quinta-feira, 16 de julho de 2009

Por Manoela gritamos: queremos nosso direito à maternidade!

Por Diana Assunção e Clarissa Menezes*

Os últimos meses no Brasil foram de grande avanço nas diferentes formas de violência contra as mulheres. Tendo como pano de fundo uma situação econômica aparentemente mais estável em nosso país, vimos um bebê de 8 meses e uma jovem de 16 anos serem vítimas de uma bala perdida em Paraisópolis, bala que por orientação médica segue no peito da jovem. Vimos uma nova onda de estupros em diferentes estados, como no Espírito Santo e os recorrentes casos de assassinatos a mulheres “apenas por serem mulheres”, como em Minas Gerais. Em Salvador, vimos o escandaloso número de 8 casos por dia de violência contra mulheres dentro de suas casas. Vimos no Mato Grosso do Sul o Superior Tribunal de Justiça considerar que não é crime de exploração sexual a prostituição de crianças, abrindo um enorme precedente para a violência infantil. E vimos até a Lei Maria da Penha, destinada a combater a violência contra as mulheres, ser aplicada a uma mulher. Nesse cenário aterrorizante, que expressa o que o capitalismo reserva às mulheres, o caso da jovem Manoela da Costa é emblemático.

“Fernando Magalhães, 476 e 460”

Esses foram os escritos que o médico José Roberto Tisi Ferraz rabiscou no braço de Manoela após ela ter ido ao Hospital Miguel Couto, no Leblon, Rio de Janeiro, com fortes dores. "O médico pegou no meu braço, caminhou comigo no corredor, fez o toque em mim e escutou o neném. Ele disse que o coração estava batendo muito fraco e me deu remédio para a dor. Pensei que fosse me atender, mas ele escreveu aquilo no meu braço”, relatou Manoela para um jornal local. Quando chegou no endereço indicado pelo médico, foi atendida, mas seu bebê já estava morto. O médico alegou que escreveu no braço dela porque não tinha papel, e que já tinha medicado a paciente e a liberado para ir para casa.

Numa sociedade que criminaliza aquelas mulheres que querem decidir sobre seu próprio corpo, e condenam à morte as trabalhadoras e pobres que recorrem à clandestinidade do aborto, nos deparamos também com a impossibilidade de muitas mulheres brasileiras terem o seu direito elementar à maternidade. Dos casos de perseguição dos patrões às mulheres para que não engravidem, até omissão médica no atendimento a gestantes, o Brasil tem sido palco de situações cruéis para as mulheres. E no caso de Manoela, não se trata apenas da omissão de um médico, mas de um sistema de saúde para poucos, um sistema de saúde que é parte de uma sociedade onde a saúde do povo e dos trabalhadores não vale o mesmo que a dos grandes empresários, dos patrões e dos políticos corruptos...

Um bebê assassinado pelo capitalismo

O sistema patriarcal, um dos pilares do capitalismo, nos diz que as mulheres ocupam um posto central no núcleo familiar. Somos nós mulheres as principais responsáveis pela reprodução dos seres humanos, e por isso em tempos antigos fomos consideradas como seres “sagrados”. Hoje, ao contrário disso, o que é sagrado é a necessidade de manter a ordem da sociedade que é dividida em classes e que necessita portanto de uma maneira de organização que permita assegurar a propriedade privada. O casamento como um contrato, a família como forma de enclausurar as mulheres diante das tarefas domésticas, a monogamia obrigatória para as mulheres, a herança para perpetuar o domínio das novas gerações... Tudo está profundamente relacionado com o sistema patriarcal, que ressalta a superioridade dos homens nas relações pessoais, sociais e econômicas.

Como consequência de uma sociedade que naturaliza a mulher apenas como reprodutora e ligada aos afazeres domésticos, cria-se um grupo subordinado socialmente, que está sujeito às piores humilhações e repressões. São as mulheres as que vêem seus corpos serem enxergados como objetos em propagandas abusivas na televisão, ou até mesmo utilizados “como papel” pra escrever o endereço de um hospital, como no caso de Manoela. E por tudo isso, desde criança aprendemos que devemos crescer, estudar, conseguir um marido e por fim chegar ao objetivo único da vida das mulheres: ser mãe. Mas aí o capitalismo apresenta suas contradições... nos dizem para ser mães, mas às mulheres trabalhadoras, pobres e negras não nos dão o direito à maternidade. Manuela não teve esse direito assegurado, se deparou com a omissão de um médico que representa nada mais do que o descaso do sistema público de saúde, e teve seu bebê morto por não ter acesso ao atendimento médico necessário. A morte do bebê de Manoela é subproduto de um sistema onde uma minoria tem acesso à saúde e à educação de qualidade, e onde uma grande maioria segue sucumbindo diante de tanta miséria e opressão. Por isso nós dizemos: o bebê de Manoela foi assassinado pelo capitalismo.

Por que gritar por Manoela?

Hoje gritamos por Manoela para que sejam ouvidos os nomes de todas as mulheres que sofrem com as mazelas desse sistema em que vivemos, onde nossas vidas não valem nada. Seu bebê morreu e as campanhas da Igreja “em defesa da vida” não abriram a boca. Os governos tampouco se preocuparam muito com essa situação. Por isso, acreditamos que seja fundamental que as mulheres se organizem de forma independente, ao lado das organizações políticas da classe trabalhadora, de direitos humanos e estudantis, exigindo a punição de todos os responsáveis pela omissão médica, mas principalmente se organizando na luta por mais verbas para a saúde, contras as fundações, mediante a suspensão do pagamento das dívidas interna e externa e mediante impostos às grandes fortunas, como a dos políticos que vêm fazendo festa no Senado brasileiro. Lutamos pela estatização sem indenização de todos os hospitais, clínicas e laboratórios privados, a serviço dos interesses da população. Por um verdadeiro plano de obras públicas que garanta a construção de hospitais e postos de saúde, num sistema único, gratuito e público financiado pelo Estado e controlado pelos trabalhadores e trabalhadoras. Pela licença maternidade de 1 ano e por creches 24 horas em todos os locais de trabalho, bairros e universidades. Só assim será possível impôr uma saída de fundo, lutando pelo nosso verdadeiro direito à maternidade.

*Diana Assunção é dirigente da LER-QI e trabalhadora da USP. Clarissa Menezes é militante da LER-QI e mestranda da UFRJ. Ambas integram o grupo de mulheres Pão e Rosas.

Um comentário:

Leandro disse...

Olá, sou amigo de algumas meninas da Unesp de Rio Claro e participei da apresentação do grupo Pão e Rosas no IV EBEM. Gostaria de saber sobre as atividades para o dia 18 de agosto: Dia Nacional Unificado de Lutas.

Grato,
Leandro