Por Luciana Machado, estudante de Letras
da USP e integrante do Pão e Rosas
Mais uma enorme violência ocorreu contra uma mulher. Desta vez, uma garota de 13 anos foi violentamente estuprada por dois adolescentes de 14 anos em Florianópolis. Ela foi levada ao apartamento de um deles, onde foi dopada com álcool e provavelmente com uma substância tóxica, conhecida como “boa noite, cinderela”. A partir daí, os adolescentes cometeram o estupro, introduzindo inclusive um controle remoto na vagina da menina e tentando estrangulá-la, como foi possível supor pelos hematomas que havia em seu pescoço. Aparentemente, ela teria, dias antes, terminado o namoro com um dos dois estupradores, e por isso decidiram “dar-lhe uma lição”.
Infelizmente, mais um caso de violência entre tantos
O que aconteceu com essa garota não é isolado. Sabemos que milhares de casos ocorrem a todo o momento no país, mas se mantém acobertados, muitas vezes por medo da mulher de denunciar e depois ser perseguida. Esse medo vem em decorrência também de uma “sensação” de que nada será feito, e de que o violentador ficará impune. Não para menos... Casos como o de Maria Islaine de Morais, que foi assassinada pelo ex-marido depois de sofrer ameaças constantes e, a partir deles, registrar 8 queixas na polícia, só foram a público e investigados pela polícia porque ela mesma, com medo das ameaças, instalou câmeras no seu local de trabalho, que se tornaram provas de suas queixas e de seu assassinato. Ou o caso de Mércia Nakashima, no qual o principal suspeito, o ex-namorado Mizael da Silva, agora está legalmente liberto. E precisamos lembrar de Eliza Samudio.
A violência contra as mulheres, apesar de ser prevista em lei como crime (como previsto na Lei Maria da Penha), é tratada pelo Estado e por seus agentes como “violência doméstica”, e quando declarações públicas são feitas – como a do jogador Bruno, violentador e quase provado assassino de Eliza, que defende o jogador Adriano dizendo “Qual de vocês que é casado que nunca brigou com a mulher, não discutiu e até saiu na mão com a mulher? Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” – nada é feito a respeito; pior: passa a limpo como um comentário normal. Sabemos que, na verdade, a violência às mulheres, é estimulada a todo o momento pela mídia e pelas fabricantes de vários produtos, ao criar uma imagem de mulher objeto, que portanto pode ser adquirida, que portanto pertence a alguém, e que portanto pode este “dono” fazer com ela o que bem entender. E que é assimilada por todos, inclusive por um garoto de 14 anos que em sua página pessoal na internet declara que “eu como quem eu quero”; como o estuprador de Santa Catarina.
A tal lei, que deveria garantir a prevenção de tais casos, e de tantos outros, já se tornou mais uma “lei que não pegou”, como se diz. O Estado, a polícia, a justiça ignoram as queixas e ameaças feitas constantemente às mulheres, quando elas têm a coragem de expô-las. A Lei Maria da Penha, que rendeu à Lula o prêmio da ONU pela luta contra a violência às mulheres, não passa de mais uma demagogia deste governo, pois o Brasil continua tendo um dos maiores índices de violência contra as mulheres; além disso, Lula avançou com o trabalho terceirizado e precarizado (majoritariamente feminino) de forma jamais predita, da mesma forma como avançou com a repressão policial nos morros e favelas, além de liderar a ocupação no Haiti, onde soldados estupram mulheres e crianças. Esse governo que tanta verborragia solta propagandeando ser um governo do povo brasileiro, mostra que na verdade contribui para acobertar a violências às mulheres. Já o governador de Santa Catarina, Leonel Pavan do PSDB, em entrevista à Record, diz que nem sabe sobre o caso; mas a polícia e o Ministério Público de Santa Catarina, sob sua liderança, tem agido desde o início com negligência.
A violência à mulher não é combatida pelo Estado pois ela é parte de toda a opressão a que as mulheres são submetidas, e da qual o capitalismo se beneficia. Se beneficia a partir da exploração dos nossos corpos, com a sua venda no tráfico de mulheres, a partir do qual circulam milhões de dólares em todo o mundo; ou a partir da exposição de nossos corpos na mídia, com a qual se batem recordes e recordes de audiência, também girando milhões; a partir da utilização de sua mão de obra gratuita, com o trabalho doméstico não remunerado e que é parte fundamental na reprodução da sociedade e, como parte dela, da classe trabalhadora; a partir do salários rebaixados que as trabalhadoras recebem; enfim, mil são as maneiras. A opressão e a violência às mulheres são funcionais ao capitalismo, e, portanto, não podem ser combatidas por ele e seus beneficiários. A Lei Maria da Penha é a prova mais cabal de que não é possível pôr fim à violência e opressão contra as mulheres por fora de um questionamento e combate ao miserável sistema capitalista.
Porque somente mais de 40 dias depois o caso foi investigado? O que está em jogo?
O caso ocorreu no dia 14 de maio; porque só agora vem à tona? Só se tornou público por responsabilidade de um blogueiro, que descobriu o ocorrido e conseguiu encontrar num site de relacionamento a declaração do estuprador, confirmando o crime. Por que foi assim? Os estupradores são filhos de famílias burguesas ligadas a grandes interesses do Estado capitalista brasileiro: um, Bruno Martins, é filho de um delegado de polícia, e o outro, Sérgio Orlandini Sirotsky, de um herdeiro e diretor do grupo RBS de comunicação, afiliado à Rede Globo.
Essa empresa, que atua em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, comanda 21 emissoras de televisão, 25 emissoras de rádio, 8 jornais diários, 4 portais de Internet, e mais uma editora. Ela, que está dentro das grandes propagadoras dos corpos femininos como carne a ser consumida, obviamente não quer sua reputação abalada por uma besteira que um moleque fez... O que fez frente ao caso? Absolutamente nada; a divulgação do caso nessa emissora ocorreu (pouquíssimas vezes) sem a denúncia dos acusados, e somente depois que estourou na Internet e se tornou assunto na cidade. Denúncias na internet dizem que a família do estuprador e detentora da RBS tentou NEGOCIAR com a família da garota violentada o seu silêncio, para que “os futuros dos jovens fossem preservados”. O que se procura preservar afinal? O grande capital acumulado dessa empresa, e a sua manutenção no mercado como uma das principais na região sul do país. E, é claro, preservar o principal veículo de mídia no Brasil, a Rede Globo de televisão, tão necessária para a propagação da manipulação ideológica da burguesia sobre toda a classe trabalhadora e o povo brasileiro – como por exemplo se colocou prontamente, e veladamente, em defesa da ditadura militar de 1964-85.
E o que se sabe até agora é que a polícia só iniciou de fato as investigações depois que o caso repercutiu na internet, depois de encontrada a declaração do próprio estuprador confirmando a ação, e ainda assim deixando “escapar” várias evidências. No dia que ocorreu o estupro, a família foi ao hospital e prestou queixa na polícia, mas nada foi feito. O fato de envolver um filho de delegado será que não conta? E o dinheiro e poder da família Sirotsky?
Como a maioria dos casos de crimes cometidos por integrantes da “ordem” demonstra, a justiça e a lei não são feitas para incriminarem os beneficiados pelo Estado capitalista – a burguesia que controla a economia, a política e também a justiça no país e em todo o mundo –, mas sim para controlarem e arregimentarem, de acordo com os interesses das grandes empresas e partidos políticos burgueses, a sociedade e a classe trabalhadora. Ao contrário do que demagogicamente declarou o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, dizendo que o caso de Santa Catarina não pode ficar impune, o que se desenhava antes do caso ser propagado pela internet é que ele iria para o rol de tantos outros casos, de violência e crime cometidos por poderosos, que foram acobertados.
O que está por trás de todo o empreendimento da Record em “acompanhar o caso passo a passo”, como coloca a primeira reportagem sobre o caso?
A Rede Record de televisão, depois de escancarado o caso na internet, resolve pegar carona e faz matérias denunciando o caso e o envolvimento da família detentora da RBS.
Isso significa que a Record, diferente das outras emissoras, está mais comprometida com a necessidade de se fazer justiça e de punir os estupradores? Ela é a grande porta-voz combatente da violência cometida contra as mulheres?
Sabemos que não. Como todas as outras, a rede Record se aproveita de nossa opressão tanto quanto as outras... Em “A Fazenda”, “Programa do Gugu”, “O Melhor do Brasil” e outros, lá estão as garotas de biquínis, rebolando... Nada diferente do que vemos nas outras emissoras. Além, é claro, das trabalhadoras que são exploradas diariamente nas suas dependências.
O que de fato está por trás desse grande alarde feito pela Record é o seu interesse em “manchar” sua principal rival, a rede Globo. Hoje, a rede Record é a principal competidora da Globo no ramo televisivo, posição antes ocupada pelo SBT. Ser vista como uma emissora que faz “jornalismo de verdade”, como aparece ao final da matéria vista pelo seu portal, é para a Record um grande trunfo frente à Globo, podendo assim conquistar mais espaço na mídia e mais influência e simpatia entre os telespectadores.
Só podemos confiar em nossas próprias forças!
Como já está claro, a maioria dos casos de violência às mulheres se mantêm impunes. Não é possível confiar que os órgãos do Estado capitalista em que vivemos, e seus distintos governos, sejam eles dirigidos pelo partido que for, irão pôr fim à nossa opressão.
É preciso que nos organizemos em cada bairro, local de trabalho e estudo, independentemente dos governos, das patronais e da Igreja para que possamos lutar contra a opressão e as violências a que recorrentemente estamos submetidas. Devemos exigir abrigos para as mulheres vítimas de violência e para seus filhos e filhas subsidiados pelo Estado, mas sob controle das próprias vítimas de violência e sem nenhuma interferência da polícia; devemos exigir que a RBS e a Rede Globo sejam obrigadas a conceder tempo na TV para que as trabalhadoras vítimas de violência denunciem seus casos, assim como as organizações operárias, de direitos humanos e de mulheres possam retratar verdadeiramente o caso da jovem de 13 anos; que se confisque a riqueza da família Sirotsky para construir as casas de abrigo, e garantir a assistência médica e atendimento psicológico à jovem estuprada e a tantas outras; e exigimos a punição imediata dos estupradores.
Por fim, chamamos os grupos de mulheres, de direitos humanos, entidades estudantis, a Conlutas Intersindical, Movimento Mulheres em Luta, as correntes de esquerda do PSOL, a ANEL e o PSTU a construirmos uma grande campanha contra a violência às mulheres, gritando em alto e bom som que não toleraremos mais garotas estupradas, Mércias, Eloás, Marias Islaines, Elizas, somos todas, e por isso gritamos:
Basta de violência e assédios às mulheres!
Basta de impunidade aos agressores!
Nenhum comentário:
Postar um comentário