Publicamos abaixo a intervenção de Gilson Dantas, médico e doutor em sociologia, proferida na atividade organizada pela Secretaria de Mulheres do SINTUSP no dia 28 de maio, em função do Dia Internacional de Ação Pela Saúde da Mulher. A atividade contou com mais de 100 pessoas e foi realizada como parte das atividades da Greve dos Trabalhadores da USP.
Meses atrás foi divulgada por uma pesquisadora e estudiosa da saúde pública da mulher brasileira, uma dissertação de mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina, um trabalho feito com mulheres portadoras de câncer de mama que é muito revelador e deve funcionar como um alerta para a mulher trabalhadora.
Esta profissional da saúde estudou durante cinco anos mil prontuários de mulheres que tiveram diagnóstico de câncer de mama em estágio mais ou menos inicial; acompanhou a evolução – com tratamento - de todos os casos durante cinco anos e ao final do estudo concluiu o seguinte: quase 100% das mulheres que sobreviviam ao câncer de mama tinham título universitário, portanto um grau de renda diferenciado, alto em relação à média da mulher brasileira; das mulheres que já tinham morrido em cinco anos, mais da metade pertenciam à categoria de mulheres negras, analfabetas e, portanto, de baixa renda. Estas mulheres apresentaram um risco 7,4 vezes maior de morrer, se comparadas com as mulheres de mais renda. Em outras palavras, o que ficou ali demonstrado foi que para mulheres jovens que são analfabetas e não-brancas, o diagnóstico de câncer de mama é uma condenação à morte.
Nós estamos falando do câncer de mama, aquele irá trazer 50 mil novos casos no Brasil em 2010 segundo o Instituto Nacional do Câncer, de uma doença que é extremamente agressiva em mulheres jovens (menos de 30 anos), mas com certeza poderíamos falar algo parecido em relação ao câncer de colo uterino – um câncer de prevenção baratíssima e segura – como também se poderia falar coisa parecida dos demais tipos de doenças malignas que mais matam mulheres: se não considerarmos o câncer de pele, em mulheres, os mais freqüentes serão mama, colo do útero, intestino, pulmão e estômago. Ao final da pesquisa, a sua autora, Ione Schneider, estava perplexa e disse que embora já se soubesse muito bem que as trabalhadoras mais pobres só sabiam do diagnóstico do câncer de mama tarde demais em relação às mais ricas mas o que ela não sabia e que a sua pesquisa mostrou claramente, é que a escolaridade, a condição social, tivesse influência tão determinante na sobrevida de mulheres já diagnosticadas com essa doença.
Primeira conclusão: o câncer de mama, antes de ser um problema médico, é muito mais um problema da renda e das condições de vida social da mulher; quem vai decidir, em última instância e em grande escala quem deve morrer ou quem não deve morrer do câncer de mama é a renda e a posição social. E neste item, portanto, a mulher trabalhadora, precarizada, mais explorada economicamente é quem será escolhida para morrer. Evidentemente se trata de um crime, mesmo que não seja tratado como um crime. E evidentemente a mulher explorada já sabia e já sabe disso antes de qualquer estatística: tem plena consciência prática de que para marcar uma simples mamografia, uma simples consulta ginecológica ou até um simples Papanicolau (exame de lâmina, básico para prevenção do câncer de colo de útero), ela sabe que vai percorrer o inferno para conseguir ser atendida e sabe-se-lá se vai conseguir ser atendida a tempo ou se será atendida com a atenção que merece.
A pesquisa mostrou que a mulher trabalhadora pobre/desempregada/precarizada, será aquela que vai ser escolhida para morrer e justamente porque além de não contar com os alimentos, o descanso e as condições de vida e trabalho para poder não gerar e nem alimentar a doença, ela tampouco vai encontrar a proteção e a cura quando for atingida pela doença. Um tumor de mama de até um centímetro, por exemplo, adequadamente tratado é perfeitamente curável, praticamente 100% curável enquanto um tumor de mais de um centímetro, de dois, de três, de cinco, dificilmente encontrará a cura. Coisa semelhante ocorre em outras doenças.
Ou seja, a mesma regra – o descaso do governo - vale para uma série de doenças que atingem especialmente ou exclusivamente o gênero feminino. Podemos citar várias delas, cada uma por si só merecedora de uma palestra: a dura travessia da menopausa e que inclui a osteoporose, o cisto de ovário, o câncer de colo uterino, o mioma, a endometriose, as doenças sexualmente transmissíveis da mulher, os problemas da tensão pré-menstrual, as dificuldades e doenças do exercício da sexualidade e do direito à reprodução (que inclui métodos de prevenção da gravidez, direito ao aborto e naturalmente o direito ao acompanhamento pré-natal, durante e depois da gravidez, inclusive direito à amamentação e à creche) e assim por diante.
Em nenhum destes casos pode-se falar que a mulher trabalhadora está sequer sofrivelmente bem atendida. Câncer de mama, câncer de colo uterino estão virando uma praga. Ao mesmo tempo, sem muita divulgação, quase 70 mil mulheres morrem por ano devido a complicações de um aborto feito em condições de risco. Só em 2006 o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 221 mil internações por complicações de abortos.
Morrem 70 mulheres para cada 100 mil partos, morrem do parto; a tal ponto que esse problema gerou uma CPI em 2000 que, como era de se esperar, não deu em nada.
E se falarmos de homens e mulheres, a previsão para 2010 é de meio milhão de casos novos de câncer, sendo os mais freqüentes, os de pele (não melanoma), próstata e mama.
A massa de mulheres – e neste caso também de homens – da classe trabalhadora é submetida a condições de trabalho e de vida que são uma verdadeira fábrica de doenças esta é a primeira questão que deve ser levada em conta quando se pensa na saúde da mulher; e a segunda questão é que o nosso sistema de proteção e atenção à saúde pública, o SUS, construído para ser universal, accessível e gratuito está se tornando o inferno de filas, o inferno de falta de equipamento e de concentração de miseráveis condições de atendimento.
Em Brasília uma mulher – naturalmente da classe trabalhadora, pobre – tem que esperar oito meses, ou um ano para poder fazer uma cirurgia de mioma; tem que esperar meses atrás de uma mamografia e no parto, quando chega o momento do parto, no Brasil, ela vem sendo vítima de uma verdadeira “epidemia” de cesárias, uma cirurgia na esmagadora maioria da vezes desnecessária e anti-natural na qual o Brasil é tristemente campeão senão um dos campeões mundiais, já denunciado pela Organização Mundial de Saúde, que recomenda que 15% é o máximo aceitável de número de nascimentos por cesárea enquanto no Brasil se pratica 80%. Oitenta por cento dos bebes que nascem, vêem ao mundo na base do bisturi, com todas as conseqüências negativas que isso traz para o bebê e para a mãe. O sistema sai ganhando com as cesáreas, o médico inescrupuloso sai ganhando com as cesáreas, a indústria capitalista sai ganhando com a indústria médica das cesáreas (pelas quais se paga mais do que o parto normal).
E aqui é inevitável que tenhamos que tratar do problema do complexo médico-industrial da saúde, assim como da indústria dos planos de saúde, da mercantilização dos serviços de saúde, dos planos de saúde e das OSS, Organizações Sociais, entidades criadas pelo governo para terceirizar e precarizar os serviços públicos de saúde e também é preciso que se tenha claro sobre como tudo isso terminou reduzindo o SUS – uma conquista das mobilizações da classe trabalhadora dos anos 80 – quase a um engodo, quase a pó.
A história é conhecida de vocês, especialmente das veteranas dos movimentos sociais: só depois de muita luta o governo chegou a criar um sistema como o do antigo INAMPS-INSS e, mesmo assim, na condição de um sistema público de atenção médica apenas aberto a quem tinha carteira de trabalho. Veio a ditadura (para esmagar os movimentos sociais), veio a derrubada da ditadura através dos novos movimentos sociais, de rua e vieram os grandes combates da classe trabalhadora que terminaram levando o governo a criar o SUS; primeiro inscrito na Constituição de 1988 e em seguida propagandeado pelos sucessivos governos como um brinde ou uma concessão quando na verdade era uma clara conquista da classe trabalhadora; sem mobilização e luta dos de baixo nenhum governo jamais quis criar um SUS da mesma forma que nenhuma patronal vai querer reduzir seus custos de produção para liberar a mulher que amamenta ou priorizar a saúde da mulher trabalhadora.
É uma grande bobagem confiar em qualquer patronal. E esse foi o problema já na própria criação do SUS: a CUT, os sindicatos que então eram combativos e que depois terminaram tristemente domesticados e estatizados pelo governo Lula, submissos ao governo Lula (que hoje não é diferente de nenhum governo dos banqueiros), não deram o passo seguinte após a criação do SUS. (Um sistema que, por sinal, já nasceu contaminado pela privatização quando com a Constituição de 1988 cria-se o sistema complementar, privado, que hoje vem a ser é dominante). Este passo seguinte que não foi dado, seria precisamente a luta pelo controle do SUS pelos trabalhadores e, ao lado disso, a criação da indústria de medicamentos pública, estatal (uma Remediobrás que barateasse preço de todo medicamento e incentivasse toda pesquisa médica a favor do povo) e a estatização da indústria de equipamentos médicos sob controle dos operários. Não se fez isso.
O movimento sindical e as mobilizações históricas da classe trabalhadora dos anos 70 e oitenta impuseram o SUS, permitiram a chamada “reforma sanitária”, mas ao não darem o passo seguinte de implantação de um verdadeiro SUS (e não isso que está aí, conformado com uma medicina de segunda, uma medicina precarizada, medicina “de pobre” como eles mesmos chamam), ao não irem adiante, a porta ficou aberta para os famigerados planos de saúde, para o mercenário complexo médico-industrial-hospitalar, para a elitização da medicina e a criminosa situação em que está jogada a saúde da mulher e a prevenção das doenças de homens e mulheres.
Ninguém vai para o plano de saúde privado porque quer. Nenhuma mulher escolhe esperar para poder fazer um exame que a salvaria de um câncer de mama ou de útero. Nenhuma mulher deixa de amamentar seu filho por livre escolha, porque quer. Da mesma forma que toda mulher trabalhadora lutaria e sempre lutará por lavanderias e restaurantes baratos – para ir se livrando da dupla jornada de trabalho – assim como lutará cada vez mais por creches de qualidade para todas as mães no local de trabalho. O problema é que ao não se implantar um sistema de atendimento à saúde que seja universal, público, gratuito e sob controle dos trabalhadores e acompanhado do confisco de toda grande indústria que lucra com a saúde, a mulher trabalhadora ficou na mão, ficou à mercê do que veio depois: os vários governos, seja do PSDB, seja do PT, foram precarizando o SUS, sucateando o SUS, desmontando o SUS (a verba de saúde é mínima diante das necessidades e bem ridícula se comparada com o que o governo manda para os bancos, para o pagamento da dívida pública que hoje é maior do que toda a riqueza que o Brasil gera por ano). A população vem crescendo - cresceu em 15% de 2000 a 2009 - enquanto o número de leitos do SUS decresceu em 26% no mesmo período. Não é preciso ser sociólogo para entender esse sucateamento. E nem é preciso ser estudioso do tema para perceber que a chamada agenda feminina dos serviços de saúde pública é uma vergonha. Os chamados direitos reprodutivos são maltratados sistematicamente. O programa integral de atenção à saúde da mulher, como o governo chama, é outra vergonha. Tudo isso mal saiu do papel da Constituição de 1988. O direito ao planejamento familiar inexiste (assistência ginecológica disponível gratuita, de qualidade e fácil acesso, métodos contraceptivos e abortivos, nada disso existe para a classe trabalhadora). Os tais conselhos de saúde são uma fraude para cooptar movimentos populares e colocá-los a serviço das antipoliticas públicas do governo.
A atenção à saúde sexual e reprodutiva da mulher no nosso país é uma piada de mau gosto. Qualquer mulher trabalhadora sabe em que estado se encontra seu direito à atenção na concepção, na pré-concepcao, parto e pós-parto. E sabe como a patronal trata dessa questão. E sabe onde anda seu direito ao atendimento à criança, nas creches no local de trabalho, seu direito à defesa efetiva contra a violência sexual. Para se fazer uma laqueadura, por exemplo, o sistema vem exigindo na prática, que a mulher tenha mais de 25 anos e dois filhos. Sem comentários. Muita mulher engravida na fila de espera da laqueadura. E isso em um país onde, na faixa dos 15-19 anos a taxa de gravidez explodiu, principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A adolescente simplesmente não tem acesso fácil e nem gratuito à atenção ginecológica, aos métodos de prevenção da gravidez e, frequentemente, sequer às informações necessárias. A escola, quando existe, é autista, é o grande ausente neste tema e não há pílulas suficientes para livre distribuição e nem preservativos. E ainda temos o papa, a Igreja, caminhando na contra-mão de todo esse processo, excomungando a mulher estuprada e livrando a barra do estuprador como ocorreu recentemente no Nordeste.
E agora nos chegam com as famigeradas Organizações Sociais e Fundações, que na verdade são uma forma do governo se desobrigar da assistência pública à saúde, através da criação dessas agências que recebem dinheiro público a rodo para terceirizarem a saúde, implantando sistemas baseados na produtividade (mais consultas em menos tempo, altas médicas antes da hora para “liberar” leitos para novos clientes, por exemplo), baseados na não-realizacao de concursos para contratação de trabalhadores, operando por fora da lei de licitações, por fora do controle do TCU, sem nenhuma transparência em suas contas, funcionando segundo leis próprias (lei das OSS) e, do ponto de vista do atendimento e da classe trabalhadora, funcionando de forma completamente pirata, predatória, precarizando e super-explorando a mão de obra e, no final de contas, representando uma verdadeira confissão, a céu aberto, da inoperância e incapacidade do governo para tocar o serviço público.
Primeiro tiram as verbas do serviço público, depois passam os recursos e também o patrimônio público para o setor privado, para os capitalistas da saúde. É assim que funciona o Hospital Francisco Morato, a Fundação Zerbini, a Maternidade Cotia e tantos outros, sob o famigerado regime de Fudações Estatais de Direito Privado. O próprio secretário de Saúde do Serra, admitiu, recentemente, que das 47 unidades da rede pública estadual paulista, 27, mais da metade delas, portanto, já são geridas por esse sistema OSS. Brutal avanço da privatização da saúde estadual. Brutal e mortal ataque ao SUS. No governo petista do estado de Sergipe acabam de criar quatro fundações para a mesma finalidade: ataque à saúde pública, privatização e terceirização mal disfarçadas. Criadas pelo governo federal em 1997 estas fundações jamais foram combatidas pelo governo Lula. Tudo ao contrário. Todo o sistema de saúde brasileiro está dominado por aquilo que deveria – segundo a lógica do próprio governo – “complementar”: hoje os planos de saúde e as OSS comandam o sistema, o lucro comanda o sistema, a lógica empresarial da maior produtividade com menos custo, cem por cento estranha à saúde humana, é dominante e vem passo a passo, sacrificando o atendimento. São os capitalistas dos planos de saúde e de suas congêneres, as OSS, que determinam que exame você pode fazer, quando pode fazer, quantas consultas por mês pode ter e assim por diante. É absolutamente criminoso determinar que uma mulher, no pré-natal, no final da gravidez, só pode ter “direito” a uma consulta por mês. Só na mente de um nazista – portanto de um empresário ou de algum mega-burocrata do governo – pode nascer esse tipo de protocolo produtivista.
E o resultado disso tudo é que o desmonte do SUS obedeceu à lógica neoliberal de favorecer o capitalismo na saúde. De turbinar indústria privada de medicamentos, de equipamentos e de planos de saúde. Com total apoio do governo vários grupos financeiros se lançaram a formar planos de saúde e, com a lenta destruição do SUS, só restava ao trabalhador que tinha certa renda procurar desesperado ter seu plano privado. O resultado desse processo é conhecido: 42 milhões de brasileiros tiveram que se socorrer do plano de saúde (se contarmos com familiares dá muito mais que 42 milhões de pessoas). Só que plano de saúde não é solução a não ser para os capitalistas da saúde. Numa ponta o plano quer reduzir gastos no atendimento, custos como eles chamam. Já trabalhei em planos de saúde e eles exigem do médico que não gere gastos com exames laboratoriais (a não ser que o plano lucre com o laboratório), com RX, com consulta demorada e nem com nada que seja a favor de elevar a qualidade no atendimento com mais custos. Na outra ponta, o plano explora o médico assalariado, paga mal e sempre faz reajustes detrás da inflação além de proletarizar toda uma massa de médicos. Lamentavelmente, uma parte destes se torna parte da máfia médica ou passa a achar que é natural tratar seres humanos como bestas, como números, aceitando a idéia idiota e nazista da produtividade a qualquer preço, das “metas a cumprir” às custas da qualidade na consulta.
Ao invés de se unirem à classe trabalhadora para impor um atendimento de qualidade, um amplo setor dos médicos e seus órgãos de classe tornam-se cúmplices do mau atendimento em aliança com a CUT, com o governo Lula, com o complexo industrial-hospitalar privado. O SUS paga 10 reais por uma consulta, o plano de saúde paga 25 reais por uma consulta, tudo uma miséria e no final de contas, fica o paciente super-mal-atendido. Resta aos médicos revolucionários procurarem, na luta cotidiana, a única porta de saída para essa armadilha: aglutinar núcleos de trabalhadoras e trabalhadores combativos para gerarmos um movimento que dê aquele passo que não foi dado quando da criação do SUS. E para que possamos deter, de uma vez por toda, essa história de genocídio programado, de um sistema que escolhe – entre os pobres - quem ele vai descartar, quem vai morrer e quem não vai morrer.
No início foi falado que a mulher trabalhadora não é atendida com a atenção que merece. E que seu direito reprodutivo – direito à sexualidade saudável, direito à proteção à maternidade e ao próprio corpo – assim como suas doenças específicas são tratadas, pela patronal, como assunto de segunda categoria e que, no final, para nós trabalhadores, resta um sistema sucateado, deixado à mingua. Não existe orientação para como atravessar a menopausa, como enfrentar a osteoporose com a boa alimentação, consumindo os alimentos que nos protegem, não existe garantia do diagnóstico a tempo de qualquer tipo de câncer, não existe a prevenção às varizes, aos problemas de pele, não existe a adequada atenção para doenças sexualmente transmissíveis, não existe a livre disponibilidade da pílula ou de todo tipo de método anticoncepcional, de métodos que permitam à mulher ter controle sobre o que é seu, seu próprio corpo, de ser feliz com ele, de poder ver seu filho crescer em creches no local de trabalho, de dispor de locais onde comer e onde lavar a roupa sem ter que comer porcaria em lanchonete e sem ter que trazer sua marmita de casa. Tudo isso foi pontuado.
Mas antes de finalizar é importante não deixar de sublinhar que nada disso será conquistado sem luta. Nada disso nos chegará por misericórdia da classe dominante ou de qualquer patronal. Se o problema fosse de misericórdia – ou de cidadania, um termo que supõe a ficção do Estado neutro ou popular – eles não deixariam que o câncer ceifasse vidas desnecessariamente. É o segmento feminino quem mais pesadamente e definitivamente suporta o impacto da gravidez indesejada, por exemplo. Onde andam, então, a Lei do Planejamento Familiar, a própria Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Programa de humanização do pré-natal e tanta papelada que o governo divulga – em nome da cidadania - sobre a saúde da mulher? O Estatuto da Criança e do Adolescente garante alojamento conjunto para mãe e neonato, garante alimentação durante toda a amamentação; alguém já viu isso? Onde? Quanto mais editam leis e normas mais se reduz o orçamento público e mais se sucateia e privatiza a atenção sanitária. E o parto normal? Por que no Brasil não se vê mais parto normal?
Vale para o homem e vale para a mulher: o homem vem morrendo em massa com o câncer de próstata; a pergunta óbvia: porque não disponibilizam, em massa, gratuitamente, o exame de sangue para o câncer de próstata (o PSA), a ecografia de abdômen inferior, de próstata, para toda a classe trabalhadora? Além do urologista disponível a tempo e a hora? Porque não orientam e não instruem aos trabalhadores sobre a relação alimentação e câncer? Porque alimentos protetores para a saúde são tão caros e de tão difícil acesso? Por que não produzem alimentos sem agrotóxicos? Vai ser preciso lutar por isso. E essa ofensiva anti-operária e contra a saúde da mulher veio crescendo justamente no bojo do recuo das nossas lutas, da ofensiva neoliberal dos últimos quase vinte anos.
O objetivo do sistema capitalista não pode ser outro. Justamente porque o objetivo deles é produzir uma mão de obra cada vez mais precarizada, uma classe trabalhadora cada vez mais dividida, de tal forma que hoje encontramos no mesmo corredor do hospital ou da faculdade, três companheiras trabalhando na limpeza e na manutenção, sendo uma delas CLT, outra delas autárquica (funcionária pública) e a outra delas sem direito algum, terceirizada. Eles querem criar uma raça de mulheres semi-escravas e jogar contra a outra, contra as quase-escravas e estas contra a outra, das carteira-assinada. E isso em um país onde a mulher é mais de 50% da mão de obra, recebendo, no entanto, 40% menos de salário.
A força de toda forma, se formos ao combate, como vocês estão indo, é nossa. Temos que lutar para varrer com tudo isso. O SINTUSP vem dando um exemplo, a secretaria de mulheres do SINTUSP está dando o exemplo, quando reúne trabalhadoras combativas, em greve, em plena paralisação, para discutir essas questões na perspectiva revolucionária que é a da luta para unir a classe trabalhadora em torno do seu programa. Saúdo o companheiro Brandão – por cuja readmissão vocês vêm lutando – e seu sindicato como um exemplo do bom combate, do bom programa (de unidade dos terceirizados e não-terceirizados), da boa luta para que a mulher trabalhadora entenda que ou nós somos lutadores e lutadoras, pelo direito de creche, pelo direito da mulher à sua saúde e proteção à saúde, ou nós não somosnada. A burocracia sindical abandonou o SUS à sua própria sorte, deixou-o nas mãos da burguesia da saúde que está transformando tudo em mercadoria, acumulando capital numa ponta, miséria na outra; a nossa luta deve começar por ser, por isso mesmo, antiburocrática, contra todo tipo de burocracia dentro da classe trabalhadora e, partindo das bases, reconstruirmos um movimento sindical e de local de trabalho que defina bandeiras de luta e de unidade da classe em torno dessas bandeiras.
Saúdo companheiros e companheiras como Brandão, Dinizete, Diana e todos os aqui presentes e que contam desde já com nossa simpatia e solidariedade para o grande combate que mal começou. E pela luta que para vocês é urgente e imediata, inclusive pelo próprio direito de greve, hoje ameaçado pelo corte do ponto, a partir da reitoria e do governo Serra e, no final de contas, acobertados pelo modo petista de fazer sindicalismo que é o que impede, neste momento, uma ampla campanha nacional de solidariedade com a greve de vocês.
Gilson Dantas, São Paulo, 28-5-10