quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Duas mulheres candidatas mas a legalização do direito ao aborto fica relegada

Rita Frau

Os principais candidatos à presidência – Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) – já demostraram que não vão mexer uma vírgula na legislação que existe em relação ao tema do aborto. Uma lei de 1940 que permite o aborto legal apenas em casos de estupro, risco de morte e fetos anencéfalos.

O Sistema Único de Saúde (SUS), público e gratuito, registrou 1.542 abortamentos previstos em lei. Contudo, calcula-se que sejam realizados 1 milhão de abortos por ano, sem poder mensurar o número de abortos clandestinos. Estima-se que 250 mil mulheres recorram ao SUS para executar curetagem pós-aborto e outras 10 mil perdem a vida vítimas de septicemia ou de hemorragias.

Aécio Neves, como representante das alas mais conservadoras obviamente é contra a legalização do direito ao aborto e Marina se pronunciaram contrários ao direito ao aborto, o que não era de se espantar. Em 2010 Marina propunha um plebiscito para que a sociedade decidisse. Agora diz que “pessoalmente é contra” mas "esse debate precisa ser feito com muito cuidado e responsabilidade; ele envolve questões filosóficas, éticas, morais e espirituais", reafirmando que deve ser sucedido por um plebiscito.

A candidata Dilma tenta se esquivar deste tema mantendo o acordo firmado em 2010 com os setores evangélicos mediante a “Carta ao Povo de Deus”, na qual se eximia de qualquer iniciativa política e deixava para o Congresso Nacional tratar de temas com “valores éticos e fundamentais, muitas vezes contraditórios, como o aborto”.

Em agosto do ano passado a presidenta Dilma sancionou projeto aprovado pelo Senado que regulamentava o atendimento na rede pública de saúde para as vítimas de violência sexual. Cedendo à pressão da bancada parlamentar evangélica, que exigia obediência à “Carta”, a presidenta voltou atrás e vetou o projeto, inclusive o direito ao uso da pílula do dia seguinte.

Em maio deste ano foi editada uma portaria que alocava verbas para a realização de aborto no SUS nos três casos já previstos em lei. Mais uma vez a presidenta Dilma acatou o veto dos religiosos que viam na medida a “legalização do aborto” no país e ordenou ao Ministério da Saúde que revogasse a portaria.

A própria ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, admite que o aborto está entre as cinco principais causas de morte de mulheres.

Com tantos recuos e retrocessos em questões de direito democráticos das mulheres, submetendo-se aos setores mais reacionários do país, fica muito difícil encontrar algo de “progressista” ou de “esquerda” nesses 12 anos de governos do PT.

Em debate com bispos católicos os três candidatos foram preservados

Na terça-feira, dia 16/09, ocorreu o debate da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) com oito candidatos a presidente. Desde as vésperas a expectativa era de que a discussão sobre o aborto marcaria o debate e a pressão da cúpula católica. O que se viu no debate foi a Igreja Católica poupando os principais candidatos, direcionando a pergunta sobre a legalização do direito ao aborto ao inexpressivo candidato Eduardo Jorge (PV) que já havia defendido este direito em outro debate televisivo.

A calmaria do debate em torno deste tema comprova que a cúpula da Igreja Católica, ao contrário dos pastores evangélicos, tem confiança de que com qualquer dos três candidatos esse direito democrático das mulheres não será atendido, de acordo com os “valores” religiosos católicos e evangélicos.

Faz falta uma “Lei Jandira”

Ao mesmo tempo em que mais uma vez este direito é tratado no debate eleitoral como um atentado à vida e à família, ocorre o emblemático caso de Jandira Magdalena. Jovem trabalhadora de 27 anos, mãe de duas filhas, estava grávida de quatro meses e por falta de condições de vida e medo de perder o emprego optou por um aborto clandestino, ao custo de R$ 4,5 mil. Entregue às péssimas condições de uma clínica clandestina já denunciada várias vezes, desapareceu e até hoje a polícia não desvendou o caso, mesmo com a prisão de um ex-policial e uma enfermeira identificados como os “donos da clínica”.

Mais uma vez uma eleição com duas mulheres como favoritas mostra que não basta ser mulher para defender os direitos democráticos de gênero. Em um debate eleitoral que todos se esquivam das questões democráticas só existe uma solução efetiva para evitar a quantidade de mulheres mortas ou sequeladas por recorrer ao aborto clandestino e inseguro: a legalização do direito ao aborto. No caso do Brasil é uma necessidade urgente e que não pode ser relegada pelos interesses políticos dos partidos e pelos “valores” religiosos, num Estado que se diz laico.

Já passou da hora de garantir uma “lei Jandira”, como propõe Flávia Oliveira, colunista de O Globo.


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