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quinta-feira, 14 de abril de 2011

MASSACRE EM REALENGO: Uma expressão de violência contra a juventude e, antes de mais nada, contra as meninas

Publicamos abaixo artigo de Leandro Ventura,
extraído do site da LER-QI


O terrível massacre ocorrido na escola Tasso da Silveira chocou todos. Até o momento há 12 crianças mortas, além de outras onze internadas sendo três em estado grave. Nos solidarizamos com as famílias, amigos e vizinhos de todas as crianças e professores desta escola.

Esta bárbara tragédia expõe muito mais que tal ou qual motivação e condição psíquica do assassino mas antes de mais uma terrível situação do sistema educacional precário e repressor, da situação da juventude, sem opções culturais e de lazer, as formas de ser de um sistema social, o capitalismo, que é podre, cria e se alimenta de repressões. Sem que exista necessariamente um mandante ou um ideólogo direto por trás desta monstruosidade, este sistema cria constantemente sofrimentos como este que foi barbaramente infringido a estes jovens e suas famílias. Quem apertou o gatilho foi o tal Wellington Menezes de Oliveira porém diversos fatos contribuíram para que isto ocorresse.

Foi homicídio mas, antes de mais nada, feminicídio


Há algo que não tem aparecido nos noticiários que é espantoso frente à realidade do ocorrido. Um assassino que escreve uma carta sobre adultério, virgindade, pureza, e mata 10 meninas e 2 meninos é tratado única e exclusivamente como alguém que matou crianças. Há relatos, como o noticiado pelo O Globo, que o atirador alvejava as meninas na cabeça e os meninos nos braços ou pernas e ainda a mídia trata esta ocorrência como algo sem gênero. Este bárbaro crime foi cometido contra as crianças mas, antes de mais nada, contra as meninas.

É com tamanha naturalidade que se trata e tira os gêneros dos mortos que a própria palavra feminicídio é algo que é absolutamente raro de ser usado em nossa língua, falamos em homicídio ou até de genocídio (de grandes proporções do gênero humano) ou nos de regícidio (matança de reis) mas nunca de mulheres. O ocorrido em Realengo trata-se, principalmente, de assassinato de mulheres. É de se estranhar ou tecer demasiado uma teoria da conspiração, um jovem que escreva sobre pureza e impureza matar principalmente meninas (10 de 12)? É ou não é uma base da maior parte das religiões a noção de que as mulheres seriam especialmente impuras e fonte de toda decadência da humanidade (o pecado original de Eva)? Pouco importa tal ou qual situação psíquica do assassino, sua barbaridade é um ponto mais agudo de uma sociedade que é especialmente violenta com as mulheres e sua sexualidade.

Cotidianamente mulheres são mortas, espancadas, humilhadas ou simplesmente reprimidas por serem “intrinsecamente impuras”. Estes atos cotidianos, sistemáticos e corriqueiros não são tratados com a comoção de Realengo, mas são base para o mesmo. Briga de homem e mulher não se mete a colher, reza a “sabedoria” popular. Um menino que tenha várias namoradas é motivo de orgulho para a família, uma menina que tenha mais de um namorado ou que mantenha relações sexuais freqüentes é motivo de repreensão na rua, na escola, na igreja e na família.

Wellington apertou o gatilho mas esta sociedade machista e patriarcal armou toda uma situação não só para que as mulheres, ditas impuras, sofram todos os dias, como para que o crime que sofram sequer tenha nome. Wellington apertou o gatilho muitas vezes mas são os bispos, pastores, empresários e governantes que garantem o sustento e propagandear de idéias que fundamentam que mulheres não podem ter uma sexualidade livre e que são culpadas pelo destino da humanidade. São estes bispos, pastores, empresários e governantes que forneceram munições para a barbárie de Realengo.

Toda e qualquer religião agora proclama não só como não tem nada a ver como se solidariza com as vítimas e suas famílias. Até o encobridor de estupros e abusos de crianças, o ex-nazi Ratzinger, agora papa Bento XVI, reza com lágrimas de crocodilo pelas vítimas. Dilma chora pelas vítimas mas mantém o acordo assinado por Lula com o Vaticano que institui sua “consultoria” nos assuntos educacionais no Brasil e ainda lhe garante privilégios materiais para manter seus serviços educacionais privados e fiscais para esta religião que “ocorre” de ser uma das maiores detentoras de terras do país.

Cabral e Paes responsáveis por implementar ou continuar o “inovador” projeto que coloca aulas de ensino religioso nas escolas agora falam contra o “monstro” mas se ocultam do fato que ao educação que sustentam mete cada vez mais ideólogos da reação, de idéias como estas da “impureza” da mulher, nas escolas.

Cabral e Paes também são culpados pela situação da juventude e da educação

A violência ocorrida nesta escola em Realengo trás à tona a situação da educação e da juventude. Uma criança relata que no começo da ocorrência em Realengo achavam que eram bombas e não tiros, e que bombas são normais de explodir. Esta naturalização da violência por estas crianças é só uma expressão da situação da juventude e das escolas.

Diariamente dezenas de jovens são esculachados, humilhados, torturados e mortos. Contra esta violência sistemática os governos e a mídia não se levantam. Ao contrário a defendem e a propagandeiam, com seus noticiários, filmes, entre outros. Esta violência é fruto da violência urbana mas também em grande parte feita pela própria polícia. Neste país dito não violento, não racista, todos os dias dezenas de jovens pobres e sobretudo negros são parados, humilhados, e sumidos pela polícia que quando registra estes assassinatos os faz como “autos de resistência” (mas até a ONU registra que são execuções).

Esta é a segurança e a ordem de Cabral e Paes que agora falam contra os “animais” violentos. De pouco em pouco aparecem imagens desta violência nas TVs e logo os governantes se apreçam em mostrar como são maças podres na polícia manaura ou carioca mas nunca o que é, uma violência diária, sistemática e não espetacular como a ocorrida em Realengo.

A política de segurança que está sendo implementada em diversas cidades do país, começando pelo Rio de Janeiro que serve de exemplo a todo país, ainda mais agora com outras cidades como Salvador implementando a mesma ocupação policial testada no Haiti pelo exército brasileiro, é uma política que multiplica esta violência cotidiana. Os jovens nas favelas com UPPs são diariamente revistados, suas expressões culturais e políticas reprimidas. A UPP modelo, a primeira, instalada no Santa Marta em Botafogo, é alvo de denúncias por impedir manifestações e impedir bailes funks e hip-hop.

Esta prisão dita cidadã implementada nas UPPs é uma continuidade da prisão e precarização que impõe aos jovens nas escolas. A preocupação número um é com a presença física, pouco importando se estão cansados os jovens por virem do trabalho, se há transporte e sua qualidade, de como está a situação em casa e nos bairros, há controles de saída das salas e da localidade da escola, uma das novas obrigações dos professores fluminenses. A situação precária no trabalho e com os salários dos professores é mais uma expressão deste descaso com as novas gerações. A escola é repressora, organizadora de repressão, permitindo e autorizando o bullying e as humilhações diárias, multiplicadas agora por uma norma de todos os colégios públicos no Rio de Janeiro terem ensino religioso e reproduzirem aberta ou veladamente ideologias como as que motivaram o assassino Wellington e sua repressão às “mulheres impuras”. A escola que temos é erguida, inclusive fisicamente, de forma similar a um presídio, é uma fábrica de mão de obra para os capitalistas. Sua palavra chave é o controle e não a educação.

Não aceitar que façam de Realengo uma justificativa para mais repressão policial

O massacre ocorrido em Realengo está servindo para um aumento da campanha que está ocorrendo em todo o país, com epicentro no Rio de Janeiro, de para tudo buscar mais polícia. As UPPs, ocupação do Alemão, fenômenos culturais como o filme Tropa de Elite, são a base para este fenômeno. Como que a presença de policiais em cada escola acabará com a violência? São estes mesmos policiais que são responsáveis pela violência contra a juventude. Não podemos permitir que este ocorrido sirva de justificativa para a continuação e aumentar desta repressão. Neste sentido é equivocado o eixo proposto pelo Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE) de denunciar o ocorrido como expressão da falta de segurança nas escolas. Esta falta de segurança não se resolverá com inspetores e porteiros como quer o SEPE ou policiais como quer a mídia. Esta mesma violência é funcional à reprodução de uma situação das escolas e da juventude que liga-se as precárias condições de trabalho da juventude seja no Telemarketing ou nas grandes obras como Jirau. Ter mais inspetores e porteiros como quer o SEPE não ajuda a mudar esta escola repressora, a reproduz sem os cassetes e as armas da polícia. É necessário trazer abaixo esta escola e criar uma outra escola onde sejam os trabalhadores dos bairros, da educação, e os jovens que controlem as escolas do ponto de vista do currículo e até da segurança.

É preciso colocar de pé uma campanha contra a terrível situação das escolas, dos jovens, dos professores, e contra a militarização do Rio de Janeiro que chega a extremos de produzir 13 presos políticos por protestar contra Obama. Nosso eixo de denúncia não pode ser a falta de segurança mas sim a denúncia de um sistema que produz e reproduz a opressão das mulheres, a repressão e assassinatos de jovens, sua repressão e exploração pelos capitalistas.

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