Entre os dias 15 e 19 de março aconteceu a Semana de Mulheres na Ciências Sociais da USP, organizada pelo centro acadêmico deste curso, o Ceupes, com o objetivo de discutir a opressão às mulheres. Contando com a presença de estudantes não só deste curso, mas também da Letras, Psicologia, Nutrição e Enfermagem, os debates e a plenária final propostas pelo CA poderiam ter sido uma grande oportunidade de organizar concretamente as estudantes da USP no combate a opressão após uma semana de discussões teóricas e políticas.
Eventos como esses - cuja realização é importantíssima, afinal, sabemos que o machismo e a exploração das mulheres se expressam também nas universidades - muitas vezes se restringem ao debate abstrato da opressão das mulheres, como muitas vezes aconteceu nas mesas dessa semana. Para nós, do Pão e Rosas, não basta refletirmos sobre como se dá a construção social do gênero (tema trabalhado em uma das mesas), é preciso que saibamos que essa construção está à serviço da nossa opressão e da exploração, que sofremos com a dupla-jornada de trabalho, que recebemos menores salários, que ocupamos os cargos mais precarizados. Somente partindo dos interesses sociais que fundamentam a nossa opressão, entendendo que ela está a serviço do lucro dos capitalistas e da manutenção de sua sociedade de classes, é que poderemos apontar para uma saída mais de fundo para esses problemas.
Mulheres no poder da universidade elitista e racista e do estado burguês não significam um avanço contra a opressão das mulheres!
Atuamos nessa Semana discutindo em cada espaço que não podemos ter ilusões em ascensões sociais de algumas mulheres. Isso ficou claro durante a gestão da ex-reitora Suely Vilela que autorizou a invasão policial na USP e a repressão aos trabalhadores e estudantes em greve, e nem nos governos e grandes capitalistas aos quais elas servem. A superação definitiva da opressão das mulheres só pode ocorrer com a derrubada deste sistema de exploração. Por isso, devemos lutar ao lado daquelas que só têm a perder com este sistema: as trabalhadoras e trabalhadores. É nesse marco que deve se dar a organização das mulheres, na luta, junto aos trabalhadores, na defesa dos nossos direitos e também dos direitos dessa classe!
Lutamos por uma ampla campanha contra a terceirização na USP, pela efetivação imediata dos trabalhadores terceirizados, sem concurso público!
Para nós não basta somente afirmarmos que o machismo também se expressa nas universidades e nos indignarmos com o absurdo caso da estudante Geyse Arruda. No debate sobre este tema, Diana Assunção, trabalhadora da USP, membro da comissão coordenadora da Secretaria de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores da USP e militante do Pão e Rosas, colocou que é fundamental que as estudantes e trabalhadoras se organizem em torno de suas demandas, começando pela luta contra as estruturas de poder antidemocráticas das universidades - que na USP é representada pelo interventor de Serra, Grandino Rodas - que incentivam e perpetuam o trabalho semi-escravo das terceirizadas da limpeza e dos bandeijões, que mantém a universidade racista e elitista com o filtro social do vestibular, que não garante vagas nas moradias e creches para as estudantes mães e seus filhos, que se cala diante dos inúmeros casos de assédio moral e sexual nos locais de estudo e trabalho. Na semana do Ceupes, discutimos que ser consequente no combate à nossa opressão é estar na linha de frente da luta pela incorporação imediata sem concurso público das trabalhadoras terceirizadas, é lutarmos pelo fim do vestibular e pela estatização das particulares, para que os filhos da classe trabalhadora possam estudar gratuitamente, é lutar por mais vagas nas moradias e nas creches. O debate sobre o machismo na universidade deve servir para nos organizar em torno dessas lutas!
Lutamos para que as estudantes estejam ao lado dos professores em greve: Hoje são eles, amanhã seremos nós!
Durante a semana, levantamos a centralidade de apoiarmos a greve em curso dos professores da rede estadual, prestando nossa solidariedade concreta contra a precarização do trabalho docente. Isso, inclusive, se levamos em conta que a categoria é composta por uma maioria de mulheres que sofrem há anos com a precarização do trabalho e com as medidas de precarização do ensino de José Serra. Iná Yakamura, professora estadual e integrante do Pão e Rosas, expressou esses principais problemas na mesa “As mulheres e movimentos sociais”, chamando as estudantes a se unirem com as professoras nessa luta. Por isso nós levamos à frente a resolução votada por consenso de colocar toda solidariedade estudantil à greve dos professores, lutando pelo fim da precarização do trabalho e do ensino.
Mulheres pela retirada das tropas de Lula e do imperialismo do Haiti!
Propusemos também que as estudantes reunidas em tal semana se colocassem à frente de uma campanha pela retirada das tropas do governo Lula e das imperialistas do Haiti, sabendo que são muitas nossas irmãs haitianas que são estupradas e oprimidas pelos soldados a mando do imperialismo e que se trata de todo um povo oprimido por essas tropas, mandadas ao Haiti com o apoio também de Hilary Clinton.
Conformar um grupo de mulheres da USP com independência da REItoria e dos governos, junto às trabalhadoras!
Na plenária final, expressamos a luta dos professores em greve e conseguimos que por consenso fosse aprovada uma ampla campanha em solidariedade a essa greve, como parte de uma luta em comum contra a precarização do ensino. Também conseguimos conquistar o apoio daquelas mulheres à ocupação dos moradores do Crusp (moradia da USP), e juntas votamos também uma campanha contra a mercantilização de nossos corpos.
Porém, após uma semana de discussões, a primeira polêmica da plenária final revelou o que não podia deixar de se aparecer: a posição daquelas estudantes frente a Rodas. Mais uma vez se mostrou que o diálogo que o Ceupes (majoritariamente dirigido pelo PSOL, mesmo grupo da direção do DCE) vem assumindo com Rodas coloca entraves para a organização dos estudantes em geral e das mulheres em particular, já que foram contra que existam assembleias que discutam democraticamente qual o posicionamento dos estudantes frente a Rodas, assim como foram contra que aquelas mulheres presentes se colocassem contra o diálogo com Rodas, e que querem, ao invés disso, abrir o diálogo com as trabalhadoras efetivas e terceirizadas da universidade, e com os estudantes de dentro e fora da universidade etc. Achamos que esta política implementada centralmente pelo PSOL, também entre as mulheres, é a que impede que avancemos para uma atuação independente e combativa, junto às trabalhadoras efetivas e terceirizadas da USP e às professoras do ensino básico. Os frutos da atuação do Pão e Rosas junto a mulheres independentes, durante a semana do Ceupes, mostrou-se também na prática: no ato de professores, as mulheres do Pão e Rosas se colocaram lado a lado dos professores em greve, e com um bloco que contou com cerca de 300 pessoas, entre professores, militantes da LER-QI e do Movimento A Plenos Pulmões e com estudantes independentes de diversas universidades, com toda força cantamos: “Somos todos professores, efetivos e temporários, contra a precarização, igual trabalho, igual salário!” e “Hoje são eles, amanhã seremos nós. Professor e estudante, nossa luta é uma só!”
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Leia, na íntegra, a intervenção de Diana Assunção na mesa do debate “O machismo na universidade”:
Boa tarde. Meu nome é Diana Assunção, sou membro da comissão coordenadora da Secretaria de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores da USP e integrante do Pão e Rosas.
Pra começar este debate é preciso dizer que a opressão dentro da universidade não é um problema individual de cada estudante. Tampouco se expressa somente nos trotes violentos quando as mulheres entram na universidade. A opressão, neste caso, é uma reprodução consciente da opressão que sofrem as mulheres na sociedade de classes, e que, portanto, tem relação direta com a exploração dos trabalhadores e trabalhadoras.
Dizemos então que se trata de uma universidade de classes. Mas porque? Porque impede que a juventude negra, pobre e trabalhadora entre nesta universidade, através do filtro social que é o vestibular. Porque tem uma estrutura de poder que representa os interesses de uma minoria, que é a burocracia acadêmica. Porque enquanto desenvolve altas tecnologias mantém o trabalho semi-escravo dentro da universidade, trabalho que é realizado majoritariamente por mulheres negras que cuidam do asseio, da organização, da manutenção da estrutura física que são tarefas também essenciais para seu funcionamento. Porque nos currículos contribui para a manutenção desta mesma sociedade, porque produz um conhecimento a serviço das empresas, do governo e do estado, e não um conhecimento a serviço da maioria da população, por exemplo, qual a utilidade de botox ou qual seria a utilidade de produzirmos uma vacina contra a dengue? Ou qual utilidade social de desenvolver novos cursos de Segurança Pública para aprimorar a repressão contra o povo, como na Universidade Federal Fluminense-UFF/Niterói, enquanto não se desenvolvem pesquisas na área de engenharia e arquitetura para que o estado construa moradias decentes, para estruturar as cidades de modo que se previnam as conseqüências sociais das enchentes em SP, ou mesmo terremotos como no Haiti, no Chile?
E o que tudo isto tem a ver com a opressão da mulher? A relação disto com a opressão da mulher é que não é possível discutir esta opressão em si mesma, como um aspecto ou um conceito por fora da sociedade de classes em que vivemos, ou seja, por fora do capitalismo – como afirmam muitas teorias pós-modernas. Ao contrário, todos os aspectos que são reflexos diretos da sociedade dentro da universidade estão diretamente ligados com o problema de nossa opressão.
Ora, o problema do acesso à universidade não se restringe somente aos muros da USP. Toda esta juventude da qual falei, que é impedida de entrar nas universidades públicas, acabam ou desistindo de estudar ou sendo obrigadas a pagar mensalidades nas universidades privadas, que também são reprodutoras – e algumas vezes de forma mais gritante – da opressão das mulheres. Vale lembrar-se do caso da jovem Geisy Arruda, que por utilizar um vestido curto foi perseguida por centenas de estudantes e, mais que isso, expulsa da universidade. Neste momento, a luta não era somente contra a instituição em si e o seu “machismo”, mas era contra um sistema de ensino que privilegia as relações de poder, de lucro e de dominação, em detrimento da educação pública e de qualidade. Por isso, exigimos neste momento repúdio e punição aos culpados, mas principalmente a estatização imediata da Uniban, para que toda a juventude do ABC pudesse estudar sem ter que pagar por isso. Na USP não vemos de forma diferente. Assim como em muitas universidades estaduais, o problema do assédio sexual nas moradias estudantis é de um silêncio ensurdecedor nos corredores destas moradias (e silêncio entre muitos professores). Mas a luta contra esta situação, não está por fora da luta pela permanência estudantil, que nos leva diretamente a luta que demos durante a greve de 57 dias no ano de 2009 que tinha como uma de suas bandeiras o acesso à universidade. Porque entendemos também que são muitas as mulheres que têm seus filhos excluídos pelos muros da USP – mulheres que muitas vezes estão mais perto do que nós, como as moradoras e donas de casa da favela São Remo. Essa situação é sustentada por uma estrutura de poder completamente anti-democrática. No último ano, ficou evidente dentro da USP que o fato de terem mulheres no poder não altera a situação das mulheres mais oprimidas e explorados. Por acaso Suely Vilela contribuiu para resolver a situação das mulheres terceirizadas da limpeza dentro da USP, que ganham um salário mínimo, com recorrentes atrasos, assédio moral e poucos direitos? Não, absolutamente nada foi feito em relação a isso. A estratégia de muitas feministas, de querer galgar espaços no “poder público” para avançar num suposto “poder feminimo” só pode ser uma utopia reacionária, afinal, só podemos dizer que no último ano Suely Vilela representou a burocracia acadêmica, o governo do Estado e a burguesia – e não as mulheres da USP. Vale lembrar, também, que foi esta reitora que demitiu o principal dirigente sindical da USP, Claudionor Brandão, e um dos motivos foi a luta contra a precarização do trabalho, quando o mesmo buscou defender as trabalhadores terceirizadas da Faculdade de Educação, onde eu trabalho, contra o assédio moral e as humilhações da chefia. Bom, é evidente que o simples fato de ser mulher não pode nos fazer pensar que há algo em comum entre estas trabalhadoras humilhadas e a ex-Reitora Suely Vilela – ainda que muitas feministas queiram afirmar que sim. Vale lembrar também que toda a política de Suely Vilela tem continuidade agora na gestão Rodas – peça colocada na universidade pelo governador José Serra, para “pacificar” a universidade, mas com cacetetes, como vimos durante sua posse.
O que quero dizer é que, se sabemos que a opressão da mulher perpassa todas as classes sociais dentro desta sociedade, é necessário afirmar que sua combinação com a exploração lhe dá uma conotação diferente, e que necessita também de uma resposta diferente. Isto porque, a própria opressão da mulher é utilizada como forma de dividir os trabalhadores explorados, inculcando o machismo, a violência e as humilhações dentro de nossa própria classe. Combinado a isso, a precarização do trabalho, que se dá majoritariamente sobre trabalhadores mulheres e negras, é mais uma forma eficaz de perpetuar esta divisão.
Contraditoriamente, uma universidade de “excelência”, que reúne o mais avançado do conhecimento, altas tecnologias e projetos visionários mantém em seus espaços físicos esta semi-escravidão de homens e mulheres que se tornam invisíveis no dia-a-dia. Mas é se utilizando também do próprio conhecimento produzido na universidade, que a classe dominante consegue perpetuar sua dominação, pois coloca este conhecimento a serviço de seus interesses. Quantas mulheres saíram da USP pra contribuir diretamente pra manutenção da sociedade de classes? Centenas, como mostraram Eva Blay e Ruth Cardoso no livro “As mulheres da USP” tratando de sociólogas e historiadoras da burguesia brasileira. Ao contrário, é preciso lutar por um conhecimento que se coloque a serviço dos interesses da maioria da população, que incluem os homens e as mulheres da classe trabalhadora, mas também o povo pobre, a juventude que não tem direito a seu futuro, a população negra humilhada diariamente pelo racismo, os moradores das favelas em torno da USP, os trabalhadores precarizados que não se sentem parte de uma mesma classe. Combinado isso, queremos um conhecimento a serviço de resgatar a história daquelas mulheres rebeldes e revolucionárias que contestaram o sistema capitalista, que buscaram subverter a ordem, e que estão no silêncio da academia, que não entraram para os anais da universidade. Destas mulheres podemos tirar lições pra hoje e pro futuro de nossa luta contra a opressão e contra a exploração.
Por acreditar que a luta contra a opressão das mulheres dentro da universidade não está por fora destes debates, que apontei acima, é que, como parte do grupo de mulheres Pão e Rosas construo e coordeno junto a outras companheiras a Secretaria de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores da USP. Queremos transformar nossa Secretaria numa ferramenta de luta das trabalhadoras da USP, não somente as efetivas, mas também as terceirizadas e fundacionais. Queremos que esta ferramenta nos ajude a avançar no conjunto de nossa categoria para que a luta contra a opressão da mulher seja uma bandeira que se faça ouvir nas vozes de homens e mulheres trabalhadoras desta universidade, entendendo que é uma luta do conjunto da classe trabalhadora, lutando contra uma classe dominante que quer humilhar as mulheres para nos enfraquecer ainda mais. Para esta luta, que demos início desde a greve de 2009, com diversas atividades, debates e manifestações envolvendo as mulheres trabalhadoras, acreditamos ser fundamental a aliança com as estudantes que compreendam que para lutar contra a opressão da mulher dentro da universidade é necessário se aliar com aquelas mulheres mais humilhadas aqui dentro, que estão ao nosso lado, a começar pelas terceirizadas, mas também por todas as trabalhadoras da USP. Ao mesmo tempo, é preciso enxergar, principalmente vocês estudantes de humanidades, que a luta dos professores do Estado que ocorre hoje, é também a nossa luta, de hoje e de amanhã. Porque uma categoria composta majoritariamente por mulheres com o trabalho de educar a milhões de jovens e crianças tem muito a ver com o que discutimos aqui hoje, sobre opressão e sobre universidade. Por isso, muitos debates podem ser feitos, e é fundamental que continuem, pra além do 8 de março. Mas hoje, se coloca preemente, a necessidade de questionar esta universidade de classes e também esta sociedade de classes, organizando as mulheres na luta contra esta opressão, mas como parte das lutas mais sentidas das mulheres trabalhadoras, como a luta contra a precarização do trabalho dentro da universidade mas também o apoio incondicional à greve de professores e professoras da rede estadual, nos colocando contra a precarização dos professores e do ensino e buscando unificar as nossas lutas.
Qualquer debate sobre a opressão da mulher que se coloque por fora destas lutas não pode dizer que busca seriamente a nossa emancipação. Porque se entendemos que a opressão das mulheres está completamente vinculada com esta sociedade de classes, devemos entender que só alcançaremos nossa emancipação com a superação desta sociedade e fazer parte das lutas que questionam este sistema é parte de nosso combate contra a opressão das mulheres, lutando lado a lado com as jovens e trabalhadoras, pelos nossos direitos, pelas nossas reivindicações, lutando por uma revolução social, por uma outra sociedade livre de toda opressão e exploração. Por fim, queria dedicar minha fala às mulheres haitianas que lutam contra as tropas brasileiras que dirigem a MINUSTAH, às trabalhadoras e estudantes da USP que protagonizaram a greve de 2009 em defesa de nosso sindicato e da universidade pública e gratuita, e especialmente às sapateiras de Franca que hoje se enfrentaram com a polícia no seu primeiro dia de greve por melhor salários e as professoras da rede estadual que vem protagonizando uma importante greve que se iniciou no último dia 8 de março, dia internacional da mulher. Obrigada.