sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Novo ENEM: a falsa democratização do ensino superior

Por Iaci Maria, estudante pré-vestibular e militante do Pão e Rosas

Nos dias 5 e 6 desse mês ocorreu o tão falado e esperado ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio. Este exame foi criado em 1998 com a finalidade de avaliar o desempenho do estudante que conclui o ensino médio. Nos últimos dez anos, o que ele fez foi acrescentar alguns pontos à nota dos vestibulares para dar uma “forcinha” aos vestibulandos, e também foi utilizado como método de seleção de bolsistas para o Programa Universidade para Todos (ProUni), após a criação deste em 2004. Mas, em 2009, houve mudanças: “O Ministério da Educação apresentou uma proposta de reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e sua utilização como forma de seleção unificada nos processos seletivos das universidades públicas federais”[1]. Os principais objetivos seriam democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior, possibilitar a mobilidade acadêmica e induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio.

Mudança feita (sem aprovação geral dos vestibulandos), chega a semana do exame e uma bomba estoura na mídia: o Exame foi cancelado por suspeita de fraude! A prova vazou, e a credibilidade do Inep, logicamente, despencou. No primeiro ano do Novo Enem, o ano que serviria de exemplo de "democratização" para os próximos - segundo o Governo Federal – ocorre essa imensa falha que leva os vestibulandos a duvidar da segurança dos vestibulares mais concorridos. E não podemos tirar-lhes a razão.

Passados dois meses do vazamento, os inscritos enfim realizaram a nova prova, mas sem esquecer-se do absurdo acontecimento, e ainda cobertos de indignação. Esta prova mostrou-se na verdade uma prova de resistência, e não de conhecimentos gerais, pois as questões eram longas, mal redigidas, confusas e em nível de grandes vestibulares concorridos. Isso me leva a crer que o tal “processo seletivo democrático” não passou de um funil social, elitizando cada vez mais o acesso ao ensino superior ao invés de democratizar, como dizia a proposta governista. Sem contar as cidades do Espírito Santo, onde não houve prova devido aos alagamentos.

Mas além de tudo isso, uma das coisas que mais me chamou atenção neste exame promovido pelo Governo Federal foi uma questão onde a única resposta correta incentivava a exploração do trabalhador rural em prol do lucro gerado[2]. Em vésperas de ano eleitoral fica claro que o Novo Enem serviu para alavancar uma campanha política petista, com um discurso esperançoso de democratização. E se uma questão desse tipo é colocada para cerca de 2,5 milhões de estudantes do Brasil inteiro[3], é porque é este tipo de política que o atual governo compactua e não nega.

Foi em meados da década de 70 do século passado que se deu início à reforma do ensino no Brasil seguindo os moldes da educação estadunidense, o que levou à desvalorização do ensino fundamental e médio público e ao crescente número de escolas particulares oferecendo ensino de qualidade por mensalidades altíssimas. O ensino superior conseguiu resistir a essa reforma por um tempo, mas é fato que sua privatização é o próximo passo, pois o governo, que tem condições de investir em educação e garantir vagas presenciais a todos, não o faz para investir em banqueiros e empresários, e em vagas nas particulares através dos programas de bolsa, sucateando assim o ensino superior público e suas pesquisas.
O que devemos fazer é mostrar para a juventude trabalhadora brasileira que sonha com uma vaga em uma universidade pública que eles têm este direito! Temos que desmascarar o discurso de campanha de Novo Enem e sua democratização do ensino superior, pois a única maneira realmente democrática de acesso à universidade é o fim do vestibular e a estatização das particulares. Vamos unir forças para mostrar ao governo Lula que o modelo de democracia que ele propõe não é a democracia que queremos. Queremos a real democracia, onde quem trabalha e paga pela universidade pública esteja lá dentro, sem precisar passar por “Novo Enem”!

[1] http://www.enem.inep.gov.br/enem.php
[2] A questão citada pertencia à prova de Matemática e suas tecnologias, e era: "Uma cooperativa de colheita propôs a um fazendeiro um contrato de trabalho nos seguintes termos: a cooperativa forneceria 12 trabalhadores e 4 máquinas, em um regime de trabalho de 6 horas diárias, capazes de colher 20 hectares de milho por dia, ao custo de R$10,00 por trabalhador por dia de trabalho, e R$1000,00 pelo aluguel diário de cada máquina. O fazendeiro argumentou que fecharia contrato se a cooperativa colhesse 180 hectares de milho em 6 dias, com gasto inferior a R$25000,00. Para atender às exigências do fazendeiro e supondo que o ritmo dos trabalhadores e das máquinas seja constante, a cooperativa deveria
A) manter a proposta
B) oferecer 4 máquinas a mais
C) oferecer trabalhadores a mais
D) aumentar a jornada de trabalho para 9 horas diárias
E) reduzir em R$400,00 o valor do aluguel diário de uma máquina "
Pelo gabarito oficial, e fazendo todos os cálculos, chega-se a alternativa D: aumentar a jornada de trabalho para 9 horas diárias, sem aumento de custo.
[3] Havia 4,1 milhões de inscritos no exame, mas a abstenção foi de 37,7%, a mais alta dos 11 anos

2 comentários:

Ricardo Malagoli disse...

Ótimo texto!

Abs.

Ricardo - PSTU-MG.

Anônimo disse...

Eu estava meio incrédula quando diziam que o ENEM ficaria mais difícil.

Eu, com os meus botões, pensava: "Não tem lógica ficar mais difícil, porque o Governo e sua mídia está falando que vai democratizar o acesso ao Ensino Superior; e também, já não basta os vestibulares mais concorridos serem difíceis, até o ENEM será?"

Mas a verdade era essa mesma. O ENEM foi ridículo. Prova longa (principalmente, na minha opinião a do primeiro dia que era de História e Geografia), mau elaborada, dúbia em diversas questões e etc (todos que fizeram sabem bem desse 'et cetera' de que eu falo).

Enfim,
De tão indignada não tenho mais nada a dizer.

E é isso.