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quarta-feira, 3 de julho de 2013

A educação política das mulheres invisíveis

Por Taynara Marques

Meu nome é Taynara Marques, estudante de filosofia, UFMG, e militante do grupo de mulheres Pão e Rosas. Este texto foi um trabalho da matéria de Filosofia e Educação, onde eu o apresentei em sala de aula, e foi justamente quando eu comecei a militar efetivamente. Eu decidi fazer esse trabalho pois a professora havia pedido que fizéssemos um trabalho relacionado com educação, e foi nesse momento que eu pensei no livro "A precarização tem rosto de mulher", e na educação política que essas trabalhadoras passaram, e assim se conscientizaram que eram exploradas e oprimidas pelo sistema, e através dessa educação política elas passaram a lutar, de maneira organizada, e se tornaram mais fortes.

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Bom, vou iniciar minha apresentação já explicitando que vou falar de um outro tipo de educação, de uma educação que ocorreu fora da sala de aula. Educação essa dos trabalhadores mais precários, do setor mais explorado do país, que possuem menor acesso à educação, mesmo trabalhando dentro de universidades. Esses trabalhadores são na sua maioria mulheres, negras, que realizam uma dupla jornada de trabalho, ou seja, trabalham em empresas por baixos salários (limpando banheiros, inclusive os masculinos) e gratuitamente em casa, por serem responsáveis pelos serviços domésticos e cuidados com os filhos, além de não ter possibilidade de acesso ao ensino superior.

Por isso eu trouxe esse livro que chama “A precarização tem rosto de mulher”, que conta a história de uma luta travada na USP em 2005, por essas trabalhadoras terceirizadas. Com essa luta, essas mulheres colocaram na perspectiva política as suas aspirações por educação frente a vida. Ou seja, passaram a ter uma educação política. Começaram a perceber que tinham direitos e, o mais importante, que deviam lutar por eles. Essas mulheres andavam, muitas vezes, de cabeça baixa, e passavam despercebidas pelos corredores da universidade. Eram invisíveis para a sociedade. Depois de terem vivenciado esse processo de educação, passaram a andar de cabeça erguida. Através desse processo, segundo elas mesmas, ampliaram seus horizontes, que é um dos papéis centrais da educação. Essa ampliação de horizontes fez com que elas avançassem e transformassem a própria vida em vários âmbitos.Se organizaram enquanto classe operária, e passaram a fazer assembléias e eleições de representantes na base, as chamadas linhas de frente, obtendo uma luta mais estruturada. Entraram nas salas de aula para contar suas histórias aos estudantes, lugares que antes entravam só para limpar. Com isso, fizeram com que estudantes (com os quais eram antes proibidas de conversar) saíssem das salas de aula e as ensinassem e também aprendessem com a luta delas. Essa luta teve apoio do Sindicato de Trabalhadores da USP (SINTUSP), um sindicato combativo, que é de trabalhadores efetivos da USP, que as ajudou a conseguir avançar com a luta, já que seu próprio sindicato (SIEMACO), que era um sindicato pelego e estava a serviço do patrão. 

Todo esse processo de luta fez com que elas percebessem que o conhecimento produzido na universidade não estava a serviço delas, trabalhadoras, nem do povo. Perceberam também que eram exploradas e oprimidas, e que esse conhecimento deveria estar a seviço delas, dos trabalhadores e da ampla maioria da população. Com isso, aprenderam que deveriam lutar para exigir que suas condições de sobrevivência fossem garantidas pela universidade, e em maior nível, pelo Estado, como creches, lavanderias e restaurantes públicos, para acabar com as duplas e triplas jornadas de trabalho, e assim ter tempo para se dedicar aos estudos, à cultura, e a própria política. Através desse processo de conscientização, passaram a ter uma visão política crítica, que questionava o papel do Estado na precarização de suas próprias vidas, percebendo que o mesmo atua a serviço dos grandes empresários. Uma mostra disso é que hoje, no Brasil, vivemos sob o governo da presidenta Dilma, uma mulher, que ainda que tenha cedido algumas concessões para os trabalhadores, como o Bolsa-família, são pequenas concessões que não mudam a realidade brasileira da falta de acesso à educação, saúde, moradia, enquanto em seu governo, os bancos e banqueiros lucraram como nunca antes. Essas mulheres ainda ocupam os piores cargos, ou seja, o estado capitalista não dá qualquer saída progressiva às mulheres.

Levaram essa visão crítica para dentro de suas casas, pois perceberam que existe uma cultura machista enraizada em nossa sociedade que faz com que homens e mulheres achem natural que as mulheres sejam as responsáveis pelo trabalho doméstico e filhos. Essa cultura invadia as relações dentro de casa, e as trabalhadoras na luta contra seus patrão, aprenderam que não poderiam ter um patrão dentro de casa, começaram a compreender que a opressão sofrida dentro de suas próprias casas, era uma forma de dividir a classe operária e fortalecer a dominante. E assim discutiram com seus maridos e filhos, e passaram a dividir as tarefas domésticas, pois essa era a maneira de romper com a opressão que os dividia enquanto trabalhadores.

Através dessa educação política, essas mulheres avançaram para lutar pelo fim de todo trabalho precário, pois para o mesmo trabalho elas deviam receber o mesmo salário. E para isso, era necessário o fim da terceirização, que divide e humilha os trabalhadores, e a efetivação de todos trabalhadores terceirizados, sem a necessidade de concurso público, pois já provaram saber fazer os serviços que sempre fizeram.

Por isso a necessidade de que essas lições, aprendidas e ensinadas por essas mulheres, e que não são ensinadas na universidade, deveriam ser passadas adiante, e por isso a necessidade do surgimento desse livro. Esse livro não deve ficar na prateleira, e sim ser passado adiante, como uma ferramenta de educação. Ele mostra a realidade da precarização do trabalho, principalmente para as mulheres, e incentiva a luta contra as condições miseráveis de trabalho e da vida. Num mundo baseado na exploração e na desigualdade social, onde a vida é tratada com mercadoria. Como disse a professora Bia Abramides, da PUC de São Paulo, o livro é “uma rica experiência na qual as mulheres trabalhadoras exploradas, em sistema semi-escravo, buscam a auto-organização”, que é um rico processo de se educar e conscientizar a partir das lutas, único meio que essas mulheres tiveram para ter acesso a algum tipo de educação. No caso, a educação política, a mais necessária para essas mulheres em sua atual situação de precarização. 

O professor Lincoln Secco, da História da USP, em meio ao processo de luta das terceirizadas em 2011, deixou bem claro como as lutas de classe foram retiradas dos currículos universitários e deixaram de ser parte da educação e produção de conhecimento da universidade. Mas mostrou também como a luta dessas mulheres obrigou que essa fosse novamente a pauta do dia, não mais sendo colocada nas salas de aulas, mas invadindo a universidade da maneira mais incômoda: pelos banheiros.

Toda essa precarização do trabalho não é uma realidade isolada da USP. Aqui na UFMG também vemos mulheres invisíveis pelos corredores, limpando nossos banheiros e salas de aula. Elas são impedidas de estarem aqui como nós, dentro dessa sala, devido ao filtro social do vestibular. Essa universidade também produz bastante conhecimento, e cabe a nós, estudantes, decidir como vamos utilizar esse conhecimento que estamos adquirindo aqui dentro da sala de aula.



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