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quinta-feira, 29 de agosto de 2013
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
Carta de Liliane, secundarista, para Julia, professora da rede estadual de SP na ZO
Júlia,
Bom, nem sei por onde começar ou porque começar a escrever, mas eu quero que saiba que fiquei super feliz por você ter me convidado para participar da reunião do Pão e Rosas, na verdade nem sei porque me convidou, mas sei que conhecer o Pão e Rosas me fez ser uma pessoa melhor, me despertou ainda mais a curiosidade de conhecer o outro, desvendar cada olhar e enxergar o ser humano.
Saí da reunião com um novo pensamento, com sorriso no rosto e olhar brilhar de esperança, de união, de força que senti naquele lugar, com todos os relatos de todas aquelas mulheres que se unem para exigir seus direitos, liberdade e prazeres. E foi você que me proporcionou toda essa experiencia me convidando, não sei mas acho que você enxergou em mim alguma razão e agora acho que sei, tantas histórias eu ouvi e tenho muitas pra contar. Quando cheguei em casa contei o quanto foi maravilhoso estar ouvindo gritos verdadeiros, gritos de união e de muita força todas aquelas guerreiras. E ainda tomei coragem pra dizer à minha mãe o quanto ela é guerreira e ela até chorou e também ela mesma tomou a iniciativa de querer ir comigo.
Enfim, o texto pode e deve ter ficado confuso, mas te agradeço porque você e as outras mulheres do Pão e Rosas MUDARAM A MINHA VIDA!
Pode contar comigo para tudo o que precisar que estarei lá para te ajudar, e me ofereço também a ajudar como eu puder o Pão e Rosas no que vocês precisarem.
Obrigada, mais uma vez, por ter mudado a minha vida! E te admiro ainda mais por você fazer parte dessa luta e de muitas outras.
Ps: A Bárbara (outra aluna que foi à Plenáaria) tava me contando o quanto foi muito louca a festa e o teatro!!! Da próxima minha mãe disse que eu posso ficar até o final. Já estava super bem antes de sair, nossa, imagina depois! Muito louco, muito demais, muito lindo, muito tudo!!
Beijão,
Liliane
Bom, nem sei por onde começar ou porque começar a escrever, mas eu quero que saiba que fiquei super feliz por você ter me convidado para participar da reunião do Pão e Rosas, na verdade nem sei porque me convidou, mas sei que conhecer o Pão e Rosas me fez ser uma pessoa melhor, me despertou ainda mais a curiosidade de conhecer o outro, desvendar cada olhar e enxergar o ser humano.
Saí da reunião com um novo pensamento, com sorriso no rosto e olhar brilhar de esperança, de união, de força que senti naquele lugar, com todos os relatos de todas aquelas mulheres que se unem para exigir seus direitos, liberdade e prazeres. E foi você que me proporcionou toda essa experiencia me convidando, não sei mas acho que você enxergou em mim alguma razão e agora acho que sei, tantas histórias eu ouvi e tenho muitas pra contar. Quando cheguei em casa contei o quanto foi maravilhoso estar ouvindo gritos verdadeiros, gritos de união e de muita força todas aquelas guerreiras. E ainda tomei coragem pra dizer à minha mãe o quanto ela é guerreira e ela até chorou e também ela mesma tomou a iniciativa de querer ir comigo.
Enfim, o texto pode e deve ter ficado confuso, mas te agradeço porque você e as outras mulheres do Pão e Rosas MUDARAM A MINHA VIDA!
Pode contar comigo para tudo o que precisar que estarei lá para te ajudar, e me ofereço também a ajudar como eu puder o Pão e Rosas no que vocês precisarem.
Obrigada, mais uma vez, por ter mudado a minha vida! E te admiro ainda mais por você fazer parte dessa luta e de muitas outras.
Ps: A Bárbara (outra aluna que foi à Plenáaria) tava me contando o quanto foi muito louca a festa e o teatro!!! Da próxima minha mãe disse que eu posso ficar até o final. Já estava super bem antes de sair, nossa, imagina depois! Muito louco, muito demais, muito lindo, muito tudo!!
Beijão,
Liliane
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
Emocionante encontro entre trabalhadoras e estudantes grita: Pão e Rosas!
Rita Frau, Tristán, Virginia Guitzel, Silvana Ramos, Dini Xavier e Diana Assunção na Plenária Nacional do Pão e Rosas |
Neste sábado, 10
de Agosto, realizou-se em São Paulo, a Plenária Nacional do grupo de mulheres Pão
e Rosas que reuniu cerca de 200 mulheres e homossexuais entre trabalhadoras, estudantes
secundaristas, universitárias, trabalhadoras terceirizadas da limpeza, operárias
de fábricas, metroviárias, bancárias, trabalhadoras da USP, professoras de
diversos de diversos estados do país (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro).
As trabalhadoras à frente!
Dini Xavier, da Secretaria de Mulheres do Sintusp |
A atividade teve
início com a abertura de Silvana Ramos, trabalhadora terceirizada linha de
frente da luta contra a precarização do trabalho na USP, saudando todas as companheiras
ali presentes e contando um pouco de como a luta que travou para receber o salário
e os benefícios na greve da USP lhe aproximou da vida política e da necessidade
de se organizar. Colocou a importância que se faz hoje as mulheres se
organizarem, já que são as mulheres que estão nos piores postos de emprego, são
oprimidas pela dupla (quando não tripla) jornada de trabalho e dos abusos
(morais e sexuais) que sofrem. Dizia que a lógica que os patrões empregavam
para contratar mulheres para esses empregos terceirizados era de que mulher,
quando levava bronca, chorava no banheiro. “Eu
não. Nós, trabalhadoras na USP, não! Não choramos no banheiro, nós gritamos!
Nós lutamos para conseguir nossos direitos”.
Silvana também expressou
que as mobilizações que tiveram em junho levantadas pela juventude fez “todo mundo ir atrás: os trabalhadores, as
mulheres, os homossexuais...” e que agora nesse dia 14 e 30 de agosto, era
preciso que as mulheres estivessem presentes levantando suas reivindicações. Em
seguida, Dinizete Xavier, da Secretaria de Mulheres do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores
da USP, que apoiou ativamente as greves das terceirizadas em 2007, 2011 e 2013)
saudou as mulheres que estavam na atividade e apontou de como nossa luta está
ligada a um questionamento ao Estado, resgatando em linguagem simples as
definições de Engels sobre a origem da família, da propriedade privada e do
próprio estado. E de como achamos que nossos inimigos não são os homens, mas
sim capitalismo.
A juventude mostra o caminho!
Clismênia, da Unesp de Marília |
Tristan, militante
do Pão e Rosas no Rio de Janeiro, partiu das mobilizações de junho e do papel
que muitos sindicatos poderiam ter cumprido se tivessem forjado uma aliança dos
trabalhadores com as centenas de milhares de jovens que saiam as ruas exigindo
saúde, educação e transporte públicos, gratuitos e de qualidade. Colocou que
essa combinação explosiva, que desde o Pão e Rosas defendemos, é o que a
burguesia e os patrões têm mais medo. E que se no dia 11, os sindicatos tinham
sido um impeditivo para os trabalhadores, a vontade e os anseios destes só
tinha a crescer. Colocou também de como a visita do Papa Francisco ao Brasil
foi marcado por muita repressão, tendo manifestantes atingidos com balas de
fogo, até bala de fuzil. E também muita hipocrisia, pois enquanto a voz das
ruas gritava por serviços públicos decentes, o governo que dizia não ter
dinheiro, gastava 118 bilhões dos cofres públicos para trazer o Papa para o
Brasil. Relacionou a repressão diretamente com o sumiço de Amarildo,
trabalhador negro da rocinha desaparecido pelas mãos da UPP, e de como ele não
é o único, mas é parte da realidade também das mulheres morrem cotidianamente
seja pela violência domestica, pela polícia, pelos maridos, etc.
Jéssica, Diretora do CAELL USP |
Virginia,
estudante da Fundação Santo André, discutiu sobre a ilusão que muitas mulheres
tinham que com a chegada de Dilma (PT) como presidente da republica seus
direitos estariam garantidos. Contou como desde a campanha eleitoral Dilma já
demonstrava que não seria capaz de garantir esses direitos, pois sua base de
apoio, já nas eleições a fez desistir de defender a legalização do aborto e
assim garantir que 200.000 mulheres deixassem de morrer todos os anos.
Continuou com o acordo Brasil Vaticano feito por Lula favorecendo a Igreja Católica
com isenções fiscais, vetou o kit anti-homofobia que levava para as escolas,
desde a infância, a diversidade sexual e a necessidade de respeitá-la. E por
fim, abriu espaço para que essa base aliada chegasse na Comissão de Direitos
Humanos com Marco Feliciano, e recebeu de braços abertos o Papa da ditadura
argentina no Brasil. Por isso, as mulheres não podiam ter nenhuma ilusão em
Dilma, ou no PT ou nos patrões. Era preciso nos organizar de forma independente
e nos inspirar nos exemplos como as mulheres indianas que se organizaram e
foram às ruas em centenas de milhares para lutarem contra o abuso e os estupros
que acontecem frequentemente contra as mulheres. Terminou lembrando de Rosa
Luxemburgo , revolucionária alemã do século XX, que se colocava a tarefa de
lutar por um mundo “onde sejamos
socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.
“Esta é minha 1ª Plenária...”
Adriana, professora da Zona Norte de São Paulo |
Dezenas de novas
trabalhadoras e estudantes se encontraram nesta Plenária Nacional do grupo de
mulheres Pão e Rosas. Com destaque para a delegação de mais de 15 companheiras
da Unesp em greve, a voz das mulheres trabalhadoras se fez sentir na
intervenção de uma companheira operária de fábricas na Zona Oeste, que iniciou
sua fala dizendo que era sua 1ª Plenária, e que na próxima traria mais
operárias para se juntar com outras trabalhadoras e com a juventude. Jaciara,
trabalhadora do comércio no Rio Pequeno, escancarou o problema da opressão
homofóbica e das instituições religiosas que “querem decidir quem eu posso amar”.
Foram dezenas de intervenções
de estudantes e trabalhadoras que relatavam suas vidas e a opressão cotidiana que
vivem e como combatiam o machismo em casa e no trabalho. Relatos de
discriminação por serem lésbicas, por serem negras, por serem trabalhadoras
terceirizadas. Se fazia claro que era urgente se organizar para não mais deixar
as mulheres morrerem por abortos clandestinos, que era urgente lutar para que
as travestis e transexuais tivessem acesso a saúde e educação respeitando sua
identidade de gênero e garantindo atendimento qualificado para que a
perspectiva de vida não fosse mais de 35 anos.
Jaciara, comerciária |
Esteve presente a
companheira Patrícia Lessa, do coletivo Maria Lacerda, de Maringá que colocou
um relato das atividades do grupo e também interviu Marília Rocha, operadora de
trem no Metrô de Sâo Paulo que encabeça como candidata a presidente para as
eleições do Sindicato dos Metroviários a Chapa
3 – Pela Base! que está sendo ameaçada de veto pela Diretoria atual do
Sindicato e a Comissão Eleitoral.
Uma trabalhadora
dos “bandejões” da USP relatava seu cotidiano no local de trabalho e sua
revolta com as condições dos terceirizados que nem tinham comida no almoço e
eram impedidos de almoçar no próprio bandejão. As estudantes da UFMG relataram
como estão organizando o Pão e Rosas em Minas Gerais, Jéssica diretora do CAELL
e estudante da Letras retomou a luta contra a ditadura da beleza que nos impõe,
Letícia Parks fez um forte relato resgatando a luta de Dandara e muitas outras
intervenções transformaram a Plenária Nacional do Pão e Rosas em um emocionante
e promissor encontro entre trabalhadoras e estudantes que mostrou o enorme
potencial de construção de um forte movimento de mulheres.
Nas fábricas, escolas e universidades: construir o Pão
e Rosas!
Rita Frau, no encerramento |
Ao final, Rita
Frau, professora da rede estadual de São Paulo em Campinas encerrou fazendo um
forte chamado a construir o Pão e Rosas, propondo que nas próximas semanas
organizássemos reuniões do Pão e Rosas por local de trabalho e estudo para
debater as principais conclusões desta primeira Plenária Nacional. Rita colocou
a importância de cada companheira convencer mais mulheres e lutar por nossos
direitos junto com o Pão e Rosas. Serão criados grupos de emails para debate
entre todas as companheiras de diversos estados que estiveram presentes e
debater a organização nos próximos meses de seminários abertos sobre “Gênero e
Marxismo” nas universidades avançando em debater nossa estratégia de luta pela
emancipação das mulheres. Queremos em breve organizar uma nova e maior Plenária
Nacional do Pão e Rosas, preparando nossa forte intervenção no Dia
Latino-Americano Pelo Direito ao Aborto bem como nos espaços de mulheres
organizados pelos Sindicatos e pela CSP-Conlutas.
Coletivo As Mãos de Jeanne Marie |
Ao fim, o
recém-formado Coletivo As mãos de
Jeanne-Marie apresentou uma performance sobre as mulheres revolucionárias mesclando
trechos do poema de Arthur Rimbaud “As
mãos de Jeanne Marie” com trechos do livro “Pão e Rosas” de Andrea D’Atri, colocando a necessidade da
independência das mulheres trabalhadoras em relação às mulheres
burguesas. A atividade continuou com uma grande festa com a DJ Cecília
Lara, cerveja e comida, além da exposição artística organizada pela estudante
de Ciências Sociais Ravenna Kuneva e outras exposições e colagens. Durante toda
a atividade funcionou uma creche com companheiros estudantes e trabalhadores
que garantiram o cuidado com as crianças.
Como conclusão,
também ficou remarcado que é preciso desde já ir às ruas nesse dia 14 e 30 ao
lado da juventude e dos trabalhadores para lutar por transporte público estatal
e sob controle dos trabalhadores e contra os escândalos de corrupção entre o
governo e o Metrô de São Paulo, construindo também um novo dia de paralisação
nacional dos trabalhadores. Venha conhecer e construir o grupo de mulheres Pão
e Rosas! Chamamos a nesta semana construir o dia 14 junto com a juventude e os
trabalhadores, colocando também a bandeira das mulheres para avançarmos na luta
anti-capitalista e arrancar nosso direito ao pão (todas nossas necessidades
para viver) mas também o direito as rosas (nosso direito ao lazer, a cultura e
a liberdade).
domingo, 4 de agosto de 2013
A emancipação das mulheres em tempos de crise mundial
Por Andrea D'Atri e Laura Liff*
A sintomática
emergência política dos setores mais oprimidos questiona a ideia de emancipação
como conquista progressiva e acumulativa de direitos (tal como propõe um
feminismo partidário, exclusivamente, aquele da estratégia do lobby parlamentar
para a “ampliação da cidadania”) e põe em xeque a perspectiva de “democratizar
radicalmente a democracia” (como propõe o pós-feminismo, ou feminismo
pós-moderno), que se mostra inviável quando a crise econômica, social e política
segue desenvolvendo-se.
Com a crise,
torna-se evidente que cada direito obtido não é uma conquista perene, mas que
está sujeita a cortes e ajustes que imponham os governos e instituições
financeiras internacionais, como também – quando não se trata de um problema
estritamente econômico – aos vai-e-vens das relações de forças, já que a crise
agudiza a polarização social e isso faz resurgir com virulência os setores mais
reacionários que expressam sua xenofobia, homofobia, misoginia, etc. Não são
poucos os governos que, por trás de um discurso supostamente “progressista”,
escondem compromissos com setores direitistas e concessões a determinados
grupos religiosos, reforçando o controle social com a retirada de liberdades
democráticas.
Na população
que é lançada pelo capital a uma vida miserável, não há “igualdade de gênero”:
70% são mulheres e meninas. Mas a desigualdade não se encontra somente nos
índices econômicos. Sua discriminação – como a que se exerce também contra
imigrantes e pessoas não heterossexuais – contrasta com os direitos adquiridos
nas últimas décadas: repressão, violação e assassinato de mulheres no Egito e
outros países da África e Oriente Médio; a escalada xenófoba na Europa; as mobilizações
multitudinárias, encabeçadas pela Igreja Católica, grupos de cristãos
evangélicos e políticos conservadores, contra os projetos para legalizar o
matrimônio igualitário [1]. O capitalismo ensina, com essas lições brutais, que
a emancipação feminina assim como de outros grupos sociais subjulgados, é uma
quimera enquanto subsistir este regime social, político e econômico. Se esta é
a perspectiva, o que deve levantar o feminismo, enquanto movimento emancipador
que denuncia a desigualdade social, política e cultural das mulheres sob domínio
patriarcal? E o que tem a dizer o marxismo revolucionário?
Paradoxos da restauração conservadora: mais direitos e
maiores humilhações
Neste ultimo século, a vida das
mulheres mudou de uma maneira que não é comparável às mudanças relativamente
menores que experimentou a vida dos homens no mesmo período. Mas há outros
dados que contrastam brutalmente com essa imagem de “progresso sem
contradições”, até uma maior igualdade de gênero, que é própria dos países
imperialistas e das semicolônias prósperas. Como entender dentro deste
horizonte, que a cada ano entre 1 milhão e meio e 3 milhões de mulheres e
meninas são vítimas da violência machista e que a prostituição se transformou
numa indústria de grandes proporções e enorme rentabilidade, o que por sua vez
permitiu desenvolver expansivamente as redes de tráfico?
Além disso, mundialmente, apesar dos
enormes avanços científicos e tecnológicos, morrem 500 mil mulheres anualmente,
por complicações na gravidez e no parto, enquanto 500 mulheres morrem, por dia,
em decorrência de abortos clandestinos. No mesmo período, aumentou
exponencialmente a “feminização” da força de trabalho, especialmente na América
Latina, às custas de uma maior precarização[2]. Por isso, diferente de outras
crises mundiais, esta que estamos atravessando encontra a classe operária com
uma força de trabalho que representa mais de 40% do emprego global. 50,5%
dessas trabalhadoras estão precarizadas e, pela primeira vez na história, a
taxa de emprego urbano entre as mulheres é levemente superior à taxa de emprego
rural [3].
É gritante o contraste entre os
direitos adquiridos – incluindo a legitimidade que alcançou, nas últimas
décadas, o conceito de “igualdade de gênero” - e o desolador panorama destas
estatísticas. Foi buscando uma explicação para esta contradição, que a
feminista norte-americana Nancy Fraser expressou sua insatisfação com a tese de
que “a capacidade relativa do movimento (feminista) para transformar a cultura,
contrasta de maneira aguda com sua incapacidade relativa para transformar as
instituições” [4]. E a partir desse balanço impróprio (que adjudica ao
feminismo um triunfo cultural e certo
fracasso institucional), Fraser desafia com uma nova hipótese, perguntando-se
se por acaso o que aconteceu é que “as mudanças culturais impulsionadas pela
segunda onda, saudáveis em si mesmas, serviram para legitimar uma transformação
estrutural da sociedade capitalista que avança diretamente contra as visões
feministas de uma sociedade justa”[5]. A autora se permite suspeitar que o
feminismo e o neoliberalismo se tornaram afinados uma ao outro, questionando a
cooptação do primeiro e a sua subordinação à agenda do Banco Mundial e a outros
órgãos internacionais.
A suspeita parece certa. Por acaso o feminismo só pode
nos propor uma restrita emancipação, limitada a setores minoritários que gozam
de alguns direitos democráticos, em determinados países, às custas da extensão de brutais situações de humilhação contra a imensa maioria das mulheres em escala
mundial? Esta situação paradoxal, que as décadas da restauração conservadora
nos legaram, não pode ser explicada senão reportando-se à correlação de forças
que ficou colocada com a radicalização iniciada nos 60. Desde o fim dessa
década até meados dos anos 80, ocorreu um ascenso revolucionário de massas que
questionou não somente a ordem capitalista, mas também, o controle férreo da
burocracia estalinista nos Estados Operários do Leste da Europa.
No início deste extenso processo de
radicalização, que atravessou os continentes e colocou em xeque o equilíbrio
pactuado entre o imperialismo e a burocracia estalinista ao fim da 2ª Guerra
Mundial, também deu lugar ao florescimento de outros questionamentos radicais
sobre a vida cotidiana: o movimento feminista se recriou sob novas premissas,
originando o que ficou conhecido como “a segunda onda”, o movimento pela
libertação sexual saiu do “armário” imposto pela repressão, irrompendo na cena
mundial com as barricadas de Stonewall e a visibilidade “orgulhosa”; a
população afro-americana também emergiu, gritando sua rebeldia e hasteando a
bandeira do blackpower, enquanto os campi universitários se convertiam
em ambientes de deliberação política e filosófica, experimentação musical e
lisérgica, ao mesmo tempo em que a família tradicional, o par heterossexual
monogâmico e todas as relações intersubjetivas eram questionados pelo amor
livre e a vida comunitária.
Mas a contraofensiva imperialista –
conhecida como “neoliberalismo” – foi descarregada sobre as massas
desferindo-lhes uma derrota não apenas política, mas cultural. Diferente das
outras guerras mundiais, a recuperação parcial que o sistema capitalista
conseguiu não se baseou na destruição das forças produtivas mediante o aparato
bélico. Ainda que houvesse “derrotas físicas”, a base desta “nova ordem” foi,
essencialmente, a descomunal fragmentação da classe trabalhadora. Frente a este
ataque imperialista às massas e às suas conquistas, as próprias organizações
criadas pela classe operária (desde os partidos como a socialdemocracia ou os
PC, até os sindicatos e os estados operários burocratizados) atuaram como
agentes da implementação dessas mesmas medidas que reconfiguraram o domínio do
capital [6]. O modelo do livre mercado e o pensamento único lideraram este
período de restauração, caracterizado pelo desvio e a canalização do ascenso de
massas através da crescimento dos regimes democráticos capitalistas, abrindo o
caminho para medidas econômicas, sociais
e políticas que liquidaram grande parte das conquistas obtidas durante o
período anterior.
Este processo se estendeu no tempo e
no espaço de uma maneira nunca antes vista. Ainda que “mais extensas geograficamente,
se constituíram como democracias degradadas tendo como base fundamental as
classes médias urbanas e até setores privilegiados da classe operária (especialmente nos países centrais), que
tiveram a porta aberta à extensão do consumo. A desideologização do discurso
político sob a combinação da exaltação do indivíduo e a sua realização no
consumo (“consumismo”) foram as bases
deste 'novo pacto' muito mais elitista que aquele do pós guerra, que conviveu
com o aumento da exploração e degradação social da maioria da classe trabalhadora,
junto com altos índices de desemprego e a proliferação exponencial da pobreza” [7] (as
ênfases no texto são nossas)
Enquanto os setores mais altos da
classe trabalhadora e as classes médias eram incorporados ao festim consumista,
as grandes maiorias eram lançadas ao desemprego crônico, à aglomeração nas
favelas e à marginalidade social, política e cultural. O individualismo também
permeou a cultura de massas. Para essa “integração” que estabeleceu um “novo
pacto” entre as classes foi necessário incorporar, rebaixando, na agenda das
políticas públicas, muitas das demandas democráticas levantadas pelos movimentos
sociais, inclusive o feminismo.
Feminismo
na democracia: da insubordinação à institucionalização
O divórcio entre a classe operária,
por um lado, com suas direções encabeçando a entrega de conquistas ou, no
melhor dos casos, resistindo a partir de um sindicalismo vulgar aos ataques
neoliberais e, por outro, os movimentos sociais – que, frente à derrota,
abandonaram a perspectiva de uma transformação radical do sistema
global – se consumou finalmente, depois de uma longa história de barricadas
compartilhadas. “Marginalizado
por si mesmo” ou integrado às batalhas pelo “reconhecimento”
devido no espaço do “Estado democrático”, o feminismo abandonou a luta contra a
ordem social e moral que o capital impõe e que descarrega as maiores misérias e
ofensas contra as mulheres. Ao contrário, a ausência de um horizonte
revolucionário e o papel cumprido por suas próprias direções no momento do
maior ataque perpetrado pelo capital, afundou a classe operária em um
corporativismo economicista. Reformismo de duas caras: a política feminista só
se limitou a pressionar através do lobby
às instituições do Estado para conseguir uma “ampliação de cidadania” que,
antes cedo do que tarde, está se transformando em papel molhado frente à crise
em curso; enquanto às mulheres da classe trabalhadora se designa, no melhor dos
casos, somente o “direito” ao salário, deixando nas mãos da casta política
burguesa o manejo dos assuntos públicos.
As mulheres que almejavam sua
emancipação não tiveram, durante estas décadas de profunda restauração
conservadora, um modelo a seguir nos países que abarcava o denominado
“socialismo real”, como havia sido no começo do século XX. Ali somente
encontravam a confirmação de que toda tentativa de opor-se à dominação
existente, poderia gerar novas e monstruosas formas de dominação e exclusão. O
estalinismo havia se encarregado de manchar as bandeiras libertárias do
bolchevismo para a emancipação feminina e transformá-las em seu inverso:
reestabeleceu a ordem familiar promovendo o papel das mulheres como esposas,
mães e donas de casa, revogou o direito ao aborto, criminalizou a prostituição,
como nos tempos do czarismo; reduziu drasticamente ou diretamente eliminou as
políticas públicas de criação de lavanderias, restaurantes e moradias
comunitárias e liquidou todos os órgãos partidários femininos. Estas foram
somente algumas das medidas com as quais a burocracia destruiu e reverteu os
pequenos, porém audazes, passos dados pela Revolução Russa de 1917. Junto a
cooptação e à integração ao regime capitalista, avançou-se em direitos
democráticos elementares e se transformou a agenda feminista – antes elaborada
somente por alguns setores de vanguarda – em “senso comum” de massas. Mas a
radicalidade do feminismo da alvorada da “segunda onda” foi engolida pelo sistema.
Sua aposta subversiva foi desandada no caminho em que transitou “da rua ao
palácio”, da transformação social radical à transgressão simbólica resistente.
Entre a extensão inusitada do
consumo para amplos setores de massas, a exaltação do individualismo como valor
social e a conversão dos movimentos sociais em pedreiras de tecnocratas para
abastecer de pessoal capacitado as agências de desenvolvimento, o feminismo
igualitarista perdeu seu caráter crítico. Depois, o feminismo da diferença e o feminismo
pós-moderno questionaram, relativamente, essa conciliação.
Mas a adaptação a uma época na qual a
revolução se distanciava do horizonte, com uma classe operária submersa num
atraso político, a crise de subjetividade sem precedentes e a desmoralização
provocada pela identificação do estalinismo com o “socialismo”, também tiveram
seu correlato nos novos fundamentos teóricos feministas e feministas
pós-modernos. Suas respostas, longe de atacarem o coração do problema,
retomando as críticas mais radicais com as quais o feminismo havia conseguido
apontar à aliança “capital-patriarcado”, estabeleceram a ideia de uma
emancipação individual, enganosamente assimilada às possibilidades de consumo e
apropriação – transformação subjetiva do próprio corpo.
Apontamentos para um debate
Esta reconfiguração da situação das
mulheres, com novos direitos e vítimas de maiores danos, junto a uma nova
composição de gênero da força de trabalho provocada pelas transformações que
ocorreram nas últimas décadas, obriga-nos a reatualizar o debate entre
feminismo e marxismo sobre o caráter da relação entre capitalismo e
patriarcado, o agente da emancipação e a questão da hegemonia. Está colocada a
hipótese do ressurgimento de um feminismo que não se autossatisfaça no refúgio
intimista da libertação individual e se coloque num horizonte de crítica
radical anticapitalista? Isso implica não somente o combate contra as variantes
reformistas que propunham a inclusão, ainda quando o fazem sob as labirínticas
formas de uma charada pós-moderna, mas também, recuperando – contra todo
reducionismo economicista ou politicismo oportunista funcionais àquele
reformismo – as melhores tradições da história do marxismo revolucionário na
luta contra a opressão da mulher.
*Texto originalmente publicado na Revista "Ideas de Izquierda" impulsionada pelo Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) da Argentina e independentes.
[1]
Em Paris, centenas de milhares de pessoas marcham contra a aprovação do
casamento igualitário. Na manifestação, liderada por personalidades da direita
e da ultradireita francesa, se ouvia contra o governo de Hollande a frase: “Não
toque no matrimônio, ocupe-se do desemprego”. Em 2008, na Califórnia, grupos
direitistas – como a organização Project Marriage (Projeto Casamento) –
promoveram a emenda constitucional denominada “Limitar o matrimônio”. Algo
parecido aconteceu no Estado Espanhol, onde o PP e a Igreja encabeçaram as
mobilizações contra o casamento gay. Recentemente, no Brasil, milhares
participaram na “Marcha pra Jesus”, uma manifestação de cristãos evangélicos
liderados pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados que aprovou um projeto de lei para que as faculdades de psicologia
considerem a homossexualidade como uma doença e estabeleçam seu tratamento.
[2] Nas
3.000 zonas francas que há no mundo
trabalham mais de 40 milhões de pessoas, sem nenhum direito, mas 80% são
mulheres que tem entre 14 e 28 anos.
[3] OIT, Informes 2011 e 2012.
[4] Nancy Fraser, “El feminismo, el capitalismo y
la astucia de la historia”, New Left
Review 56, Madrid, 2009.
[5] Ídem.
[6] Ver E. Albamonte e M. Maiello, “En los
límites de la restauración burguesa”, Estrategia
Internacional 27, Buenos Aires, 2011.
[7] Idem.
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
Venha na Plenária Nacional do Pão e Rosas, 10 de agosto!
Já está na gráfica! A partir desta
quinta-feira estaremos com este folheto nas fábricas, escolas, bairros,
locais de trabalho e universidades de várias cidades do país chamando as
mulheres trabalhadoras, estudantes, donas de casa, desempregadas,
secundaristas, mulheres negras, travestis, jovens trabalhadoras a
participar da Plenária Nacional do grupo de mulheres Pão e Rosas. Dia 10
de agosto, venha participar!