terça-feira, 29 de outubro de 2013

As mulheres sorridentes e invisíveis



Camila Moraes, estudante de Geografia na USP
 
Na greve de trabalhador@s terceirizad@s em 2011 na USP - em que elas e os estudantes espalharam lixo pelos prédios da Faculdade de Humanas, se manifestando pelos pagamentos de seus salários e direitos - lembro-me de pelo menos uma delas dizendo algo como: 'pela primeira vez havia se sentido visível naquela universidade', pois diariamente, por cerca de 9h por dia, limpam o chão, banheiros, salas e não são notadas por ninguém: estudantes, funcionários, professores... No momento em que passaram a ser sujeitas políticas, em que estavam não limpando, mas sim lutando com centenas de companheiras e estudantes, foram notadas. Sabemos que elas tem toda razão quando dizem isso, as pessoas que frequentam os prédios não sabem seus nomes, não lhes cumprimentam e as veem todos os dias, limpando... 

Em 2005 teve uma greve da empresa Guima na USP, que deu no livro 'A Precarização tem rosto de mulher', os relatos de Silvana, que foi linha de frente dessa greve e hoje é uma valiosa companheira do Pão e Rosas, mostra profundamente essa invisibilidade das trabalhadoras da limpeza, além da orientação dos patrões de não falar com  com as pessoas, sobretudo os estudantes, com a ameaça de serem transferidas.

Estou tendo a experiencia de trabalhar ao lado de algumas trabalhadoras terceirizadas (em cerca de 15, apenas 3 são homens, sendo 2 homossexuais) e vejo como se dá essa relação de inferioridade de forma profunda: entre os efetivos e terceirizados. A jornada de trabalho é intensa, sobretudo para as terceirizadas, que tem uma estação de metro gigante para limpar entre poucas. Toda manhã, bem cedo, tanto elas, como os metroviários, estão tomando café na copa. Há uma divisão nas mesas: de um lado sentam as terceirizadas, do outro os metroviários. Quase ninguém as cumprimenta, nem com um bom dia, quanto mais com um beijo no rosto. Quando fui sentar na mesa com elas, elas ficaram impressionadas, falando como eu era humilde, pois todos ali tinham nariz em pé e nem falavam com elas. Outro dia eu tirei apenas as coisas que estavam em cima da mesa, pois uma jovem terceirizada estava limpando e ela me falou: 'Você é a primeira que me ajuda, acredita?'

Pequenos gestos mostram como elas sentem na pele, todos os dias, o preconceito por serem mulheres, negras, morarem na periferia e trabalharem na limpeza. Pequenos gestos demonstram como a divisão entre os trabalhadores efetivos e terceirizados é brutal e só enfraquece a luta da classe. Os salários e direitos são muito menores (o salario delas deve ser menor que o vale-refeição dos metroviários), a jornada de trabalho é muito  mais intensa, o trabalho é sub-valorizado. 

Historicamente o trabalho de reproduzir a vida nos lares é tido como um trabalho não remunerado e feminino. A mulher Lava, cozinha e limpa para que sua família esteja em condição de no dia seguinte, ter sua rotina, produzir para o patrão ter a riqueza, recebendo em troca um salario que não dá pra nada. E é assim todos os dias, trabalha o dia inteiro na rua (muitas vezes limpando) e chega em casa e ainda trabalha mais, é a dupla jornada de trabalho que tira o descanso de milhões de mulheres todos os dias.

 O serviço de limpeza foi introduzido no mercado de trabalho primeiro com as empregadas domésticas (não preciso dizer que todas são mulheres, muitas negras) ganhando salários miseráveis, sem direitos, lembrando bastante a escravidão... Em larga escala, a limpeza foi introduzida nas Instituições Públicas e empresas com a terceirização do trabalho, fazendo uma divisão brutal na classe trabalhadora.

Esses 'pequenos gestos' de minhas colegas de trabalho demonstram a importância da defesa dos trabalhadores precários pelos efetivos. Não haverá efetivação dos terceirizados sem uma intransigente defesa desta pauta pelos efetivos. Sindicatos como o SINTUSP (Trabalhadores da USP) são um exemplo de como se deve colocar essa defesa tanto em debate entre a base da categoria, tanto na luta quando estes se levantam pelos seus direitos. Um dos diretores sindicais, Claudionor Brandão foi demitido por defender os terceirizados em 2008, a atual diretoria quase toda (se não toda) tem processos administrativos pela mesma causa. 

Essa punição exemplar para os diretores do SINTUSP demonstra como a unidade entre efetivos e terceirizados é uma afronta aos planos dos governos e patrões, que seguem aprofundando a precarização do trabalho, rebaixando os salários utilizando o grande contingente de desempregados e  setores oprimidos que não se veem com outra alternativa que não aceitar os piores postos de trabalho (negros, mulheres, homossexuais, imigrantes...).

Enfim, defender incondicionalmente os trabalhadores mais precarizados, os que hoje mais sofrem com os ataques aos nossos direitos em tempos de crise econômica mundial, é defender os setores mais oprimidos da sociedade, é pensar estrategicamente o acirramento da luta de classes no Brasil. Sabemos que apenas com a força dos próprios trabalhadores arrancaremos nossos direitos, que nada dos que nos é 'concedido' é por bondade dos patrões e governo. Nos dividir entre mulheres e homens, homossexuais e héteros, efetivos e terceirizados, negros e brancos é parte do ataque a nossa organização enquanto classe para não avançarmos na unidade das fileiras operárias.

Dedico estas poucas palavras à estas mulheres, negras, trabalhadoras e lutadoras, que mesmo com todo o sofrimento que o machismo, o racismo e o capitalismo impõem diariamente, são as mais sorridentes entre meus colegas de trabalho. Dedico a Ana, que um dia me viu colando um boletim do Pão e Rosas no mural e perguntou sobre as reuniões do grupo de mulheres - muito interessada - mas falou que depois de trabalhar no metrô, ainda trabalha limpando uma casa todo dia, e ai não tem tempo para participar (pois certamente, ao chegar em casa, tem a tripla jornada de trabalho). 

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