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sábado, 19 de julho de 2014

A luta das mulheres e o transporte público: um debate sobre os vagões exclusivos

Rita Frau, da executiva nacional do MML e Marília Rocha, operadora de trem e uma dos 42 metroviários demitidos, militantes do grupo de mulheres Pão e Rosas.


Há um tempo vem se desenvolvendo na esquerda e no movimento feminista uma discussão acerca da criação de vagões exclusivamente para mulheres (também conhecidos no movimento como “vagões rosas”). Essa discussão adquiriu um novo capítulo no Estado de São Paulo nos últimos dias após aprovação na Assembleia Legislativa do projeto de lei (175/13), no dia 03/07, assinado pelo deputado Jorge Caruso do PMDB, que reserva um vagão específico para mulheres em cada trem da CPTM e metrô de SP. O que falta para ser aprovado é a sanção do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que teoricamente teria 15 dias para dar um resposta.
Junho de 2013 escancarou as condições precárias dos serviços sociais, como o transporte público com tarifas caríssimas, superlotação, quantidade de linhas que não atende a população e os assédios dentro dos vagões dos trens e metrô da qual as mulheres são vítimas todos os dias. Desde o começo do ano a questão dos assédios no transporte público tem tido repercussão e sido bastante debatida entre o movimento feminista, agora com campanhas a favor e contra vagão exclusivo para as mulheres.
Não é à toa que um projeto de lei como este aparece no período de campanha eleitoral, pois a questão dos assédios no transporte público é algo cotidiano, fazendo com que a burguesia, governos e partidos burgueses como o PMDB, que tem como candidato Paulo Skaf, apresentem respostas para se lançarem no cenário eleitoral como combatentes da violência contra as mulheres. A direção do metrô de SP, que obedece às ordens do governador tucano Geraldo Alckmin, como fez com as demissões dos 42 metroviários, já se colocou contrária ao PL declarando hipocritamente que a medida "infringe o direito de igualdade entre gêneros à livre mobilidade", pois sabe que um medida dessa teria seu custo e ainda legitimaria a campanha eleitoral para o PMDB. O metrô que diz isso, é o mesmo que junto ao governador faz uma campanha publicitária onde diz que “transporte lotado é bom para xavecar” e que está envolvido em uma série de escândalos dos cartéis e propinoduto .
O movimento feminista está dividido entre duas posições e estão militando em torno desta questão através de campanhas. De um lado, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), as mulheres da CUT, a UBM (PcdoB), o RUA (Insurgência/PSOL) e grupos feministas diversos tem se posicionado contrários a implementação da lei. A MMM e a CUT afirmam que “a medida, além de um retrocesso, não impedirá o assédio e a violência sofrida pelas mulheres no transporte público”. E ressaltam a preocupação , “com a lotação do vagão exclusivo, aumentem os casos de mulheres sofrendo abuso por estarem ‘no lugar errado’”, afirmando ser uma medida segregacionista e organizaram um “apitaço” no centro de SP contra o vagão. O grupo feminista, “Feminismo Sem Demagogia”, lançou a campanha “Veta Alckmin”, contra a segregação, por educação.
Do outro lado, o coletivo Juntas do PSOL vem apoiando esta medida, e a direção majoritária do Movimento Mulheres em Luta (MML), o PSTU, que desde o I Encontro do MML vinha defendendo que o Movimento deveria encampar uma campanha em defesa do vagão exclusivo, apoia e propaga que a aprovação desse projeto de lei seria, na verdade, uma ”primeira” “vitória arrancada pelas mulheres”, e tem feito campanha pelos vagões.

Uma medida extremamente reformista e parcial que não resolve


O vagão exclusivo para as mulheres é uma medida reformista que não resolve de fundo o problema dos assédios no transporte público que é uma expressão das diversas formas de violência contra as mulheres estrutural do sistema capitalista, que através do Estado burguês suas instituições reproduz a ideologia de que mulheres são objeto sexual que podem ser violentadas para satisfazer os homens, e uma medida como esta é ineficiente no combate a violência contra as mulheres e não tem nenhum objetivo de fazer avançar a organização das mulheres contra os assédios e violência numa perspectiva que coloque abaixo esta sociedade. Além do PL não questionar os problemas enfrentados pela população no transporte público, como as superlotação, que faz com que homens e mulheres sejam carregados em “latas de sardinha” todos os dias propiciando situações de assédio. Portanto consideramos como uma medida extremamente reformista utilizada pela burguesia para dialogar com as necessidades sentidas pelas mulheres usuárias que não resolverá o problema e nem modificará as condições precárias do transporte público, mas que pode representar uma mínima sensação de proteção as mulheres que utilizarem e mesmo assim será ínfima não levando até o final o combate a esta realidade.
Mas não compartilhamos de argumentos como os da MMM, a CUT, UBM e grupos feministas como o “Feminismo sem Demagogia” de que é segregacionista e “autorizará” a violência contra as mulheres que estiverem no vagão misto e por isso é um retrocesso e reacionário. Não é segregacionista e nem reacionário, pois não obriga as mulheres utilizarem apenas o vagão exclusivo segregando-as dos vagões e nem fará com que as mulheres que usarem o vagão misto estejam sujeitas a serem violentadas e culpabilizadas por isso. Esta é uma visão que encara os homens naturalmente como “encoxadores ou assediadores em potencial”, tratando como se fosse apenas um problema cultural de gênero, uma guerra dos sexos em disputa pelo espaço público, e não trata a opressão às mulheres como uma questão estrutural para manutenção do Estado burguês e da exploração capitalista, que através dos governos reproduz a ideologia machista quando também mantém a situação do transporte em condições precárias legitimando situações de assédio.
Uma medida reformista como este PL não pode ser rotulada de reacionária e segregacionista igualando medidas segregacionistas de governos que impõem políticas que legitimam a divisão entre a classe trabalhadora incentivando preconceitos e discriminação de raça, sexo e orientação sexual, como obrigou os negros a não sentarem nos mesmo bancos que os brancos, nos Estado Unidos da América .
Ao mesmo tempo que as mulheres da CUT, da MMM e da UBM fazem o discurso contra a cultura machista, estão ao lado de um governo como o de Dilma (PT) que ganhou as eleições rifando os direitos das mulheres, como a luta pelo direito ao aborto, ao se aliar com as bancadas reacionárias que reproduzem o machismo, a homofobia e o racismo, e o Vaticano, que combate o estado laico e reproduz a cultura machista. O mesmo governo do PT, que no município de São Paulo com Haddad, mantém a situação de calamidade, superlotação, privatização e falta de investimento nos transportes, além de não ter uma política efetiva para combater a violência e o assédio às mulheres. Retrocesso foi o que ocorreu com a luta pelo direito ao aborto no país, e não uma medida extremamente reformista como o vagão exclusivo para mulheres, que minimamente poder trazer algum conforto e sentimento de proteção para as mulheres, mas para isso achamos fundamental que as mulheres usuárias sejam ouvidas sobre o que acham do vagão exclusivo, pois são elas que cotidianamente sofrem esta realidade. Neste sentido defendemos que fossem organizadas pesquisas em cada estação entre as usuárias para que fossem sujeito dessa decisão.
Nós revolucionários lutamos contra toda forma de opressão e pelas demandas democráticas mas com o objetivo de destruição do Estado burguês, através da auto-organização da classe trabalhadora carregando para si as demandas dos setores mais oprimidos e populares, e pela via da violência revolucionária contra o Estado, mas não nos opomos a medidas mínimas que, aos olhos das massas, podem significar uma ínfima melhoria. A Marcha Mundial de Mulheres por um lado faz um discurso contra o machismo e a opressão mas sua estratégia é de mudanças e reformas do Estado burguês, que nunca será capaz de acabar com a realidade de violência que sofrem as mulheres, defendendo um governo como de Dilma de conciliação de classe. O feminismo que não se coloca na perspectiva de destruição do Estado burguês acaba legitimando a luta entre homens e mulheres e optando por saídas reformistas por dentro de um estado burguês que sempre se utilizará da opressão às mulheres, aos homossexuais e negros para sua exploração.

Lutar pela auto-organização das mulheres junto a classe trabalhadora e pela estatização do transporte com controle dos trabalhadores em aliança com a população


O PSTU, tem feito uma campanha a favor do vagão, dizendo que é uma primeira vitória do movimento de mulheres, mas é importante ressaltar que não houve nenhuma campanha do movimento feminista ou das mulheres usuárias reivindicando os vagões como dá a atender, e por isso achamos que é fundamental que as mulheres que utilizam o trem e metrô de SP sejam ouvidas. Se por um lado este medida pode amenizar a situação das mulheres que utilizarem, grupos de mulheres que se reivindicam revolucionários não devem ter como prioridade a agitação de uma campanha por um medida reformista como esta como tem feito o PSTU, setor majoritário do MML, do qual o grupo de mulheres Pão e Rosas também integra.
A lógica do PSTU, de agitar esta campanha e apenas exigir dos governos política públicas, como exigem que o governo Dilma aplique e amplie a lei Maria da Penha, permite depositar ilusões de que os governos podem responder de fundo a realidade da situação de violência e assédio das mulheres, o que a realidade em mostrando o contrário, como o fato da existência da Lei Maria da Penha não ter impedido o aumento da violência contra as mulheres, mostrando que as leis são papel molhado na democracia burguesa. Além de ser um lógica que expressa uma resposta por dentro do adaptada ao Estado burguês e que através de leis formais será possível acabar com a violência contra as mulheres, tem um aspecto eleitoralista e midiático, assim como foi com a “campanha dos alfinetes”, com respostas imediatistas que estão na contra-mão da estratégia da auto-organização das mulheres junto a classe trabalhadora, para que a partir de campanhas realizadas entre os trabalhadores aliados aos usuários possam avançar na luta por um transporte público que de fato atenda os interesses dos trabalhadores e seja combatida toda forma de violência dentro dos trens, ônibus e metrôs.
A principal causa da realidade dos assédios no transporte é a superlotação, o sucateamento dos transportes, e o sistema capitalista que prega o machismo de forma naturalizada. Por isso devemos responsabilizar a empresa do metrô, CPTM e o governo Alckmin para cada caso de assédio que acontecer. A luta por um transporte de qualidade e contra os assédios é parte da mesma luta contra o Estado, governos e patrões. Não nos opomos a existência dos vagões exclusivos para as mulheres, caso seja da vontade das mesmas. Temos que considerar ainda que as mulheres são mais da metade dos usuários que utilizam o metrô em São Paulo diariamente, ou seja, um vagão seria totalmente insuficiente até mesmo deste ponto de vista. Frente a isso a proposta do PSTU, na direção majoritária do Sindicato dos Metroviários, de que se coloque então metade dos vagões exclusivos também não resolve o problema.
O combate a esta realidade de assédio só pode ser efetiva através da auto organização das mulheres junto a classe trabalhadora e lutarmos por um transporte de qualidade retomando as demandas que se abriram em junho pela melhoria dos transportes sendo possível apenas através da estatização do transporte público e que seja controlado pelos trabalhadores em aliança aos usuários, para decidirem os rumos da qualidade e funcionamento dos transportes! Esta é a única forma que de fato pode trazer uma melhoria real das condições do transporte público e da situação de assédio contra as mulheres, fazendo com que os trabalhadores e usuários tomem em suas mãos e controlem, atingindo os lucros das empresas que enriquecem através da corrupção e dos altas tarifas de transporte e contra o estado e governos que se utilizam do transporte precário para manter os lucros a condições de vida precária da população.
Devemos nos organizar nos locais de trabalho e estudo e que os sindicatos e entidades estudantis impulsionem campanhas contra os assédios e violência contras as mulheres, de maneira independente dos governos, partidos burgueses e patrões, fazendo com que toda a classe trabalhadora lute pelas demandas democráticas em avanço a uma perspectiva revolucionária que possa de fato por abaixo essa estrutura da sociedade que mantém a opressão das mulheres e a exploração. O sindicatos do metroviários de SP, dirigido pelo PSTU, deveria impulsionar campanhas em aliança com os usuários contra os assédios e toda forma de opressão nos transportes, assim como lutar por comissões de metroviárias e usuárias a partir da Secretaria de Mulheres do Sindicato para apurar os casos de assédio. As mulheres trabalhadoras efetivas e terceirizadas violentadas ou assediadas devem ter direito à licenças remuneradas no trabalho, com tratamento físico e psicológico pago integralmente pelo governo e pela direção da empresa de transporte onde ocorreu o abuso! E deveriam ser organizadas reuniões por local de trabalho (estação) aberta aos usuários e usuárias para discutir a questão da violência com todos os trabalhadores e com a população!

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