Reproduzimos artigo publica no site www.ler-qi.org. Por Diana Assunção, dirigente da LER-QI e da Secretaria de Mulheres do SINTUSP e Flávia Valle, dirigente da LER-QI e impulsionadora do Pão e Rosas Minas Gerais.
O segundo turno do processo eleitoral para a presidência no Brasil está fortemente marcado pelo debate em relação ao aborto. Dilma Rousseff e José Serra alinham-se aos setores mais reacionários para tentar conquistar votos cristãos. A busca de votos tentando responder a preceitos religiosos apenas ajuda a consolidar ainda mais as forças da Igreja no Brasil, em especial a Igreja Católica, que historicamente coloca-se contra os direitos das mulheres.
O atual debate foi aberto com a campanha reacionária de Marina Silva, que se utilizou de seu posicionamento contra o direito ao aborto angariando votos cristãos e evangélicos. Marina Silva faz parte do PV, que abrigou deputados como Luiz Bassuma, autor do Estatuto do Nascituro, o vulgo “Bolsa Estupro”, projeto de lei que concede direitos ao óvulo assim que fecundado, diante do qual estaria proibida, inclusive, a ingestão da “pílula do dia seguinte”. É a esses setores que Dilma agora deixa firmado seu compromisso, com todos os setores mais retrógrados, em relação aos direitos das mulheres em sua “Mensagem de Dilma”, publicada em 15/10/10, na qual se diz contra o aborto, que manterá a atual legislação sobre o tema e que não mexerá em aspectos que toquem a atual família, ou seja, também será contra mudanças em relação a direitos homossexuais. Dilma esconde que no Brasil de Lula mais de 1 milhão de mulheres recorrem ao aborto, a maioria deles feitos de forma completamente insegura. Não por menos, o aborto é a primeira causa de mortalidade materna na Bahia e em Pernambuco, são centenas as mulheres que morrem por conseqüência de abortos clandestinos, sendo que, no mundo, 1 mulher recorre ao aborto a cada 33 segundos e que a prática do aborto inseguro e ilegal no Brasil mata uma brasileira a cada dois dias.
No entanto, estas estatísticas estão por fora do debate dos presidenciáveis e ainda mais por fora da pregação de líderes religiosos. A Igreja católica ganhou espaço com o acordo Brasil-Vaticano no momento em que Dilma e Lula supostamente tratavam o aborto como questão de saúde pública e que precisaria ser descriminalizado, fortalecendo setores reacionários, impedindo, de fundo, qualquer tipo de avanço rumo a legalização do aborto. Este atual debate já esteve desenhado quando da publicação do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH- 3), no qual estava presente, entre outros temas, a descriminalização do aborto e o casamento e adoção por homossexuais. O PT lançou tal programa que contempla setores minoritários dentro de seu partido mas não passou de pura demagogia! Lula retirou todas as passagens do PNDH-3 que poderiam vir a ser progressistas (pois se tratavam apenas de apoios à projetos de Lei) e agora nessas eleições, após a inesperada proeminência de Marina, as Igrejas e setores reacionários (com a indispensável contribuição da mídia burguesa) estão numa escalada ofensiva para avançar ainda mais sobre os corpos das mulheres e homossexuais, e no atrelamento do Estado à Igreja.
A atual campanha impulsionada pelas Igrejas, pela mídia burguesa e por parlamentares fundamentalistas, de disseminação do “medo” de falar sobre direitos humanos democráticos, como o direito ao aborto, serve para que a Igreja imponha sua posição e seu projeto diante das massas e setores das classes médias após tamanha deslegitimação da instituição com as denúncias nacionais e internacionais de milhares de casos de pedofilia. Porém, essa campanha que tenta envolver Dilma como representante de setores próaborto é falsa, já que no governo Lula a Igreja avançou em seu atrelamento com o Estado, diminuindo (e não aumentando) os questionamentos sobre a criminalização do aborto. Não se pode deixar de lado que o aumento da bancada religiosa no parlamento, que hoje somam 63 deputados e 3 senadores, vai querer abrir maiores espaços para aprovação do Estatuto do Nascituro, que é a materialização em projeto de lei da carnificina contra as mulheres, em nome da “vida”. Como bem diz Lula, nunca as Igrejas tiveram tanta liberdade de expressão como em seu governo!
A maior hipocrisia de toda esta situação é que a Igreja Católica e diversos setores religiosos que dizem defender a vida e fazem um escândalo nacional para atacar os direitos das mulheres nada falaram sobre os revoltantes casos de pedofilia de padres e bispos contra crianças e adolescentes. Não podemos permitir que enquanto mulheres são perseguidas no Mato Grosso do Sul por terem sido obrigadas a recorrer a um aborto clandestino, um número desconhecido de padres e bispos pedófilos permaneçam na impunidade.
Mais do que nunca, não podemos deixar que a vida e a saúde das mulheres continuem sendo pautadas pelos setores mais reacionários e retrógrados em relação a nossos direitos. A luta das mulheres tem que ser feita a partir da luta de milhares e milhões de vítimas, que sofrem por abortos clandestinos, muitas vezes pagando com a própria vida!
Organizar um plano de luta e construir um grande ato pelo direito ao aborto!
É neste sentido que queremos discutir com a Frente pela Legalização do Aborto, composta por centenas de entidades e organizações de mulheres, entre estas, as com-panheiras da Marcha Mundial de Mulheres, dirigida também por importantes feministas petistas. Esta Frente, no último 28 de setembro, lançou uma plataforma pela descriminalização e legalização do aborto, ato no qual estivemos presentes colocando que somente a mobilização de milhares de mulheres, trabalhadoras e trabalhadores, estudantes e jovens poderia arrancar nosso direito e, portanto não poderíamos confiar que o governo iria nos conceder a legalização do aborto. Muitas das mulheres ligadas ao PT que estavam presentes não gostaram de ouvir essa manifestação de nossa parte, mas diante da demonstração mais do que concreta que ocorre hoje com essa verdadeira guerra eleitoral utilizando aborto e religião, voltamos a insistir com todos os setores que compõe a Frente da necessidade de construirmos um grande ato pelo direito ao aborto.
Consideramos que a plataforma proposta pela Frente tem que se transformar num plano de luta concreto pra arrancarmos estes direitos, combinando políticas parlamentares com ações de ruas, panfletagens, organização por locais de trabalho e estudo, já que a mais ampla mobilização se torna ainda mais importante neste momento. Uma postura decidida da CSPConlutas e do Mulheres em Luta (dirigido majoritariamente pelo PSTU) pelo direito ao aborto é fundamental, uma vez que os sindicatos dirigidos pela esquerda e as mulheres trabalhadoras tem especial papel a cumprir nesta luta, podendo ser o setor a apontar uma luta com independência política da Igreja e do Estado para arrancar nossos direitos.
Separação da Igreja e do Estado!
Educação sexual para decidir. Contraceptivos para não engravidar. Aborto legal, livre, seguro e gratuito para não morrer!
Direito ao casamentos e adoção homossexuais!
Revogação imediata do acordo Brasil-Vaticano!
Construir já um grande ato pelo direito ao aborto!
O PT e o completo abandono na luta pelos direitos das mulheres
Historicamente o PT esteve marcado pela defesa dos direitos das mulheres, em especial a partir de setores feministas que pautavam estas demandas. Queremos resgatar como a luta por estes direitos deve ser parte de uma estratégia revolucionária, onde a classe trabalhadora se posicione como “tribuno” de todos os setores oprimidos, buscando ser parte de grandes lutas pelos direitos democráticos mas vinculando-os à estratégia da revolução socialista, condição necessária para uma verdadeira emancipação dos oprimidos.
É importante resgatar um momento histórico que dividiu águas no regime do Brasil: o processo constituinte na década de 80. Neste momento o PT tinha uma “agenda” feminista que girava em torno da luta geral contra a discriminação, o direito à livre orientação sexual, a descriminalização e legalização do aborto. Porém, como retrata um de seus quadros feministas, a luta contra a opressão às mulheres, dentro do PT, sofreu grandes pressões religiosas no marco da estratégia de transição pactuada impulsionada por este partido na transição da ditadura para a democracia. Na própria constituinte, sob pressão dos setores da Igreja católica, a direção do PT abriu mão dos direitos das mulheres para aprovar apenas a proposta da descriminalização do aborto e seu atendimento na rede pública de saúde. Como retrata esse mesmo quadro do feminismo petista: “As concessões a esses setores (da hierarquia da Igreja) foram feitos abrindo mão da unidade de encaminhamento (na Constituinte). Apenas nesse item, relativo ao aborto, aqueles deputados federais da bancada petista que se sentiam constrangidos, por suas relações religiosas, de votar a proposta do partido podiam abster-se, mas não se confrontar com a posição do partido votando contrariamente.” [1]
É a mesma estratégia parlamentar e de incorporação no Estado burguês moldada na transição pactuada no Brasil a que aparece hoje no governo do PT. A Frente, composta também pelo PSOL, denuncia “o patriarcado por meio de seus representantes na classe política conservadora” mas não entram na discussão central de que a sede de votos para o comando da presidência da república faz com que os direitos das mulheres e dos trabalhadores tenham que ser jogados fora para manter os acordos e privilégios de setores burgueses e da própria Igreja Católica no Estado, como faz não apenas Serra, mas também Dilma Roussef, candidata defendida por amplos setores do feminismo brasileiro mas que estas mesmas preferem se calar sobre a questão (e ainda contam com o apoio de setores antigo- vernistas como PSOL para essa estratégia).
O PT expressa hoje um abandono das bandeiras das mulheres porque a luta por estes direitos não esteve à margem de todo o processo que se inicia desde a traição das greves operárias nas décadas de 1970 e 1980, a transição pactuada para o regime democrático burguês e os 8 anos de governo Lula onde privilegiou a Igreja, os latifundiários e a burguesia. Neste sentido, podemos dizer que se hoje ainda há setores dentro do PT que lutam por este direito, inclusive com o lema “Continuaremos marchando, até todas sermos livres”, esta luta expressa limites importantes do ponto de vista da estratégia, já que ainda que conquistemos direitos democráticos importantes, como parte de grandes frentes-únicas, a verdadeira emancipação das mulheres só poderá se dar no marco de uma revolução socialista, que dê o ponta pé inicial para sentar as bases de uma nova sociedade e as condições para extirpar a opressão da sociedade. Ainda assim, nem mesmo para lutar pelos direitos democráticos estes setores atrelados ao governo têm se mostrado à altura, já que a Frente Pela Legalização do Aborto reúne mais de 200 assinaturas de diversas entidades e não consegue levar para as ruas mais de 80 mulheres e homens. Nós seguimos levantando as bandeiras democráticas e buscando a mais ampla frente-única para arrancá-las, como parte de uma estratégia de combate à sociedade capitalista.
[1] “O PT e o Feminismo”, artigo de Tatau Godinho, no livro “Mulher e Política, gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores”.
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