quarta-feira, 3 de abril de 2013

Trabalhadoras do Brasil e da França falam de gênero e luta de classes


Por Diana Assunção


Na última terça-feira, dia 26 de março, os Coletivos Feministas Garçes e ROSA, junto ao Coletivo de Estudantes Solidários aos Trabalhadores em Luta, organizaram na Escola de Ciência Política de Paris, França, um importante debate com o tema « Mulher e Trabalho: a luta segue! ».

Na mesa estavam Severine, trabalhadora demitida do grupo 3 Suisses e militante do Coletivo Licenci’elles, Diana Assunção, diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (Sintusp) do Brasil e militante do grupo de mulheres Pão e Rosas ademais de Sarah do Coletivo de Estudantes Solidários aos Trabalhadores em Luta e do grupo feminista francês ROSA.

As intervenções de Severine e Diana colocaram experiências concretas de luta das trabalhadoras para pensar o tema de gênero na luta de classes. Severine relatou todo o processo de organização das mulheres do grupo 3 Suisses e a necessidade que encontraram de unir-se a outros trabalhadores em luta, como os operários da Goodyear e da PSA Aulnay.

Diana, a partir da experiência das trabalhadoras precárias no Brasil, que está retratado em seu livro « A Precarização tem rosto de mulher », defendeu uma visão marxista revolucionária sobre o tema da opressão e a necessidade de lutar de forma combinada contra a exploração capitalista. Com mais de 70 pessoas passando pelo debate, fez-se uma importante discussão que expressa os principais debates do fmeinismo francês: há uma classe burguesa e uma operária, ou há uma classe de mluheres e uma classe de homens? Severine, a partir de sua luta, demonstrou como a unidade concreta entre mulheres e homens trabalhadores, lutando contra todos os preconceitos na própria classe operária, é o caminho para levar as lutas até a vitória.

Diana colocou categoricamente que o que define uma classe é sua localização na produção, e que portanto há uma classe que é dona dos meios de produção, e que essa classe não é formada somente por homens. As feministas burguesas que defendem a unidade d einteresses entre todas as mulheres teriam que explicar como, por exemplo Hillary Clinton poderia fazer uma aliança com as mulheres do Oriente Médio que vivem sob a intervenção imperialista de seu país. Diana terminou dizendo que era utopia pensar na emancipação das mulheres enquanto se mantinha uma sociedade baseada na exploração, e que na França as mulheres tinham as melhores tradições para resgatar hoje, como das combatentes da Comuna de Paris, que além de lutar por seus direitos como mulheres, foram parte da luta por impor a primeira experiência de poder da classe operária da história.

A estudante Sarah interveio chamando todos os estudantes a aliar-se à classe operária, apoiando suas lutas, e lutando junto às mulheres trabalhadoras para conquistar todos os nossos direitos.

Entrevista com Séverine, ex-trabalhadora de 3 Suisses e membro das Licenci'elles

« Pensavam que o assunto acabaria rapidamente. Certamente porque éramos mulheres, dispersas, não-organizadas. [...] Hoje, lutamos por nossa dignidade»

No fim de janeiro de 2012, o grupo 3 Suisses decide fechar as 35 lojas distribuídas por toda a França para se concentrar nas vendas pela internet e por correspondência. Nessa marcha, são 149 trabalhadorxs que deverão ser demitidxs, a despeito dos lucros colossais registrados pelo grupo Otto. 68 trabalhadorxs se opuseram a essas demissões e decidiram lançar um combate diante do tribunal do trabalho. Ao mesmo tempo, fundam a associação Licenci’elles para sustentar sua luta e propor a outras mulheres assalariadas que encontram as mesmas dificuldades de isolamento e precariedade, um quadro de organização e de apoio. Hoje, perto de uma centena, as Licenci'elles fazem barulho na mídia e se unem às lutas atuais como a dos trabalhadores da Goodyear. Séverine de Licenci'elles, ex-trabalhadora de 3 Suisses, nos conta o percurso dos combatentes.

Révolution Permanente: Em quais condições ficou você sabendo do projeto de fechamento das lojas 3Suisses e de tua demissão?

À época, eu era responsável pela loja em Saint-Etienne. Havia então 35 pontos de venda e 152 empregados envolvidos (147 mulheres e 2 homens). Já em 2009, tinham-se tornado 850 pessoas e somente 36 foram atacadas. Éramos os próximos na lista. E ela não parava de se estender com o anúncio de uma nova deslocalização daquilo que resta dos centros de chamada.

Sobre o que nos diz respeito, foi em fevereiro de 2011 que ficamos sabendo da notícia... por uma conferência telefônica! Foi assim! Os distintos chefes responsáveis pela loja lá foram convocados. Em seguida, ficou a nosso encargo, sozinhos, de anunciar isto a nossas equipes. Não houve qualquer acompanhamento, não se tinha nenhuma informação sobre as datas exatas, nenhuma resposta a nossas questões. A direção mentiu para nós igualmente sobre a possibilidade de uma recontratação potencial. Claro, essa possibilidade nunca apareceu. No espaço de um ano, houve uma só e única vista do setor de RH. Não fizeram nenhuma proposta de remanejamento, e sim propostas falsas. Eu, por exemplo, se me propunha tornar responsavel de logística. Mas isso não tinha nada a ver, eu trabalho na  venda de roupa. Em verdade, eles não nos tomaram a sério. Pensavam que não tínhamos a capacidade para responder essa falcatrua. Se quisessem fazer as coisas corretamente, nos fariam propostas de remanejamento que fossem sérias. Verdadeiramente, não há nenhum respeito. Nos enganaram por muito tempo. Atacaram-nos pessoalmente em nossa dignidade, nos tratando como merda. Foi isso, creio, que nos prontificou a reagir...

Grosso modo, pensavam que o assunto rapidamente seria ultrapassado. Certamente porque éramos majoritariamente mulheres, dispersas pelos quatro cantos da França. Porque, é verdade, a maioria das companheiras não eram sindicalizadas, não se tinha qualquer cultura de luta. Eu, por exemplo, era a primeira vez que fazia uma greve. A primeira ação foi de nos agruparmos na Croix, à sede, para contestar as demissões, depois de uma reunião organizada pelos responsáveis sindicais, no estacionamento. Desde então, começaram as medidas de intimidação da parte da direção. Discurso de culpabilização, chamado à “razão”, propuseram além do mais aos assalariados assinar um acordo individual, no qual acordavam um cheque de 6 a 9 meses de salário contra a promessa de não criar problemas se presentando no Tribunal do Trabalho.

Foi totalmente ilegal, pois nossas demissões não tinham sido ainda notificadas. Alguns cederam a esta chantagem, sob os golpes da pressão, das obrigações financeiras e familiares. Foi verdadeiramente muito duro.

Os fechamentos aconteceram em janeiro de 2012. Para 68 dentre nós, decidimos denunciar a situação no Tribunal do Trabalho. O processo está em curso, posto que hoje contestamos sua “justificativa econômica”.

RP: Em que momento apareceu a ideia de fundar o coletivo Licenci’elles?

Na primavera de 2012, começamos a tomar contato com os assalariados envolvidos pelas mesmas medidas que nós no setor têxtil. Com os “Paru-Vendu”, nos manifestamos diante da Assembléia Nacional em abril de 2012. Ademais, quando se é mulher, se é frequentemente mais precária. Nos persuadimos de que era preciso nos associar com as companheiras que vivem a mesma situação que nós. Por conseguinte, reencontramos os ex-trabalhadores de Lejaby, de Samsonite, via nosso advogado, Fiodor Rilov, que os defendeu. Entramos também em contato com uma trabalhadora nos caixas do supermercado ED, que conhecimos depois de uma reunião das mulheres em luta organizada pelo Front de Gauche. É o mesmo procedimento que se aplica muito entre eles, e que cria o isolamento e o fatalismo. A ideia apareceu de criar uma associação para contribuir com um apoio àqueles que se encontram nas mesmas dificuldades, em um setor muito feminizado, que raramente é sindicalizado, portanto débeis frente aos ataques ao emprego. Mas também para lutar contra as demissões nos grupos e empresas que têm lucro.

De golpe, montamos essa associação com as 68 companheiras que foram à justiça contra a 3 Suisses. No começo, tratava-se de criar uma ajuda específica, jurídica, mas também de transmitir uma experiência num setor que não tem uma cultura de luta. Esses diferentes encontros nos inspiraram muito, notadamente aqueles com os Lejaby. Nós, ao início, não éramos cobertos pela mídia. Depois começamos a interpelar a mídia, a fazer barulho ao nosso redor. Fizemos barulho pela via das redes sociais. É verdadeiramente a partir de abril que começamos a nos fazer conhecidas, notadamente conduzindo ações ao lado de outros trabalhadores em luta.

RP: Efetivamente, hoje, nos vemos vocês ao lado dos trabalhadores da Goodyear, que não são portanto do mesmo setor que vocês, nem de um setor muito feminino. Como você explica essa evolução?

Encontramos os trabalhadores da Goodyear em um piquete de greve em fevereiro de 2012. Eles nos lançaram: “Onde estão os pneus?” Marie, uma Licenci'elles, lhe respondeu: “Estaremos no Tribunal do Trabalho no dia 22 de março. Venham com os pneus.” Eles responderam ao chamado e vieram nos apoiar no tribunal depois de nossa primeira conciliação. O acolhimento foi maravilhoso, verdadeiramente dava prazer. Com efeito, nos encontramos na mesma perspectiva. Nós lutamos pelos empregos, e não pelos cheques. Sabemos que as indenizações vão depois de alguns anos à Pôle Emploi (agência oficial de procura de emprego), sem recuperar o trabalho, nas regiões onde o desemprego se tornará massivo, como em Amiens na Goodyear. E depois, no momento em que constituímos o coletivo, nos demos conta que não éramos as únicas envolvidas, que a coisa ia muito além do setor da venda de roupa. As demissões massivas, com a PSA, Sanofi, Virgin, Goodyear, Candia, e os outros, tocam todos os setores e todo o mundo está envolvido. E para fazer as coisas mudarem, é preciso que combatamos todos juntos. É preciso sair de nosso próprio caso pessoal, de isolamento, no qual acreditamos estar quando somos deixados à porta da rua. Certamente, há diferenças, mas a causa é a mesma. São os trabalhadores que sofrem, esperam, as empresas não se importam. Eles pensam que com um cheque vão calar a nossa boca.

De golpe, decidimos empreender um projeto de lei contra as demissões nas empresas que têm lucro com os representantes de 30 fábricas diferentes (Faurecia, Candia, Sanofi, Goodyear, Bigard...). Colocamos uma proposta de lei ao Ministério do Trabalho a 12 de fevereiro, então que diante de suas janelas, estávamos reunidos com os trabalhadores de Candia, de Sanofi, de Goodyear. Uniram-se também a nós uma delegação da PSA Aulnay. Que as fábricas demitam enquanto têm lucros acumulados, com dividendos aos acionários, é inaceitável. Não podemos os trabalhadores pagarmos por isso. É absolutamente necessário evitar os fechamentos de fábrica. É preciso também desconfiar dos números que nos são mostrados: são manipulados para nos fazer engolir qualquer coisa. Por exemplo, o grupo 3 Suisses atacou as ajudas públicas da região, mas disso ninguém fala. É um escândalo! E é por isso que é necessário lutar.

RP: Que repercussão você tem sobre teu engajamento enquanto mulher que luta pelo seu emprego?

Integrar-me em uma associação de mulheres, é isso que me deu forças. Pois é preciso poder resistir a tudo. Como fazer para te construir, retomar confiança em si mesma, manter uma vida social, quando se chega a ser demitida aos 35 anos, e se está sem emprego?

Para mim, o fato de me mobilizar me transformou. Se você me tivesse dito, há três anos, que eu entraria em greve contra o meu patrão, eu teria rido. Para mim, tudo isso era desconhecido. Minha demissão, eu a vivi muito mal. Me coloquei muitas vezes em questão. Mas, havia duas opções: assino e me deprimo, ou levanto a cabeça. Eu, prefiro ser capaz de me olhar no espelho pela manhã. É uma questão de dignidade.

Eu estou orgulhosa porque não me deixei comprar. A luta me permitiu encontrar pessoas excepcionais, descobrir uma nova faceta de mim mesma que não conhecia antes. Eu me abro mais, tomei confiança. Mesmo se é difícil – há a excitação na mobilização, depois quando volta para casa, é o down, a depressão – há muitas gratificações. Eu conhecí Marie das Licenci'elles e outras pessoas excepcionais. E depois você colhe sementes na luta, aprende com a experiência dos outros. No contato com os trabalhadores da Goodyear, melhoramos muito  a comunicação com a imprensa. Do fato de nossas irrupções frequentes na mídia, aprendemos a transmitir nossas convicções, nossas ideias, a torná-las mais fortes. E é por isso que cumpre conduzir conjuntamente o combate!


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