A Universidade é um espaço de construção, onde construímos a nós mesmos enquanto futuros profissionais, mas também construímos, desconstruímos e reconstruímos aquilo que entendemos como objeto de estudo. No campo das ciências humanas, esse processo de construção passa pela construção do pensamento humano, em todas as suas nuances. Se nos deparamos com limites nesse processo de construção, esses limites estão condicionados pelo próprio sistema, que coloca a universidade e a produção do conhecimento a serviço dos interesses da classe dominante. O que está em voga é a construção do pensamento social, aquilo que se espera é a reprodução e a manutenção do status quo. Não é por acaso que as atuais bolsas de pesquisa estão vinculadas ao que é considerado “rentável”, aquilo que esteja em consonância com as demandas do mercado. Partindo dessa lógica, não há espaço na universidade para o pensamento crítico. O potencial transformador da universidade é cerceado, as vagas na universidade pública são restritas a uma reduzida elite, e cada vez menos há espaço para a construção do novo. Tudo está sujeito às pressões do mercado, atualmente em bancarrota. O ensino também encontra-se em bancarrota.
Dentro desse cenário, onde se situa a questão da mulher? Se nas décadas de 1960 e 1970, a universidade brasileira e latino-americana de conjunto acompanhou o boom das produções teóricas e acadêmicas que caracterizaram a segunda onda feminista mundial, isso só ocorreu pois houve uma necessidade de se compreender os fenômenos que sacudiram a realidade: eram os movimentos sociais que entravam em ebulição. O maio francês de 1968, a Primavera de Praga, o ano de 1968 em vários países, como a Itália, a Grécia, a Argentina, o Brasil, os Estados Unidos, etc. O exemplo estadunidense foi o mais emblemático do ponto de vista dos movimentos sociais, pois essa década marcou a revolução sexual, quando mulheres literalmente rasgaram os sutiãs contra o conservadorismo da sociedade, havia protestos massivos contra a guerra do Vietnã, e os movimentos ditos “de minorias” se acenderam: os Black Panthers, os Black Power, o movimento contra a homofobia conhecido por Stonewall em alusão à resistência contra a repressão policial, etc. Se a eclosão dos movimentos sociais foi um fenômeno mundial que marcou a virada dos 1960 para os 1970, na América Latina, isso ocorreu em um cenário bastante peculiar: isso ocorreu em plena ditadura militar.
Esse fator pode ser entendido como obstáculo e até mesmo um freio, mas ao mesmo tempo contribui para a crescente politização dos movimentos sociais, que tinham um inimigo em comum. As produções acadêmicas acerca da questão da mulher nessa época estão profundamente vinculadas com uma militância prática. Daqui podemos destacar alguns nomes importantes, como a Heleieth Saffioti, a Helena Hirata, a Zuleika Alambert, etc. Em meandros da década de 1980, isso reflui. Por que? Alguns fatores contribuíram para tal: Com o processo de redemocratização, os movimentos sociais sofreram um importante desvio, sendo cooptados pela iniciativa privada, pelas ditas ONG´s, sendo departamentalizados no seio de partidos políticos que disputam as eleições, constituindo catalizadores de votos descomprometidos com um programa capaz de responder às suas demandas. Nesse processo, o movimento de mulheres é fragmentado e desarticulado, adaptando-se ao regime democrático sem que essa “democracia” levasse a cabo as demandas mais fundamentais, como o direito a escolher pela maternidade, diferente do que ocorre nos países centrais, onde o direito ao aborto é compreendido no âmbito dos direitos humanos. Ainda assim, na década de 1980, são criados núcleos de pesquisa que tratam do tema da mulher, sobretudo vinculada à saúde pública. Cada vez mais, essas produções acadêmicas são desvinculadas de uma prática militante, e passam a tratar de temas cada vez mais específicos. Essa fragmentação contribui para a sua marginalização, sendo a sua apropriação restrita a disciplinas optativas, fora das grades curriculares dos cursos de ciências humanas.
De acordo com um quadro esboçado por Martha Narvaz e Sílvia Koller da UFRGS, o cenário é alarmante:
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), de 2005, revelam que mais da metade da mão de obra brasileira (51,6%) é composta por mulheres. Contudo, a participação feminina no mercado formal de trabalho (42%) é menor do que no trabalho informal (57%). Embora apresentem níveis de escolaridade superiores aos dos homens, os salários percebidos pelas mulheres são menores que os deles, mesmo quando desempenham as mesmas tarefas. No tocante à educação pública, as mulheres já representam 51% das matrículas escolares do ensino básico à universidade. De acordo com o censo da Educação Superior/2004, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (INEP/MEC), o número de concluintes do ensino superior brasileiro totalizava 626.617 estudantes, sendo 391.995 (62,6%) mulheres, e 234.622 (37,4%), homens. As mulheres são maioria nas universidades e ocupam espaços semelhantes aos homens na produção científica, mas essa participação não ocorre no topo das carreiras acadêmicas. A melhoria significativa na formação das mulheres não se reflete em termos de participação política e de acesso a postos de decisão: entre os 142 membros de Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras( CRUB) existem 122 reitores (86%) e apenas 20 reitoras (14%). As mulheres também são minorias como coordenadoras de grupos de pesquisa e membros de Conselhos Deliberativos do CNPq.
A universidade engendra também as suas próprias contradições, uma vez que grande parte da força de trabalho terceirizada é composta por mulheres, que trabalham no setor de limpeza ganhando pouco mais que um salário mínimo, para trabalhar nas condições mais precárias, expostas ao constante assédio moral, impossibilitadas de se organizar politicamente na associação de funcionários da PUC e com contratos flexibilizados que facilitam a sua demissão quando melhor convir à administração da universidade, agora regidas sob os ditames do nosso Grão-Chanceler Dom Odilo. A tercerização é o exemplo mais contundente de como sistema se utiliza da opressão para melhor explorar, situando as mulheres negras na base da pirâmide. Desde o Pão e Rosas, realizamos uma campanha contra a terceirização no ano passado, e pensamos que campanhas como essa precisam ser sedimentadas entre os estudantes.
Convido todas e a todos a conhecer melhor o grupo Pão e Rosas. Pretendemos impulsionar uma campanha latino-americana, vinculada a outros grupos, pela defesa do direito ao aborto e contra a ofensiva do Vaticano em tratar mulheres que abortam como assassinas. Hoje na Folha de São Paulo, constatamos mais um escândalo que denuncia um até então bispo, como pedófilo, tendo um caso com uma menina desde que ela tinha 16 anos, e agora, eis que o Sr. Presidente e ex-bispo Fernando Lugo é pai de uma criança de 2 anos, cuja paternidade não foi assumida até ontem, quando o assunto estava nas capas de jornal do país. Esse é apenas um entre os muitos casos da hipocrisia da Igreja Católica, que prega uma coisa, e faz outra. No caso da menina de 9 anos que engravidou por estupro de gêmeos e cuja gravidez oferecia risco de vida, todos os profissionais envolvidos na prática do aborto previsto pela legislação brasileira foram excomungados. O estuprador teve o seu perdão.
Por Marina Fuser, estudante de Ciências Sociais da PUC-SP e integrante do Pão e Rosas.
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