Por Diana Assunção
Na última terça-feira, dia 26 de março, os Coletivos Feministas Garçes e ROSA, junto ao Coletivo de Estudantes Solidários aos Trabalhadores em Luta, organizaram na Escola de Ciência Política de Paris, França, um importante debate com o tema « Mulher e Trabalho: a luta segue! ».
Na mesa estavam Severine, trabalhadora demitida do grupo 3 Suisses e militante do Coletivo Licenci’elles, Diana Assunção, diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (Sintusp) do Brasil e militante do grupo de mulheres Pão e Rosas ademais de Sarah do Coletivo de Estudantes Solidários aos Trabalhadores em Luta e do grupo feminista francês ROSA.
As intervenções de Severine e Diana colocaram experiências concretas de luta das trabalhadoras para pensar o tema de gênero na luta de classes. Severine relatou todo o processo de organização das mulheres do grupo 3 Suisses e a necessidade que encontraram de unir-se a outros trabalhadores em luta, como os operários da Goodyear e da PSA Aulnay.
Diana, a partir da experiência das trabalhadoras precárias no Brasil, que está retratado em seu livro « A Precarização tem rosto de mulher », defendeu uma visão marxista revolucionária sobre o tema da opressão e a necessidade de lutar de forma combinada contra a exploração capitalista. Com mais de 70 pessoas passando pelo debate, fez-se uma importante discussão que expressa os principais debates do fmeinismo francês: há uma classe burguesa e uma operária, ou há uma classe de mluheres e uma classe de homens? Severine, a partir de sua luta, demonstrou como a unidade concreta entre mulheres e homens trabalhadores, lutando contra todos os preconceitos na própria classe operária, é o caminho para levar as lutas até a vitória.
Diana colocou categoricamente que o que define uma classe é sua localização na produção, e que portanto há uma classe que é dona dos meios de produção, e que essa classe não é formada somente por homens. As feministas burguesas que defendem a unidade d einteresses entre todas as mulheres teriam que explicar como, por exemplo Hillary Clinton poderia fazer uma aliança com as mulheres do Oriente Médio que vivem sob a intervenção imperialista de seu país. Diana terminou dizendo que era utopia pensar na emancipação das mulheres enquanto se mantinha uma sociedade baseada na exploração, e que na França as mulheres tinham as melhores tradições para resgatar hoje, como das combatentes da Comuna de Paris, que além de lutar por seus direitos como mulheres, foram parte da luta por impor a primeira experiência de poder da classe operária da história.
A estudante Sarah interveio chamando todos os estudantes a aliar-se à classe operária, apoiando suas lutas, e lutando junto às mulheres trabalhadoras para conquistar todos os nossos direitos.
Entrevista com Séverine, ex-trabalhadora de 3 Suisses
e membro das Licenci'elles
« Pensavam que o assunto acabaria rapidamente. Certamente porque éramos mulheres, dispersas, não-organizadas. [...] Hoje, lutamos por nossa dignidade»
« Pensavam que o assunto acabaria rapidamente. Certamente porque éramos mulheres, dispersas, não-organizadas. [...] Hoje, lutamos por nossa dignidade»
No
fim de janeiro de 2012, o grupo 3 Suisses decide fechar as 35 lojas
distribuídas por toda a França para se concentrar nas vendas pela internet e
por correspondência. Nessa marcha, são 149 trabalhadorxs que deverão ser
demitidxs, a despeito dos lucros colossais registrados pelo grupo Otto. 68
trabalhadorxs se opuseram a essas demissões e decidiram lançar um combate
diante do tribunal do trabalho. Ao mesmo tempo, fundam a associação
Licenci’elles para sustentar sua luta e propor a outras mulheres assalariadas
que encontram as mesmas dificuldades de isolamento e precariedade, um quadro de
organização e de apoio. Hoje, perto de uma centena, as Licenci'elles fazem
barulho na mídia e se unem às lutas atuais como a dos trabalhadores da
Goodyear. Séverine de Licenci'elles, ex-trabalhadora de 3 Suisses, nos conta o
percurso dos combatentes.
Révolution Permanente: Em quais condições ficou
você sabendo do projeto de fechamento das lojas 3Suisses e de tua demissão?
À época, eu era responsável pela loja
em Saint-Etienne. Havia então 35 pontos de venda e 152 empregados envolvidos
(147 mulheres e 2 homens). Já em 2009, tinham-se tornado 850 pessoas e somente
36 foram atacadas. Éramos os próximos na lista. E ela não parava de se estender
com o anúncio de uma nova deslocalização daquilo que resta dos centros de
chamada.
Sobre o que nos diz respeito, foi em
fevereiro de 2011 que ficamos sabendo da notícia... por uma conferência
telefônica! Foi assim! Os distintos chefes responsáveis pela loja lá foram
convocados. Em seguida, ficou a nosso encargo, sozinhos, de anunciar isto a
nossas equipes. Não houve qualquer acompanhamento, não se tinha nenhuma
informação sobre as datas exatas, nenhuma resposta a nossas questões. A direção
mentiu para nós igualmente sobre a possibilidade de uma recontratação
potencial. Claro, essa possibilidade nunca apareceu. No espaço de um ano, houve
uma só e única vista do setor de RH. Não fizeram nenhuma proposta de
remanejamento, e sim propostas falsas. Eu, por exemplo, se me propunha tornar
responsavel de logística. Mas isso não tinha nada a ver, eu trabalho na
venda de roupa. Em verdade, eles não nos tomaram a sério. Pensavam que não
tínhamos a capacidade para responder essa falcatrua. Se quisessem fazer as
coisas corretamente, nos fariam propostas de remanejamento que fossem sérias.
Verdadeiramente, não há nenhum respeito. Nos enganaram por muito tempo.
Atacaram-nos pessoalmente em nossa dignidade, nos tratando como merda. Foi
isso, creio, que nos prontificou a reagir...
Grosso
modo, pensavam que o assunto rapidamente seria ultrapassado. Certamente porque
éramos majoritariamente mulheres, dispersas pelos quatro cantos da França.
Porque, é verdade, a maioria das companheiras não eram sindicalizadas, não se
tinha qualquer cultura de luta. Eu, por exemplo, era a primeira vez que fazia
uma greve. A primeira ação foi de nos agruparmos na Croix, à sede, para
contestar as demissões, depois de uma reunião organizada pelos responsáveis
sindicais, no estacionamento. Desde então, começaram as medidas de intimidação
da parte da direção. Discurso de culpabilização, chamado à “razão”, propuseram
além do mais aos assalariados assinar um acordo individual, no qual acordavam
um cheque de 6 a 9 meses de salário contra a promessa de não criar problemas se
presentando no Tribunal do Trabalho.
Foi
totalmente ilegal, pois nossas demissões não tinham sido ainda notificadas.
Alguns cederam a esta chantagem, sob os golpes da pressão, das obrigações
financeiras e familiares. Foi verdadeiramente muito duro.
Os
fechamentos aconteceram em janeiro de 2012. Para 68 dentre nós, decidimos
denunciar a situação no Tribunal do Trabalho. O processo está em curso, posto
que hoje contestamos sua “justificativa econômica”.
RP: Em que momento apareceu a ideia de fundar o
coletivo Licenci’elles?
Na
primavera de 2012, começamos a tomar contato com os assalariados envolvidos
pelas mesmas medidas que nós no setor têxtil. Com os “Paru-Vendu”, nos
manifestamos diante da Assembléia Nacional em abril de 2012. Ademais, quando se
é mulher, se é frequentemente mais precária. Nos persuadimos de que era preciso
nos associar com as companheiras que vivem a mesma situação que nós. Por
conseguinte, reencontramos os ex-trabalhadores de Lejaby, de Samsonite, via
nosso advogado, Fiodor Rilov, que os defendeu. Entramos também em contato com
uma trabalhadora nos caixas do supermercado ED, que conhecimos depois de uma
reunião das mulheres em luta organizada pelo Front de Gauche. É o mesmo
procedimento que se aplica muito entre eles, e que cria o isolamento e o
fatalismo. A ideia apareceu de criar uma associação para contribuir com um
apoio àqueles que se encontram nas mesmas dificuldades, em um setor muito
feminizado, que raramente é sindicalizado, portanto débeis frente aos ataques
ao emprego. Mas também para lutar contra as demissões nos grupos e empresas que
têm lucro.
De
golpe, montamos essa associação com as 68 companheiras que foram à justiça
contra a 3 Suisses. No começo, tratava-se de criar uma ajuda específica,
jurídica, mas também de transmitir uma experiência num setor que não tem uma
cultura de luta. Esses diferentes encontros nos inspiraram muito, notadamente
aqueles com os Lejaby. Nós, ao início, não éramos cobertos pela mídia. Depois
começamos a interpelar a mídia, a fazer barulho ao nosso redor. Fizemos barulho
pela via das redes sociais. É verdadeiramente a partir de abril que começamos a
nos fazer conhecidas, notadamente conduzindo ações ao lado de outros
trabalhadores em luta.
RP:
Efetivamente, hoje, nos vemos vocês ao lado dos trabalhadores da Goodyear, que
não são portanto do mesmo setor que vocês, nem de um setor muito feminino. Como
você explica essa evolução?
Encontramos
os trabalhadores da Goodyear em um piquete de greve em fevereiro de 2012. Eles
nos lançaram: “Onde estão os pneus?” Marie, uma Licenci'elles, lhe
respondeu: “Estaremos no Tribunal do Trabalho no dia 22 de março. Venham
com os pneus.” Eles responderam ao chamado e vieram nos apoiar no tribunal
depois de nossa primeira conciliação. O acolhimento foi maravilhoso,
verdadeiramente dava prazer. Com efeito, nos encontramos na mesma perspectiva.
Nós lutamos pelos empregos, e não pelos cheques. Sabemos que as indenizações
vão depois de alguns anos à Pôle Emploi (agência oficial de procura de emprego),
sem recuperar o trabalho, nas regiões onde o desemprego se tornará massivo,
como em Amiens na Goodyear. E depois, no momento em que constituímos o
coletivo, nos demos conta que não éramos as únicas envolvidas, que a coisa ia
muito além do setor da venda de roupa. As demissões massivas, com a PSA,
Sanofi, Virgin, Goodyear, Candia, e os outros, tocam todos os setores e todo o
mundo está envolvido. E para fazer as coisas mudarem, é preciso que combatamos
todos juntos. É preciso sair de nosso próprio caso pessoal, de isolamento, no
qual acreditamos estar quando somos deixados à porta da rua. Certamente, há
diferenças, mas a causa é a mesma. São os trabalhadores que sofrem, esperam, as
empresas não se importam. Eles pensam que com um cheque vão calar a nossa boca.
De
golpe, decidimos empreender um projeto de lei contra as demissões nas empresas
que têm lucro com os representantes de 30 fábricas diferentes (Faurecia,
Candia, Sanofi, Goodyear, Bigard...). Colocamos uma proposta de lei ao
Ministério do Trabalho a 12 de fevereiro, então que diante de suas janelas,
estávamos reunidos com os trabalhadores de Candia, de Sanofi, de Goodyear.
Uniram-se também a nós uma delegação da PSA Aulnay. Que as fábricas demitam
enquanto têm lucros acumulados, com dividendos aos acionários, é inaceitável.
Não podemos os trabalhadores pagarmos por isso. É absolutamente necessário
evitar os fechamentos de fábrica. É preciso também desconfiar dos números que
nos são mostrados: são manipulados para nos fazer engolir qualquer coisa. Por
exemplo, o grupo 3 Suisses atacou as ajudas públicas da região, mas disso
ninguém fala. É um escândalo! E é por isso que é necessário lutar.
RP: Que repercussão você tem sobre teu engajamento
enquanto mulher que luta pelo seu emprego?
Integrar-me
em uma associação de mulheres, é isso que me deu forças. Pois é preciso poder
resistir a tudo. Como fazer para te construir, retomar confiança em si mesma,
manter uma vida social, quando se chega a ser demitida aos 35 anos, e se está
sem emprego?
Para
mim, o fato de me mobilizar me transformou. Se você me tivesse dito, há três
anos, que eu entraria em greve contra o meu patrão, eu teria rido. Para mim,
tudo isso era desconhecido. Minha demissão, eu a vivi muito mal. Me coloquei
muitas vezes em questão. Mas, havia duas opções: assino e me deprimo, ou
levanto a cabeça. Eu, prefiro ser capaz de me olhar no espelho pela manhã. É
uma questão de dignidade.
Eu
estou orgulhosa porque não me deixei comprar. A luta me permitiu encontrar
pessoas excepcionais, descobrir uma nova faceta de mim mesma que não conhecia
antes. Eu me abro mais, tomei confiança. Mesmo se é difícil – há a excitação na
mobilização, depois quando volta para casa, é o down, a depressão –
há muitas gratificações. Eu conhecí Marie das Licenci'elles e
outras pessoas excepcionais. E depois você colhe sementes na luta, aprende com
a experiência dos outros. No contato com os trabalhadores da Goodyear,
melhoramos muito a comunicação com a imprensa. Do fato de nossas
irrupções frequentes na mídia, aprendemos a transmitir nossas convicções,
nossas ideias, a torná-las mais fortes. E é por isso que cumpre conduzir
conjuntamente o combate!
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