sexta-feira, 4 de março de 2011

Por um 8 de março anti-imperialista e anti-governista:

Carta às companheiras da CSP-Conlutas, da Anel e à direção majoritária do Movimento Mulheres em Luta

Hoje, todas nós nos inspiramos no fervor das mulheres egípcias, tunisianas, líbias, que saem às ruas, junto à juventude pobre e aos trabalhadores, para dar um basta aos desmandos das ditaduras desses países e para lutar contra o desemprego, por melhores condições de trabalho e melhores condições de vida. O processo revolucionário no Egito e agora a insurgência dos trabalhadores e do povo da Líbia permitem às revolucionárias e às organizações de mulheres, sindicais e estudantis trazer com força a ideia de revolução. É com esta perspectiva que vemos a importância de abrir uma discussão com as companheiras sobre como podemos unificar as lutas dos setores antigovernistas e anti-imperialistas neste 8 de março.

Nesse ano, o fato da Presidência estar nas mãos de uma mulher instiga ilusões em diversos setores de mulheres a partir da ideia de que se abrem as portas para conquistas de igualdade entre homens e mulheres por dentro da sociedade capitalista, esta que se sustenta, além da exploração, na opressão de mulheres, negros, homossexuais, etc. Sabemos que isso não é possível. Porém, as direções do movimento de mulheres atreladas ao governo Dilma, como a Marcha Mundial de Mulheres, cumprem o papel de aprofundar essas ilusões, impedindo a organização independente das mulheres trabalhadoras e jovens e fazendo-as esperarem por respostas de Dilma às suas demandas. E é exatamente essa estratégia que estão implementando no 8 de março desse ano, ao se negarem a levantar com força a bandeira do nosso direito ao aborto, direito esse atacado diretamente pela presidenta que querem preservar, e ao não denunciar em nenhum momento a política do governo de explorar ainda mais as mulheres, com por exemplo os cortes públicos de R$ 50 bilhões já anunciados por Dilma, que atingirão mais profundamente as mulheres. Algumas delas inclusive vão diretamente exaltar e comemorar o fato de uma mulher ter chegado à presidência, como no bloco de carnaval que estão organizando, no qual desfilarão com faixas de presidenta. Porém, sabemos que esta política também é compartilhada e implementada pelas companheiras do PSOL, que tem uma política mais complacente com Dilma no seio das que nos reivindicamos antigovernistas. Vemos essa como uma estratégia que vai no sentido oposto ao exemplo das mulheres, do povo e dos trabalhadores árabes que começam a mostrar que a luta mais profunda por direitos, e dentre estes os das mulheres, se dá conjuntamente com o combate aos governos que nos oprimem. Ao contrário do que diz Dilma e os grupos de mulheres governistas, o momento histórico das mulheres será obra das próprias mulheres em uma luta independente dos Estados burgueses. Isso não se dará pela via da ascensão de uma ou meia dúzia de mulheres a cargos de poder nesse sistema capitalista. Isso será parte da luta de classes, como estão mostrando as mulheres árabes, no Egito, Tunísia e Líbia, fazendo reviver uma nova primavera dos povos!

Nesse ato unificado do 8 de março, a depender da Marcha Mundial de Mulheres, o que não aparecerá é que esse governo é sustentado também às custas de empregos precarizados, majoritariamente preenchidos por mulheres negras; que é este governo que se elegeu tendo que criminalizar as mulheres por fazerem aborto; que é o governo que mantém o seu exército liderando a invasão militar no Haiti, política forjada pelo imperialismo estadunidense, que estupra as mulheres, massacra o povo negro, e assassina todas e todos aqueles que se levantam contra a miséria que vivem, principalmente depois do terremoto de janeiro de 2010; que é o mesmo que não rompeu relações com o governo de Mubarak, contrapondo-se, assim, às justas demandas das mulheres, do povo e dos trabalhadores egípcios. Assim, defendemos que os setores antigovernistas devem ter uma política independente, com um bloco totalmente delimitado no ato e travando uma luta política para disputar o espaço com as direções governistas. Acreditamos que as mulheres da CSP-Conlutas e da Anel nesse momento devem desmascarar profundamente esse governo, apontando outro caminho para as jovens e trabalhadoras: o da organização independente aliada à classe trabalhadora para lutarmos pelo direito e pela legalização do aborto, contra a precarização do trabalho, pela retirada das tropas brasileiras e imperialistas do Haiti, e levantando a mais ampla solidariedade ao povo árabe pela queda de Kadafi e contra qualquer tipo de intervenção imperialista na região.

No último período, uma campanha gigantesca, liderada pela Igreja Católica, Evangélica, deputados e senadores – para a qual Dilma deu seu aval na sua campanha presidencial – foi impulsionada contra um direito elementar nosso: o direito ao aborto. Com esse tipo de campanha, os espaços que se abrem são para esses setores conservadores e assassinos só avançarem ainda mais sobre nós, dando mais “legitimidade” perante a população para a criminalização das mulheres que fazem abortos, assim como para a morte de muitas destas, em sua maioria mulheres pobres, negras e trabalhadoras (além de preservar os lucros homéricos das clínicas que fazem abortos clandestinos, com os quais se beneficiam, por baixo dos panos, esses mesmos setores antilegalização).

Nós, mulheres, temos o papel de reverter esse quadro, denunciando a hipocrisia do Estado brasileiro e seu governo atual que falam “em nome da vida”, mas que pisa no sangue de milhares de mulheres que são criminalizadas ou morrem por abortos clandestinos, que não disponibiliza condições dignas de vida às mulheres que decidem ter seus filhos e a seus filhos, com creches, escolas, moradia, alimentação, e que assassina todos os dias a juventude nas periferias, principalmente os jovens e negros – ou seja, as que mais sofrem com a falta desse direito são as trabalhadoras, justamente aquelas que, por conta do veneno ideológico que lhes é injetado, são contra o aborto; e por isso mesmo é que nós temos que mostrar a elas a crueldade do Estado e da Igreja, que além de não garantirem nem o direito ao aborto e nem o direito pleno à maternidade, ainda incutem em nossas mentes a culpa (pecado) por fazê-lo. Nós temos o direito de decidir sobre nossos corpos e nossas vidas, e não ficarmos submetidas à predestinação da maternidade simplesmente porque o Estado e a Igreja querem. Exigimos que a educação seja laica e que inclua a educação sexual nas escolas para decidir, anticoncepcionais gratuitos para não engravidar, e o aborto livre, legal, seguro e gratuito para não morrer, assim como o fim do acordo Brasil-Vaticano. E lançar com toda a força essa campanha hoje, iniciando-a no 8 de março e depois dando continuidade a essa luta, além de ser dela que dependem milhares de vidas de mulheres, é a forma mais concreta para desmascarar esse que é o primeiro governo de uma mulher no Brasil.

Sabemos que essa é uma bandeira fundamental para todo o movimento de mulheres, e por isso propusemos nas reuniões unificadas de organização do 8 de março que fizéssemos desta um dos eixos centrais para a unidade da luta por nossos direitos. A unidade de todos os setores feministas seria um primeiro passo para uma ampla campanha massiva pelo direito ao aborto. Porém, mais uma vez as organizações como a MMM preferiram abrir mão da luta pelo direito ao aborto para manter seus acordos com o governo, a partir da estratégia de um embate puramente parlamentar, e nesse sentido contrapondo-se a uma luta com independência de classe frente ao governo Dilma. Nesse marco, essa unidade não serve para arrancarmos nossos direitos.

No atual cenário de crise econômica, que hoje se abate principalmente sob os países da Europa e do norte da África, se coloca como necessidade para os governos, dentre eles o brasileiro, como forma de prevenção, a redução de custos e ataques aos direitos da classe trabalhadora. A aprovação do salário mínimo no valor miserável de R$ 545 vai nesse sentido, assim como o resgate bilionário de Lula aos banqueiros e grandes empresas em 2009, em detrimento de melhorias reais das condições de saúde, educação e moradia, dando de ombros para a tragédia das enchentes que vemos todos os anos acontecerem; assim como militariza as favelas, com as UPPs, e assassina a juventude pobre e negra para impor uma “paz social” capaz de receber endinheirados turistas para assistirem à Copa de 2014 e às Olimpíadas de 2016, o que traz rios de dinheiro a empresários brasileiros e ao próprio governo, e violência e desocupação de moradias aos pobres e trabalhadores; e assim também Dilma já anunciou um corte de gastos públicos de R$ 50 bilhões. E as mulheres sofrem duplamente com essa situação.

Também consideramos, por esses motivos, bastante importante levantar essas questões como uma das lutas que as mulheres trabalhadoras terão de travar, mas, ao invés de colocar isoladamente a questão do salário mínimo, mostrar como salário mínimo aprovado faz parte de um plano de precarização de todos os âmbitos da vida de trabalhadoras e trabalhadores, da juventude e dos negros. E com isso levantar como reposta a luta pelo salário mínimo do Dieese, que é o que corresponde de fato às necessidades das famílias, boa parte delas sustentadas pelas mulheres.

No entanto, se faz necessário, em primeiro lugar, desmascarar Dilma para que as trabalhadoras não tenham nenhuma ilusão nas promessas do governo de uma mulher, e saiam a lutar com independência de classe. Dizer que sua política não será a de honrar as mulheres e nem de erradicar a miséria, como ela alardeia, e que sua prática já desmente. Dizer que esse é o governo das mortes e criminalização de mulheres por abortos clandestinos, e da precarização da vida das mulheres que não fazem parte da classe dominante e que não estão em cargos de poder.

Frente aos levantes no mundo árabe, o processo revolucionário aberto no Egito e a rebelião popular na Líbia, os imperialistas norte-americanos e da União Europeia tentam se relocalizar. Após estabelecerem bons negócios com o regime líbio durante anos, agora os imperialistas querem criar condições para intervir direta ou indiretamente em defesa de seus interesses econômicos, e por isso tentam se descolar das figuras dos ditadores questionados. Aos que ocupam o Haiti, o Iraque e o Afeganistão cometendo todo tipo de massacres contra povos oprimidos, e que sustentam o Estado de Israel contra o povo palestino, não lhes interessam as reivindicações do povo árabe. Os imperialistas buscam se reacomodar depois da queda de Mubarak e com as fraturas do regime líbio. Temos que ser nós, as mulheres anti-imperialistas, as que nos colocamos ao lado das mulheres, do povo e dos trabalhadores da norte da África e do Oriente Médio que estão protagonizando levantamentos nestes países, e que não devem se deixar seduzir pela fraseologia imperialista, que busca substituir um despotismo por outro, como acontece hoje no Egito com o governo ditatorial da Junta Militar. Da mesma forma, devemos combater qualquer tipo de demagogia do governo Dilma que não rompeu relações com Mubarak, mostrando seu atrelamento com o imperialismo norte-americano, contrário às demandas do povo e dos trabalhadores que derrubaram o ditador, e que agora condena as violações cometidas por Kadafi sem denunciar a intervenção imperialista que se prepara para tentar subjugar ainda mais um povo. Apenas o exercício do poder por parte dos trabalhadores e camponeses pode garantir pão e liberdade aos que se levantam contra Kadafi!

Por esses motivos, fazemos um chamado para construirmos juntas um bloco antigovernista e anti-imperialista que combata veementemente a estratégia de conciliação de classes das direções governistas e que faça uma denúncia contundente do governo Dilma, e que junto à sublevação das mulheres e dos povos árabes possamos mostrar que a luta das mulheres por seus direitos, aliadas à classe trabalhadora, é parte fundamental da luta de classes. Que por esta via nos colocamos pelo direito ao aborto e sua legalização, por educação sexual nas escolas e preservativos, e pelo fim do acordo Brasil-Vaticano. Que permita colocar nossa solidariedade à luta do povo árabe contra os regimes ditatoriais, assim como contra qualquer tipo de intervenção imperialista, denunciando o governo Dilma que não rompeu relação com Mubarak no Egito e que agora continua calada frente a mais uma tentativa de subordinação de povos oprimidos pelo imperialismo norte-americano e europeu. Fazemos esse chamado para que exista uma clara posição antigovernista e anti-imperialista no ato unificado para disputar a consciência das mulheres trabalhadoras e jovens que estarão no ato porque querem arrancar nossos direitos, e com nossas forças discutirmos também com as companheiras do PSOL para que rompam seus acordos com as governistas e que marchem junto a nós.

Saudações,

Grupo de Mulheres Pão e Rosas

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