Os 90 anos do assassinato de uma das mais célebres dirigentes revolucionárias de todos os tempos
Por Marina Fuser, estudante da PUC-SP e integrante do Pão e Rosas
(...) Aqui estou deitada nesta cela escura, num colchão duro como pedra, enquanto à minha volta, no edifício, reina a habitual paz de cemitério; parece que estou no túmulo (...) De tempos em tempos ouve-se o ruído surdo de um trem que passa ao longe, ou então, bem perto, sob minhas janelas, o pigarro da sentinela que, com suas botas pesadas, dá alguns passos lentos para desentorpecer as pernas. A areia estala tão desesperadamente sob esses passos, que todo o vazio e a falta de perspectivas da existência ressoam na noite úmida e sombria. E aqui estou eu deitada, quieta, sozinha, enrolada nos véus negros das trevas, do tédio, da falta de liberdade, do inverno – e apesar disso, meu coração bate com uma alegria interior desconhecida, incompreensível, como se debaixo de um Sol radiante eu estivesse atravessando um prado em flor.” (Carta à Sonia Liebknecht)
Essas são as palavras em uma das diversas cartas redigidas no cárcere por uma das dirigentes revolucionárias mais notáveis que a humanidade já conheceu. Eis que em 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e seu camarada Karl Libknecht são presos e assassinados, possivelmente, por obra direta da social-democracia alemã. Como representante da ala esquerda da socialdemocracia alemã, ela é morta para pôr fim a sua persistente luta contra a política social patriota de apoio à guerra imperialista[1], da direção majoritária da socialdemocracia alemã e da II Internacional[2]. O corpo da revolucionária polonesa, que faleceu antes de completar o seu 48º aniversário, foi encontrado no canal Landwehr em junho do mesmo ano. Aqui jaz uma revolucionária que morreu comprometida até o último suspiro com a luta pela revolução social e pelo fim das classes e hierarquias que dividem a humanidade.
Nascida em 1871, mesmo ano da ilustríssima “Comuna de Paris”, a jovem polonesa já participa de círculos socialistas clandestinos desde que conclui o ginásio em uma escola para moças, em uma Polônia efervescente e contestatória contra o domínio do tzarismo russo. Perseguida pela polícia tzarista, é obrigada a refugiar-se em Zurique em 1888, onde dá início ao ensino superior na cátedra de economia. Em 1890 conhece o jovem lituano Leo Jogiches, seu grande amor de juventude e camarada pra toda a vida. Em 1898, defende a sua tese de mestrado acerca d´O desenvolvimento Industrial da Polônia e em seguida, muda-se para Berlim, afim de trabalhar para a social-democracia alemã. Em seus primeiros trabalhos, trava conhecimento com Clara Zetkin, uma das raras mulheres dirigentes, a despeito das pressões machistas e conservadoras predominante nas altas cúpulas do partido.
Em 1899 publica o trabalho que a consagra frente à ala esquerda do Partido Socialdemocrata Alemão (PSDA). Trata-se de uma polêmica intitulada Reforma ou Revolução?, que combate as posições reformistas de Bernstein, um dos porta-vozes de maior ressonância no partido. Em linhas gerais, Bernstein busca uma via pacífica ao socialismo pela via de reformas, adaptando-se integralmente ao regime parlamentar em detrimento do que há de fundamental no pensamento de Karl Marx. Em defesa dos princípios do marxismo e da revolução social, Rosa trava uma luta cabal, denunciando o revisionismo e oportunismo que sela o triste destino da II Internacional.
Sob o pretexto de insultar o imperador Guilherme II em um discurso público, Rosa é detida pela primeira vez na cidade de Zwickau, na Saxônia em 1904. Em dezembro, retorna à sua terra natal para fortalecer a revolução na Rússia, que tivera início em princípios de 1905. Ameaçada pelo banho de sangue que se seguiu com a derrota da revolução, Rosa é presa e permanece no cárcere até julho, quando embarca rumo à Finlândia, onde é apresentada a Lênin. Seu discurso no congresso do PSDA em Jena também lhe rende dois meses de cadeia. Depois de muita turbulência, Rosa passa a lecionar Economia Política e História Econômica na escola do PSDA. Suas divergências no partido começam a suscitar lutas políticas inconciliáveis. Rosa Luxemburgo contrapôs a espontaneidade das ações das massas à política conservadora da direção socialdemocrata, principalmente após os acontecimentos revolucionários de 1905 na Rússia. Seus vínculos políticos com Kautsky também têm os dias contados, uma vez que este se postula em defesa da monarquia.
Após ter lançado mão de uma retórica sofista em nome da paz, eis que em 4 de agosto de 1914, os parlamentares do PSDA votam os créditos de guerra, solicitando aos trabalhadores que abram mão da luta de classes momentaneamente em prol da defesa da nação junto aos imperialistas na I Guerra Mundial. Sua vasta influência sobre o movimento operário alemão significou uma trégua nas lutas salariais e uma unificação com a burguesia. A atmosfera de traição aberta levou Rosa a se enfrentar com a cúpula de seu partido, quando publica as Teses Sobre as Tarefas da Social-Democracia Internacional, onde sublinha:
A atual guerra mundial reduziu a nada os resultados de quarenta anos de socialismo europeu, arruinando a importância da classe operária revolucionária enquanto fator de poder político (...) Ao votarem os créditos de guerra e ao proclamarem a Sagrada União, os dirigentes oficiais dos partidos social-democratas da Alemanha, da França e da Inglaterra (...) reforçaram o imperialismo na retaguarda, comprometeram as massas populares a suportar pacientemente a miséria e o horror da guerra e assim contribuíram para o desencadeamento desenfreado do furor imperialista, para o prolongamento do massacre e para o crescimento do número de suas vítimas: partilham pois a responsabilidade da guerra e das suas conseqüências. (...) equivale a uma traição aos princípios mais elementares do socialismo internacional, aos interesses vitais da classe operária e a todos os interesses democráticos dos povos. (...) Ao abandonarem a luta de classes enquanto durasse a guerra e ao remeterem-na para o período do após-guerra, a social-democracia oficial dos países beligerantes deu tempo às classes dirigentes de todos os países, de reforçarem a sua posição a expensas do proletariado no plano econômico, político e moral. A guerra mundial não serve nem a defesa nacional, nem aos interesses econômicos ou políticos quaisquer que sejam; é unicamente um produto de rivalidades imperialistas entre as classes capitalistas de diferentes países pela supremacia mundial e pelo monopólio da exploração e da opressão das regiões que ainda não estão submetidas ao Capital.
Em consonância com Leon Trotsky, Rosa defende que os operários lutem em prol dos seus interesses de classe, pela revolução social, lembrando o triste episódio da “Comuna de Paris”, em que em plena guerra franco-prussiana, a burguesia francesa alia-se à burguesia inimiga para esmagar a classe operária francesa que empossara-se do poder na cidade de Paris. Resultado: sangue francês escorrendo pelas mãos de uma aliança espúria de uma burguesia que prefere, via de regra, defender os seus interesses de classe aos interesses nacionais. A traição da social-democracia ao votar os créditos de guerra em sua bancada parlamentar em nome dos interesses nacionais não só acarreta em um novo banho de sangue, mas coloca a classe operária a deriva da ascensão do nacionalismo que vem a surgir no após-guerra.
Eis que no seio do PSDA, surge a Liga Spartakus, núcleo de esquerda dirigido por Rosa e seu camarada Karl Libknecht, que se orientará por um programa revolucionário a despeito da guinada à direita da cúpula do partido.
A Revolução Russa de 1917 trouxe à Alemanha novas esperanças. Presa por sua agitação política contra a guerra, Rosa elabora em sua cela escritos sobre a Revolução Russa, onde defende a Revolução Russa como “o fato mais prodigioso da guerra mundial”, atribuindo o fato à classe operária russa, que toma consciência de suas próprias forças por sua própria experiência. Aqui se dá a polêmica de Rosa Luxemburgo, que se apóia na ala minoritária do II Congresso do Partido Social-Democrata Russo de 1903, que ao ser voto vencido acerca do programa, das táticas e da organização do Partido e em defesa das “velhas organizações soltas” e contra “estatutos de organização inspirados no espírito do centralismo” (nas palavras de Lênin, em sua carta-resposta). A supervalorização de Rosa a expontaneidade das massas e sua incompreensão dos princípios que norteiam o centralismo democrático, que em nada condiz com o “ultra-centralismo” descrito pela autora em Partido de Massas ou Partido de Vanguarda, a conduzem a erros e imprecisões bastante graves. Mas isto não impede Lênin de prestar suas homenagens fúnebres, pouco tempo depois de seu assassinato: “A esses (críticos) responderemos com um velho ditado russo ‘Às vezes, as águias descem e voam entre as aves do quintal. Mas as aves do quintaljamais se elevarão até as nuvens. (...) Mas apesar de seus erros, foi para nós e continua sendo uma águia”.
A Revolução Alemã de 1918 foi derrotada; Rosa depositara todas as suas esperanças na luta pelo fim das classes e por devolver a dignidade que foi usurpada da espécie humana. Em 8 de novembro em Berlim, eencontra-se livre para dar sua última batalha. Pelo jornal Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha), escreve os artigos inflamados. Participa da fundação do Partido Comunista Alemão em 31 de dezembro. Mas o curso da história segue um rumo diferente do que defendia a nossa revolucionária. A República de Weimar sela o triunfo da Social-Democracia Alemã, mas não são os operários que se encontram no poder. A revolução é traída, e Rosa, assassinada. A classe operária alemã caminha rumo à ascensão do nazismo, e o futuro não promete um futuro vermelho.
Rosa Luxemburgo foi indiscutivelmente uma das grandes dirigentes de proletariado revolucionário internacional. Uma mulher que deu um combate a ferro e a fogo em prol de suas posições, em nome da revolução social, e do fim da opressão e da exploração que subordina a maioria dos seres humanos. A 90 anos de seu assassinato, a classe operária de conjunto deve muito à ilustre "Rosa Vermelha".
[1] Frente à guerra o SPD se dividiu em três tendências diferenciadas: a direita, que progressivamente foi adotando uma política imperialista de apoio a guerra; os chamados marxistas de centro liderados por Kautsky (apelidado por Rosa Luxemburgo de "líder do pântano"), quem sustentava uma postura anti-guerrerista limitada; e a ala revolucionária, da que Rosa Luxemburgo era sua principal inspiradora, que denunciavam o caráter imperialista da guerra e chamavam a derrotá-la mediante a revolução.
[2] Antes disso, no 20 de fevereiro de 1914, Rosa Luxemburgo foi detida por incitar os soldados à rebelião.
*Leia também o artigo "Rosa Luxemburgo" de Bárbara Funnes
no livro "Lutadoras. Histórias de mulheres que fizeram história"
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