Rita Frau, professora
e militante do Pão e Rosas RJ
Nesta
semana foi divulgada pela mídia nacional a maior operação policial[1]
contra uma quadrilha que mantinha sete clínicas clandestinas no município do
Rio de Janeiro. Foram presas 57 pessoas e mandados de prisão e a apreensão em
vários municípios do estado. Entre os presos estão policiais militares,
médicos, sargento do Corpo de Bombeiros, militar do Exército, policiais civis e
enfermeiros. De acordo com a investigação, esta quadrilha formava uma espécie
de “holding” que administrava e atuava nas sete clínicas espalhadas pela Zona
Sul, Norte e Oeste da cidade nos bairros de Bonsucesso, Campo Grande,
Copacabana, Botafogo, Rocha, Tijuca e Guadalupe.
Uma verdadeira indústria de matar mulheres
Nestas
clínicas eram realizados abortos até em adolescentes de 13 anos e mulheres que
interrompiam as gestações com 7 meses, procedimento de alto risco para as
mulheres, que no desespero de não levarem adiante a gestação se submetiam a
situações como esta, que custava o valor R$ 7.500. Um dos médicos chamado Aloísio Soares Guimarães, que mora em Leblon, bairro rico
da Zona Sul carioca, é acusado por realizar abortos clandestinos desde 1960,
tinha uma conta na suíça de 5 milhões, e só em sua casa foram apreendidos 532
milhões entre dólares e reais.
Apesar do presidente do CREMERJ (Conselho Regional de
Medicina do Rio de Janeiro), Sidnei Ferreira[2]
defender a descriminalização e legalização do aborto, a instituição premiou o
médico Evangelista Pinto da Silva Pereira[3]
, um dos acusados pela operação, pelos cinquenta anos de carreira, mesmo ele já
tendo oito passagens pela polícia pelo “crime” do aborto e agora foragido no
exterior.
O
montante de dinheiro encontrado na casa do médico, e contas em bancos fora do
país, mostra a grande indústria que gerava muito lucro para os envolvidos nesta
máfia em detrimento da vida de centenas de mulheres. Cada aborto custava em
média de 3 mil às 7.500 reais, e eram realizados em condições insalubres, onde
as mulheres eram humilhadas e obrigadas a saírem das macas de cirurgia
enxotadas para que pudesse ser realizado o maior número possível de
procedimentos por dia.
Com certeza a maioria desses médicos e enfermeiros não
são os que defendem e impulsionam uma campanha entre a sociedade de médicos e
enfermeiros pela legalização do aborto, pois seria contraditório com a
manutenção do negócio que alimentam seus lucros e privilégios.
O
Estado do Rio de Janeiro em 2103 ultrapassou a marca de 67 mil abortos, segundo
pesquisa feita por Mario Giani, do Instituto de Medicina Social da Uerj[4].
Se considerarmos que todos que foram feitos na clandestinidade fossem
realizados em clínicas clandestinas e calcularmos o valor médio em 3 mil reais[5],
daria um rendimento de 201 milhões de reais só no Rio de Janeiro. Se
considerarmos o número de abortos clandestinos por ano no país em 800 mil, este
valor seria 2 bilhões e 400 milhões de reais. Um faturamento que supera o
faturamento tráfico nacional, que em 2010 chegou a 1 bilhão e 400 milhões de
reais[6]
A hipocrisia e o envolvimento das
instituições do Estado
O nome da operação
policial, chamada Herodes, faz referência à um rei conhecido por mandar matar
sua família e todas as crianças que nasciam, com medo de que viessem tomar o seu
trono, tenta dar o sentido de que é uma operação contra criminosos com desvios
psicológicos que matam mulheres e crianças, justamente como forma de desviar o
que está por trás desta verdadeira indústria de mutilação e assassinatos de
mulheres.
Esta
operação só reafirma o que foi comprovado no caso de Jandira e o que ocorre em
tantos outros casos de mortes em clínicas clandestinas: o envolvimento e
fomento destas máfias por parte do próprio Estado. É tão escandaloso, que não é
possível esconder o sol com a peneira.
As
clínicas clandestinas de aborto no Brasil são rentável fonte de dinheiro para
médicos, enfermeiros, policiais e sargentos do Corpo de Bombeiro, que envolvem
também políticos e empresários.
Ao
mesmo tempo que se vangloria da “maior operação já feita contra o crime do
aborto” o Estado continuará alimentando
esta indústria. Não foram poucas as vezes que esses médicos e policiais foram
presos e soltos e continuam lucrando com
este negócio.
E
o discurso do Estado de que estão combatendo um crime que mata mulheres
escancara sua hipocrisia quando na realidade também criminaliza as mulheres que
realizam abortos clandestinos, tornando as vítimas como criminosas, que na
maioria são pobres, trabalhadoras e negras como ocorreu recentemente com uma
bancária de São Gonçalo que foi levada para a delegacia e obrigada a pagar uma
fiança de 250 reais ao ter confessado para a médica que havia tomado um remédio
abortivo. E está indiciando 35 mulheres, que ao invés de receberem cuidados
médicos e psicológicos passarem pelo procedimento do aborto seguro e legal,
serão tratadas como criminosas como os próprios médicos e policiais.
A
resposta do Estado também é uma forma de desviar a atenção que a própria mídia
foi obrigada a dar com posições progressistas diante dos casos de Jandira e
Elisângela, colocando a necessidade da sociedade combater a hipocrisia e
retomar o debate sobre o direito da legalização do aborto.
Mais do que na hora de legalizar o aborto
garantido pelo Estado
A operação Herodes
se vangloria da “maior operação” contra o crime dos “açougueiros” das
clínicas clandestinas mas se silencia diante da falta de direito de escolha das
mulheres, da falta das condições básicas para as mulheres exercerem a
maternidade e terem acesso à um sistema de saúde público e de qualidade, e até
mesmo da dificuldade que passam as mulheres para realizarem o procedimento
mesmo nas circunstâncias legais.
Para
terminar com a máfia da indústria do aborto clandestino e femicídio que atinge
milhares de mulheres por ano, até mesmo a mídia reconhece que já passou da hora
de colocar um ponto final na hipocrisia do Estado, governos e do parlamento e
colocar em pauta a legalização do aborto.
As
organizações feministas devem ser chamadas a participar da investigação dos crimes
cometidos pelas clínicas clandestinas como o único caminho para garantir a punição
exemplar a todos envolvidos porque não é possível confiar na justiça, nos
policiais e no Conselho de medicina do Rio de Janeiro que acobertam os médicos.
Também devem ser confiscados todos os bens dos policiais, médicos e enfermeiros
envolvidos.
O
movimento de mulheres e as organizações de esquerda e de direitos humanos devem
encarar a luta pelo direito ao aborto, legal, seguro e gratuito como algo
urgente e elementar na vida das mulheres, assim como fazer uma campanha pela
retirada do indiciamento de dezenas de mulheres que já estão na lista da Operação
e contra criminalização de qualquer mulher que passou pelo procedimento de
aborto nestas clínicas. O silêncio dos candidatos do segundo turno para a
presidência mostra que tanto Dilma quanto Aécio são conviventes com estas
máfias e serão responsáveis pela continuidade de milhares de morte de mulheres
no Brasil todo ano. Por isso já passou da hora da retomada de uma grande
campanha por um projeto de lei pela legalização do aborto impulsionada nos
locais de trabalho e estudo que tome as ruas para terminar de um vez por todas
com as mortes e garantir o direito de escolha de todas as mulheres.
[1] http://oglobo.globo.com/rio/policia-prende-57-pessoas-entre-elas-seis-medicos-em-megaoperacao-contra-clinicas-de-aborto-ilegal-14239131
[2] http://www.ofluminense.com.br/editorias/cidades/presidente-do-cremerj-quer-aborto-legalizado
[3] http://oglobo.globo.com/rio/interpol-deve-ir-atras-de-medico-acusado-de-dirigir-clinica-de-aborto-em-botafogo-14260242
[4] http://oglobo.globo.com/rio/estado-do-rio-ultrapassou-marca-de-67-mil-abortos-no-ano-passado-segundo-levantamento-14029362
[6] http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2010/06/06/interna_brasil,196279/index.shtml
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