Por Diana Assunção, diretora do Sintusp e militante do grupo de mulheres Pão e Rosas
Iniciada em 10 de
junho a greve das trabalhadoras terceirizadas da empresa Higilimp, na
Universidade de São Paulo, conquistou o pagamento dos salários da grande
maioria das trabalhadoras e trabalhadores, bem como dos seus direitos
trabalhistas. Foi uma greve que se inseriu nas lutas dos últimos anos contra a
precarização do trabalho e pelos direitos das mulheres trabalhadoras. Neste
artigo apresentaremos algumas conclusões desta luta para fortalecer a batalha
estratégica pela efetivação de todos os terceirizados sem necessidade de
concurso público ou processo seletivo bem como o fim das condições precárias de
trabalho.
“Tem dinheiro pro
empresário, mas não paga meu salário!”
A greve começou com a organização das trabalhadoras terceirizadas da Higilimp na Faculdade de Medicina Veterinária da USP. Os “boatos” de que haveria greve já estavam rolando desde cedo. Elas sabiam que não começavam do zero, e foi justamente uma das trabalhadoras que já havia protagonizado a greve de 30 dias da União, em 2011, que procurou o Sindicato dos Trabalhadores da USP.
As palavras de ordem já mostravam o contorno de classe da manifestação. “Tem dinheiro pro empresário, mas não paga meu salário!” gritavam as trabalhadoras da Higilimp, com energia pra enfrentar este desmando patronal. Como viemos denunciando há anos, as empresas terceirizadas são pequenas máfias que de tempos em tempos atrasam o salário dos trabalhadores e simplesmente “desaparecem”. A Reitoria da USP, verdadeira responsável pelo trabalho terceirizado, junto com o governo do Estado dirigido pelo PSDB de Geraldo Alckmin, sempre “lava as mãos” e coloca representantes “bonzinhos” para fazer parecer que estão ao lado das trabalhadoras contra a “empresa corrupta”. Uma hipocrisia.
Para tudo isso contam com os burocratas sindicais do Siemaco, que a todo o momento querem impedir a luta e organização das trabalhadoras, “controlando” por cima as migalhas e humilhações da patronal, fazendo parecer que trata-se de um estado de coisas imutável. Mas as trabalhadoras mostraram que não é bem assim.
A revolta também tem rosto de mulher: retomando os métodos da classe operária
Em 2011 publicamos o livro “A precarização tem rosto de mulher” para dar ênfase ao amplo contingente feminino no país ocupando os piores postos de trabalho. As lutas que vem ocorrendo de lá pra cá – inclusive internacionalmente como efeito da crise capitalista – nos fazem dizer que a revolta também tem rosto de mulher. O trabalho precário é explosivo, porque as condições são extenuantes, não há “nada a perder”.
Mais uma vez na USP, agora com a greve da Higilimp, as mulheres estiveram na linha de frente. Ouvíamos trabalhadoras de mais de 40 anos com certa intimidade no carro de som, depois nos diziam “Nunca peguei num microfone”. São mulheres proletárias, negras, homossexuais, que faziam pela primeira vez uma greve. Mas também justamente por isso parecia muito fácil aprender a fazer uma greve: “Se não me pagar, a USP vai parar!”.
Mas foi de ousadia tremenda ver que as trabalhadoras não se contentaram com a greve ou com as palavras de ordem no carro de som. Era necessário atacar o coração daquela universidade de excelência e por isso nada mais justo do que um piquete de trabalhadoras terceirizadas na Reitoria da USP durante 5 dias. São os métodos da classe operária sendo retomados pelos setores mais superexplorados dos trabalhadores, em sua maioria mulheres.
Varrer a burocracia sindical, não vão tirar as nossas forças!
Mais uma vez a radicalidade e explosividade da luta dos precários teve que se enfrentar diretamente com o que pode-se chamar na linguagem marxista de “polícia do movimento operário”. Estamos falando da “burocracia sindical”, ou seja, aqueles sindicatos que, ao contrário de defender os trabalhadores, defende os patrões. Para isso tentam, ao máximo, desmoralizar os trabalhadores, fazê-los acreditar que não devem se organizar para conquistar suas reivindicações através da luta de classes. Disseminam a confiança de que as trabalhadoras busquem suas reivindicações apenas através da justiça burguesa e, por esta via alimentando a passividade dos trabalhadores e ao mesmo tempo assegurando a “paz social” tão necessária à preservação da “ordem social” que mantém intactos os lucros e negociatas patronais e do próprio governo.
As trabalhadoras da Higilimp tiveram que enfrentar a chantagem da burocracia, que a todo momento lançava confusões e buscava dividir as trabalhadoras, atacando os sindicatos combativos como o Sintusp para não perder o controle e cumprir seu papel de “mediador” nos conflitos de classe. Nesta situação, apesar de toda a combatividade e claras manifestações do ódio de classe e do rechaço à burocracia sindical que as trabalhadoras demonstraram espontaneamente, cobrou seu preço o avanço ainda insuficiente do nível de auto-organização das trabalhadoras, que se nos métodos radicalizados expressavam um importante avanço na consciência, a falta de assembleias mais sistemáticas, comissões votadas pelas trabalhadoras, que elas tomassem todas as decisões de forma coletiva, foi um limite deste processo que deve ser tomado como lição para avançar nas próximas lutas.
Fica claro, mais uma vez, que o levante dos trabalhadores precários no Brasil não se dará por fora de um embate frontal com esta burocracia seja governista ou da direita que atua para amortecer os ânimos da classe que tudo produz. Mas as manifestações que marcavam o Brasil, que também influenciavam as trabalhadoras a gritar contra o “aumento do busão!”, apontam o início de um processo que pode questionar profundamente a contenção que o governo do PT e sua burocracia sindical tem significado para os trabalhadores.
Um Sindicato para fazer a diferença na luta de classes
Já há vários anos o Sintusp vem fazendo parte da luta dos trabalhadores precários. Não somente porque isto já é parte de nosso Estatuto considerando que todos os trabalhadores não-efetivos da USP também são base de nosso Sindicato e defendendo sua incorporação ao quadro efetivo sem necessidade de concurso público sendo vanguarda da luta contra a precarização no Brasil; mas também porque as várias lutas que viemos participando e apoiando criaram uma “memória viva de lutas” na região da Zona Oeste de São Paulo.
Muitas trabalhadoras e trabalhadores alternam seus empregos entre os postos terceirizados da USP e as fábricas da região. Muitos moram na São Remo, ou nos bairros do Rio Pequeno, Jaguaré, entre outros. Muitos já viveram ou já viram uma greve. Já viram ocupações de Reitoria pelos estudantes, já viram os piquetes dos trabalhadores da USP. É uma memória viva, que cria um pano de fundo combativo e classista, que criam melhores condições para que os trabalhadores terceirizados possam levar à frente lutas como a da Higilimp que chegaram a impor à patronal e à Reitoria a conquista de suas principais reivindicações, diferentemente de outros locais em que apesar de estourarem infelizmente não partem das mesmas condições que foram se forjando ao longo de anos.
Durante a greve, por exemplo, tivemos informações de que as trabalhadoras da Higilimp no Metrô também se levantaram e foram até o escritório da empresa para “quebrar tudo”, o que, se por um lado é uma mostra da enorme explosividade que a precarização produz entre estas trabalhadoras, por outro mostra a diferença de que na USP esta luta não parta do zero, mas possam se apoiar nesta memória viva e de ter ao seu lado um sindicato combativo e classista como o Sintusp e aliados da juventude e intelectuais. Isso se expressa em que apesar da “explosividade” que ocorre todos os dias entre as trabalhadoras das empresas terceirizadas, nos canteiros de obras e locais de trabalho muitas destas lutas não chegam a ter a mesma transcendência.
Na
greve da Higilimp, isso se expressou tanto na divulgação feita pela própria
imprensa que noticiou em vários jornais, quanto no seu resultado em que as
trabalhadoras da Higilimp conquistaram praticamente o conjunto de suas
reivindicações sem o desconto dos dias paralisados e demissões em massa. Isso
tudo cria um ponto de apoio que permite os trabalhadores terceirizados,
obrigados a olhar apenas pro chão, a enxergar um horizonte: a luta organizada
dos trabalhadores contra esta miséria que é o capitalismo.
Uma estratégia para vencer
Nós da LER-QI viemos buscando contribuir cada vez mais para que as lutas não comecem do zero. A publicação da 2ª edição do livro “A precarização tem rosto de mulher” neste ano é parte desta proposta, de manter uma continuidade na luta contra a precarização do trabalho e na organização das mulheres trabalhadoras. Foi emocionante, nos dias de piquete, com muito cansaço, ver rodas de trabalhadoras lendo a sua própria história – o prólogo de nossa publicação. Silvana, Glória, Conceição, Ana, Tatiana, Nice, tantas mulheres que estiveram na linha de frente. Serão muito mais.
Neste sentido, queremos continuar debatendo com o conjunto dos trabalhadores, em especial com aqueles companheiros que sempre estiveram na linha de frente das greves, compondo os piquetes, os comandos de mobilização e de greve, queremos continuar discutindo com os companheiros do Conselho Diretor de Base e com o conjunto da Diretoria do Sindicato da qual também somos parte como minoria, a necessidade de avançarmos para uma estratégia para vencer pra além das reivindicações de cada luta. Se como revolucionários devemos estar na linha de frente da luta para arrancar cada direito dos trabalhadores, como os salários, devemos também contribuir para levar esta luta até o questionamento da Reitoria e do governo, exigindo a efetivação dos terceirizados como parte da luta contra a exploração capitalista. Para isto é fundamental que ao mesmo tempo que nos colocamos com tudo na luta com os terceirizados contribuamos com nossa experiência sindical para que eles tomem as suas próprias decisões, se organizem enquanto classe ao nosso lado. É preciso também ter uma política para trazer os trabalhadores efetivos: uma só classe, uma só luta.
Uma estratégia para vencer exige a unificação da nossa classe em torno de um programa independente que, para nós deve partir de exigir a efetivação de todos os trabalhadores precários e terceirizados com iguais direitos e iguais salários e sem necessidade de concurso no caso dos serviços públicos. Para isso propomos também que nosso Sindicato retome o debate na CSP-CONLUTAS, em torno desses pontos para um programa de ação contra a terceirização e a precarização do trabalho e contra o corporativismo, pela unidade das fileiras da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, uma estratégia para vencer exige uma forte aliança com outros setores, como no caso da USP são os estudantes.
Já nada é como antes: avançar na organização permanente dos terceirizados
Esta greve explodiu na mesma semana em que a luta da juventude contra o aumento do transporte desencadeou um processo de massas no país inteiro. Definitivamente nada será como antes. Se a classe operária ainda não entrou neste processo enquanto classe organizada – o gigante ainda não levantou por completo! – esta mesma classe assistiu a manifestações não vistas há décadas no Brasil.
O descontentamento operário e popular, as péssimas condições dos sistemas públicos, a corja de corruptos se utilizando do dinheiro público sob o suor e sangue dos explorados, o significativo aumento de greves reivindicativas, são todos elementos que começam a delinear a possibilidade de uma entrada em cena da classe operária. Esta entrada não se dará por fora de choques com a burocracia sindical, retomando os sindicatos como ferramentas de luta da classe operária e colocando de pé comissões por local de trabalho para incluir ampla massa dos trabalhadores que não estão representados pelos sindicatos oficiais.
Esta entrada em cena deverá se dar em exigência às centrais sindicais governistas, para que rompam com o governo, ao mesmo tempo que lutamos pela mais ampla independência dos sindicatos em relação ao Estado e à burguesia. Lutamos também pela maior democracia operária, para que os trabalhadores nos sindicatos e em suas comissões vivam uma verdadeira “escola de comunismo”, ou seja, como passar das decisões individuais pras decisões coletivas. Assim somos mais fortes como classe.
A experiência que viemos adquirindo nos últimos anos na USP e certamente em centenas de locais que sequer conhecemos, as lutas incendiárias dos operários da construção civil no Norte e Nordeste do país, o aumento das greves na indústria; são todos indícios que apontam a tendência de que, aqueles que mais sofrem com o velho, serão os que vão lutar com mais energia pelo novo. Apostamos que a classe superexplorada de nosso país será um batalhão que vai emergir deste Brasil profundo – racista, homofóbico, policialesco, assassino de indígenas – para desmistificar, de uma vez por todas, a ideia do “Brasil potência”.
A mudança na realidade nacional nos coloca a necessidade de aproveitar com força a entrada da juventude como “caixa de ressonância” dos sentimentos das massas, antecipando movimentações de classe, para que deste processo surjam centenas e milhares de jovens aliados à classe operária na luta contra a exploração capitalista. Ao mesmo tempo, coloca-se a necessidade imperiosa de organização permanente dos trabalhadores terceirizados junto aos sindicatos combativos, com apoio dos estudantes e intelectuais. Esta luta está colocada. Nos preparemos para os próximos enfrentamentos de classe não permitindo que a burguesia nos divida. Pela unidade dos trabalhadores! Igual trabalho, igual salário! Pelos direitos da mulher trabalhadora! Efetivação de todos os terceirizados sem necessidade de concurso público! Basta de escravidão capitalista!
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