminismo coloca a necessidade de desenvolver novas “culturas” e “estilos de vida” que enfrentem as atitudes patriarcais dos homens. Para os marxistas, pelo contrário, a saída não é individual. E não culpamos aos homens pela opressão sexual, senão a sociedade de classes e suas instituições. É esta a que reproduz e legitima estes comportamentos machistas entre os setores oprimidos, fortalecendo o domínio dos exploradores.


Entretanto, por não se tratar de um problema de “educação” ou “estilo de vida”, não significa que os marxistas, os operários conscientes e as mulheres que tomam seu destino em suas próprias mãos não devamos enfrentar estas pressões que, em ocasiões, nos conduzem a reproduzir as piores misérias humanas que lutamos para destruir.


Parafraseando Marx, podemos dizer que não se pode libertar quem oprime a outros. Por isso, acabemos com o sexismo em nossas fileiras! Pela unidade da classe trabalhadora em luta contra a exploração e a opressão! Avante mulher trabalhadora!



Traduzido por Diana Assunção

* Por se tratar de um texto escrito na Argentina e que portanto se remetia a algumas questões nacionais, foram feitas pela tradutora adaptações ao texto original.