Publicamos abaixo entrevista com Clarissa Menezes, mestranda em Saúde Coletiva na UFRJ, militante da LER-QI e integrante do grupo de mulheres Pão e Rosas que faz o chamado a uma a campanha contra a violência às mulheres, publicada na ùltima edição do Jornal Palavra Operária.
Jornal Palavra Operária: Completou-se 4 anos do surgimento da Lei Maria da Penha. Mas concomitantemente aos assassinatos de duas mulheres, que tomaram a atenção na mídia, sendo que uma delas teve a assistência negada pelo própria Lei Maria da Penha. Comente-nos sobre isso.
Clarissa Menezes: A existência da Lei Maria da Penha é parte de um reconhecimento da magnitude da violência que sofrem as mulheres pelo Estado. Mas não aponta, e nem poderia, para uma superação do problema, pois tal como vimos, mesmo reivindicando a Lei, o curso da violência contra as mulheres, que leva milhares à morte por ano, infelizmente continua. Foi assim com a Maria Islaine, aquela cabeleleira de Minas Gerais, morta a tiros pelo ex-marido, após ter feito diversas denuncias contra ele. Foi assim com Eliza Samudio, vítima de um brutal assassinato, mesmo após ter recorrido à uma delegacia de atendimento à mulher (DEAM) e feito uma denúncia contra Bruno. Os incessantes assassinatos de mulheres são a última e a mais extrema expressão de uma série de violência que mulheres sofrem todos os dias. São estupros, abusos, maus-tratos, espancamentos, chutes nas barrigas das grávidas, assédio moral, sexual e a dupla jornada. É o desprezo, a humilhação, a discriminação e a agressão contra as mulheres trabalhadoras, pobres, negras, lésbicas. Isso tudo são violências muito mais habituais do que podemos pensar e, na maioria dos casos, são fatos silenciados.
JPO: No debate eleitoral Dilma e Marina vem tecendo um discurso para ganhar votos de mulheres. Isso significa que uma mulher no poder mudaria a condição de extrema violência que as mulheres vivem no país, assim como a luta pelos direitos das mulheres?
CM: De jeito nenhum! No Brasil, para além dos casos recentemente veiculados com preponderância pela mídia, a cada 15 segundos uma mulher é vítima de violência , uma mulher é morta a cada duas horas. É esse o Brasil de Lula, e que nem Dilma, nem Marina, nem Serra, podem ou querem mudar. O fato é que as medidas sugeridas como “solução” a essa violência às mulheres não têm dado em nada, porque não apontam o problema de fundo: a opressão da mulher. E essa opressão, para os marxistas, tem sua base histórica no surgimento da propriedade privada, que é defendida pela classe dominante por meio do monopólio da violência do Estado contra homens e mulheres exploradas, que condenou às mulheres a serem um grupo socialmente subordinado e oprimido dentro das famílias e na sociedade de classe.
Diante desse cenário de eleições, muitas propostas para a classe trabalhadora são feitas em abstrato, “mais emprego”, “mais moradia”, “mais segurança”, leia-se repressão policial. A Dilma, que tem nas mulheres seu ponto fraco em intenções de voto em relação à Serra, tem prometido creches e feito sempre um apelo para os professores, categoria composta por maioria feminina. Mas se as demandas das mulheres são tão importantes para os petistas, porque em 8 anos Lula não expandiu consideravelmente a oferta de creches públicas, não legalizou o aborto, não criou restaurantes e lavanderias públicas para amenizar a carga do trabalho doméstico das mulheres? Porque não acabou com a diferença salarial entre homens e mulheres? Porque assinou um acordo com o Vaticano que lhe dá benefícios fiscais e direito de ensinar nas escolas públicas? É porque governam para a burguesia, e as conquistas das mulheres somente podemos arrancar lutando e nos organizando de forma independente dos governos, patrões, da Igreja,da polícia e de todos setores burgueses.
JPO: As candidatas à presidência tentam tratar dos direitos às mulheres mas evitam falar sobre temas polêmicos...
CM: Sim, há diversos temas que aprofundam a opressão à mulher que simplesmente não se fala em campanha eleitoral! A Marina, assim como sua amiga Heloísa Helena, diz aos quatros ventos que é “pessoalmente” contra o direito ao aborto, por suas convicções religiosas. Seguindo a demagogia de Lula, a candidata petista diz que o aborto é “uma questão de saúde pública”, mas nem Lula em 8 anos legalizou o aborto, e Dilma, assim que pressionada sobre a questão, deixou claro que respeita o código penal brasileiro, que prevê o direito ao aborto apenas em casos de estupro e risco à vida da mãe. Isso demonstra que sobre nossas vidas, sobre nosso direito de decidir, se impõem por um lado as convicções religiosas, e por outro as alianças eleitorais e de governo com setores da Igreja. Mas não podemos ignorar o fato de que milhares de mulheres morrem por conseqüência de abortos clandestinos, e que a proibição do aborto e seu não oferecimento na rede pública é uma violência do Estado contra as mulheres. Os governos, ao seguirem sem legalizar o aborto o tornando livre, seguro e gratuito reafirmam a conivência como mais uma forma brutal de violência contra as mulheres.
A proibição de direitos elementares que nos condenam a situações de inferioridade em relação aos homens, a dupla jornada de trabalho, a falta de oportunidades para a educação e o trabalho, recebemos menores salários para os mesmos trabalhos realizados por homens. A escravidão das trabalhadoras imigrantes em fábricas clandestinas, principalmente nossas irmãs bolivianas nas fábricas têxteis em São Paulo, de crianças, mulheres e homens no norte e nordeste do país. A terceirização que nos divide entre trabalhadores de primeira e segunda; o seqüestro de crianças e jovens para as redes de tráfico e prostituição. As tropas brasileiras enviadas por Lula ao Haiti, que matam e estupram as mulheres. Esses temas são debatidos nessas eleições? Não.
JPO: E qual papel cumprem organizações de mulheres que se colocaram ao lado do governo Lula e agora de Dilma, como a Marcha Mundial de Mulheres?
CM: Elas entram numa corrida para fazer campanha velada para a Dilma e contribuem para disseminar a falsa idéia de que “mulheres no poder” podem mudar a realidade de milhões de mulheres submetidas às piores condições de vida. Devemos, ao contrário, nos preparar para lutar, mulheres e homens da classe trabalhadora, junto à juventude e aos setores oprimidos da sociedade. Vendo o último boletim da organização que integra a Marcha Mundial das Mulheres no Brasil, há um destaque para a questão das creches, que já comentei, mas não ao fato de que o governo Lula que, além de abrir mais espaço para a Igreja do que para as mulheres, manteve 84,5% das crianças brasileiras fora das creches. Nossa luta por creches não é parte do cinismo eleitoral mas sim parte de uma dura luta pelo fim da dupla jornada de trabalho a que são submetidas as mulheres trabalhadoras, e sabemos que esta, assim como o direito ao aborto e o real combate à violência às mulheres não se dará tentando cavar espaços nos planos de governos burgueses. Numa real campanha contra a violência às mulheres seria muito mais importante que a MMM chamasse comitês pelo direito ao aborto livre, legal, seguro e gratuito para que milhares de mulheres deixem de morrer, a defesa do direito de greve para que as lutadoras não deixem suas famílias passarem fome e a criação de comissões de investigação independente composta por organizações de trabalhadores, estudantis, direitos humanos, mulheres negras etc para a apuração de casos de violência contra as mulheres. Se deixarmos essas responsabilidades nas mãos dos governos as mulheres continuarão sendo assassinadas.
JPO: Qual campanha propõe, frente a essas questões, o grupo de mulheres Pão e Rosas?
CM: Nós, do Pão e Rosas, chamamos as mulheres a gritar nos locais de trabalho, estudo, nos sindicatos: “nosso direito à vida não se vende, não se troca e não se cala por votos”. E se devemos afirmar isso, é exatamente porque querem nos vender a idéia de que o fato de duas mulheres terem destaque nessas eleições presidenciais, e uma delas ter grandes chances de ser a primeira presidenta do Brasil, que o fato em si poderia significar uma mudança significativa na realidade de milhões de mulheres de nosso país. Mas frente às milhares de Elizas, Mércias, Marias, Eloás, Camilles não podemos mais aceitar que os e as governantes e a burguesia individualizem uma violência que é construída socialmente. Seja a tratando como uma violência doméstica ou familiar, seja buscando justificativas de “desvios de conduta” dos agressores, e indo ainda mais além, quando a partir da moral burguesa, culpam-se as próprias vítimas em muitos casos. Mas o que não se fala, e acredito que também deva ser parte do combate que as organizações de mulheres e da esquerda de nosso país, é a violência contra as mulheres praticada e perpetuada pelo Estado burguês que Dilmas e Marinas querem governar.
Acredito ser importante que as candidaturas que reivindicam a independência de classe, como o PSTU, o PCO, ou aquelas que se fazem de referência para setores de esquerda, como as do PSOL, utilizem parte de seu tempo na TV nessas eleições para denunciar fortemente a violência contra as mulheres em chave classista e anti-governista e abram espaço do tempo de campanha midiática para trabalhadoras que estiveram em luta, como as trabalhadoras da USP pelo direito de greve. Diante dessas eleições é preciso um verdadeiro debate sobre as necessidades concretas de milhões de mulheres, apontando a necessidade de combater a divisão das fileiras da classe trabalhadora e chamando a que confiem em suas forças, e o combate a violência contra a mulher é parte importante disso.
Nós militantes da LER-QI que integramos e impulsionamos junto a dezenas de independentes no Brasil o grupo de mulheres Pão e Rosas, e mais de mil mulheres em toda a América Latina que se organizam no Pan y Rosas, construímos uma agrupação de mulheres militantes, combativas, socialistas e revolucionárias. Acredito que neste momento devemos inflamar a indignação das mulheres brasileiras trazendo mais companheiras para a luta, nossas amigas, colegas de trabalho, jovens estudantes, familiares e juntas gritar em alto e bom som “Lula, Dilma, Serra e Marina... Elas e eles não se importam com as nossas mortes! E não nos calaremos! Mais nenhuma mulher morta! Basta de femicídio! Eliza, Mércia, Maria Islaine, Eloá e Camille vivem em nossa luta!”.
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