por Marcela Johnson, estudante de Educação de Física da USP
Nesses últimos dias fui convidada
para participar de uma mesa, junto ao companheiro Pablito do SINTUSP e os
companheiros do SESMT. Como estudante de Educação Física tive a oportunidade de
socializar os meus conhecimentos com trabalhadores em greve da USP discutindo
sobre saúde do trabalhador, foi uma grande experiência, pela primeira vez pude
ver um pequeno germe de como poderia ser uma universidade que colocasse seu
conhecimento a serviço da classe trabalhadora.
Ouvimos
vários casos de trabalhadores que perderam sua juventude e sua saúde na
Universidade, companheiros que chegaram ao limite de tentar tirar suas próprias
vidas pois não viam nada mais forte que o assédio moral das chefias.
Acidentes
de trabalho, restrições médicas e assédio moral fazem parte do cotidiano dos
trabalhadores de uma das “melhores universidades da América Latina”, mas não só
deles como de todos os trabalhadores de nosso país.
Vivemos
números de guerra, por ano são 2.503
mortes por acidentes de trabalho, ocupamos o quarto lugar no mundo nesse
ranking, sem contar milhares de trabalhadores inválidos e até mesmo afastados
por problemas mentais.
Parto
de uma concepção onde a Saúde não se refere só ao bom funcionamento do nosso
corpo físico, mas também o psicológico e social. Vejo na verdade que devemos
olhar para a saúde como um processo de saúde/doença onde existem vários fatores
que vão determinar a sua situação, como moradia, alimentação, o trabalho, as
relações sociais, a classe social, e etc.
Sendo
assim, é impossível fazer uma analise consequente sobre saúde do trabalhador
por fora de colocá-la dentro da divisão social do trabalho de nossa sociedade,
pois esse é o plano de fundo que determina muitos dos fatores que contribuem
para essa relação Saúde/Doença.
Nós
fazemos parte de uma parcela da sociedade que só tem sua força de trabalho para
sobreviver. Existe outra parte, os patrões e grandes empresários que se
organizam para sugar a nossa força física no momento da vida onde temos melhor
condição de produzir.
Dentro
dessa lógica todo o desenvolvimento tecnológico e de produção, ao contrário de
estar a serviço do bem comum tem servido ao lucro. As máquinas não estão a
serviço de auxiliar os trabalhadores para preservar sua força de trabalho, mas
para conseguir retirar o máximo possível dela, aumentando a produção e o lucro.
São
os trabalhadores que pagam com sua saúde e sua vida pela ganancia dos patrões e
quando entramos em uma crise, assim como a que a reitoria diz existir, pagamos
dobrado para manter essas margens de lucro e de produção.
Mesmo
os trabalhadores da USP não estão fora dessa lógica, pois apesar de não existir
a mesma lógica de LUCRO dos patões, reproduz a lógica de PRODUÇÃO em que todos
os trabalhadores são mergulhados. Todas as medidas aprovadas pelo governo como
o repasse de verba para educação, saúde, transporte e etc. Refletem no nosso
cotidiano.
Então
para manter o funcionamento da universidade as reitorias jogam nas costas dos
trabalhadores os prejuízos. E quando vemos um pequeno corte de orçamento, ou o
congelamento de verbas para a educação, isso reflete não nas grandes pesquisas,
financiadas por Fundações Privadas e grandes empresas, mas no cotidiano dos
trabalhadores e no corte de serviços para a comunidade .
Todas
as medidas refletem no aumento da exploração real no nosso cotidiano, mais
assédio moral para que trabalhemos ainda mais em situação cada vez mais
precária, mais trabalho, menos contratações, mais terceirização e como
consequência um grande prejuízo para a nossa saúde. Para garantir resultados de produção nos rankings
internacionais formamos dentro de nossa universidade um exercito de
trabalhadores doentes.
É
preciso ficar bem claro que nenhum trabalhador é responsável pelos acidentes de
trabalho nem pelas doenças adquiridas, tudo isso é culpa de uma divisão do
trabalho desumana que pensa apenas na produção e não nas vidas que são
responsáveis por produzir.
Se
a nossa força de trabalho é a única forma de garantir nosso sustento, é preciso
levar uma forte luta por melhores condições de trabalho. Ou garantimos isso ou
estaremos junto com milhares de trabalhadores que por perder sua condição
física, não conseguem se quer vender a sua força de trabalho devido as suas
restrições.
Terceirização
Como
observamos em todas as unidades as condições de trabalho são muito ruins para
os efetivos, para os terceirizados a situação é muito pior. Com menos direitos,
menores salários suas condições de vida são muito piores e pela sua
vulnerabilidade são os primeiros a serem atacados com demissões e etc.
Um
exemplo disso é o José Ferreira, jovem negro, trabalhador terceirizado da
Faculdade de Medicina morreu em acidente de trabalho.
Silvana,
trabalhadora terceirizada que dirigiu a primeira greve de terceirizadas dessa
Universidade, depois de passar anos deixando toda a sua saúde para limpar os
prédios, hoje não consegue arrumar emprego devido ao número de restrições que
essa companheira adquiriu nesses anos de trabalho. Agora nem mesmo sua força de
trabalho pode oferecer.
Esses
são pequenos exemplos do que sofrem esses companheiros e com a demissão de
terceirizados em todas as unidades essa situação tende a piorar. Por isso
também é nosso dever defender os postos de trabalho desses companheiros e
avançar na luta para Efetivação de todos os terceirizados sem necessidade de
concurso público.
As Mulheres Trabalhadoras
Para
as mulheres trabalhadoras, como se não bastassem as condições precárias no
trabalho, ainda tem que aquentar a dupla jornada de trabalho. Chegam em casa,
cuidam dos filhos, cozinham e lavam roupa, um segundo trabalho não remunerado
que também gasta sua energia e sua força de trabalho.
Esse
trabalho essencial para garantir que os trabalhadores consigam estar todo os
dias em seus postos de trabalho, por conta do machismo é feito quase que
exclusivamente pelas mulheres. Isso significa que além do desgaste físico e
psicológico no seu local de trabalho, as mulheres ao chegarem em casa ainda tem
mais uma segunda jornada de trabalho que também interfere em sua saúde.
É
preciso lutar para que o Estado se responsabilize por esses trabalhos, que
existam creches para que as mães possam deixar seus filhos para trabalhar,
restaurantes e lavanderias públicos e isso só pode ser feito a partir da luta
dos trabalhadores.
Na
USP temos vários exemplos de como a luta dos trabalhadores e trabalhadoras
ajudaram a avançar também na luta pelo direito das mulheres. As creches na USP
foram conquistadas pelos trabalhadores, nas greves do HU por muitas vezes
direito elementares das mulheres foram conquistados e nessa greve não tem sido
diferente, as companheiras do Centro Saúde Escola tem como uma de suas reivindicações
nessa greve mais contratações de enfermeiras para conseguir dar conta das 800
mulheres que hoje estão na fila do papanicolau.
O Conhecimento
Não
podemos permitir que em uma universidade tão importante quanto a nossa o
conhecimento continue servido para as grandes empresas, para pensar tratamento
para os grandes craques do futebol enquanto centenas de trabalhadores apodrecem
em suas máquinas de moer gente. É preciso uma universidade à serviço dos
trabalhares, gerenciado não pelos burocratas donos das empresas terceirizadas,
mas pelos que trabalham e estudam.
Parte
da luta acabar com as doenças criadas nos locais de trabalho da universidade é
nos apropriar de todo o conhecimento produzido nas salas de aula e laboratórios
dessa universidade para melhorar as condições de vida de cada trabalhador.
Hoje
o conhecimento da universidade está a serviço de acabar com a saúde de nossa
classe, de nos explorar o máximo possível, de fazer mais lucro para as grandes
empresas. Para nós esse tipo de conhecimento de nada serve, por isso a luta
pela saúde dos trabalhadores deve abarcar também a luta por uma educação a
serviço dos trabalhadores e do povo pobre, para que possamos formar pessoas
capazes de responder ao nosso problemas.
Como Avançar Nessa Luta, o
Exemplo de Zanon
A
experiência dos trabalhadores nos mostram que é possível se organizar e dar um
fim às maquinas de moer gente, mas que para isso não existe cooperação com a
classe que quer nos tirar a saúde, nem mesmo com os seus representantes.
Na
Argentina, os trabalhadores de Zanon ocuparam a fábrica ceramista e a colocaram
para funcionar sobre controle operário e sem patrões conseguiram a partir da
auto-organização produzir. Lá praticamente inexistem acidentes de trabalho e
doenças ocupacionais.
Nessa
experiência estudantes se juntaram aos trabalhadores para junto pensarem quais
as melhores formas de produzir sem serem guiados pelo lucro, mas pelas melhores
condições de vida para cada um dos que trabalhavam ali. Contrataram mais
trabalhadores e partir da sua experiência e do conhecimento dos estudantes construiu-se
ali um grande exemplo para todos os trabalhadores.
Quem está afim de por o seu
futuro na reta para tudo isso mudar?
Por
fim em meio ao debate uma trabalhadora abriu uma reflexão: “Quem está afim de
por o seu futuro na reta para isso tudo mudar?”
Fazemos
parte de uma classe poderosa, que já derrubou patrões, governos e até mesmo os
poderosos de países inteiros. Pode ter certeza que esses trabalhadores não
fizeram isso sem medo, se por um lado entrar na luta pode significar sofrer
derrotas, por outro, não lutar significa aceitar adoecer nos nosso locais de
trabalho, aceitar que uma pequena camada de privilegiados é mais forte do que
as massas que são oprimidas cotidianamente.
A
história nos mostra que só podemos confiar nas nossas próprias forças, que se
existe uma classe capaz de mudar as rumos da história, de construir uma
sociedade que não se balize na exploração, mas na socialização de toda a
riqueza produzida, essa é a classe trabalhadora.
Há
pouco tempo atrás tivemos o grande exemplo dos Garis do Rio de Janeiro, que
mesmo com a mídia, o governo contra eles não retrocederam, tentaram intimidar
esses companheiro com a policia e a resposta que essa categoria deu a todos os
que tentavam os atacas é que Não Tem Arrego! Esses trabalhadores acreditaram na
força de sua classe e conseguiram apoio de várias categorias no mundo inteiro,
quando seu ato passava pelas ruas do RJ viam papeis de apoio colado nas
janelas, aplausos e até chuva de papel.
Nesses
anos de USP conheci grandes guerreiros, que não hesitaram em se organizar
contra os ataques da reitoria e só governo, que já se enfrentaram com os
chefes, com os diretores, com a reitoria e até mesmo com a policia. Estamos a
mais de 40 dias em greve e não vão nos cansar, porque em nossa greve ainda ecoa
o grito dos nossos companheiro de classe, os garis do RJ e para todos os que
tentarem nos atacar responderemos: NÃO TEM ARREGO.
Nossa
luta é por melhores condições de trabalho e salário, mas também é a luta por uma
universidade a serviço dos trabalhadores. Nossa vitória não é só da categoria,
mas de toda a classe trabalhadora que poderá se fortalecer para novas lutas e é
com muita garra e determinação que devemos avançar para que essa greve seja
vitoriosa, mas também para que a luta pela vida dos trabalhadores avance a
passos largos por todo o mundo!
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