Páginas

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Casamento homossexual é aprovado na Argentina: E no Brasil, quando vamos arrancar este direito?

Por Fernanda Tellez e Camila Radwanski

“A norma sexual, como qualquer forma de ideologia, não é algo que exista por si mesmo, se materializa em toda uma série de instituições sociais que, desta forma, desempenham outras funções. O processo de inculcar a norma sexual se opera principalmente no seio das três principais instituições encarregadas da educação dos indivíduos: a família, a escola, a igreja. (...) Além disso, as instituições encarregadas da reprodução da norma sexual encontram destaque nas instituições repressivas como a psiquiatria ou o cárcere, que cuidam dos desviados”
Jean Nicolas (1774-1823)



Após meses de debate intenso, no último dia 15 de julho foi aprovado na Argentina o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O projeto que foi aprovado por 33 votos a favor, 27 contra e 3 abstenções – e com aprovação de 70% da população – já havia sido pautado duas vezes, mas fora adiado por falta de quorum. A pequena margem, que até o final da sessão colocou em perigo a aprovação da lei, demonstrou divisões entre base e aliados do governo de Cristina Kirchner e os setores mais conservadores, mas principalmente expressou a pressão dos milhares que estavam do lado de fora se mobilizando para arrancar seus direitos. Ao contrário de acreditar que de 'voto em voto' conquistaremos nossas reivindicações, nós não devemos deixar nas mãos dos deputados e senadores, oficialistas ou opositores, a conquista dos direitos democráticos – tais como o direito ao aborto legal, seguro e gratuito; e a separação entre Igreja e Estado.

Não podemos nos abster do real debate. Em um país de maioria católica, como na Argentina, a Igreja, que sempre que está prestes a perder algo de sua nefasta e reacionária influência, não hesitou em fazer uma ampla campanha contra este direito igualitário básico. Fizeram isto quando se tratava da lei do divórcio, e agora em sua “guerra santa” contra os homossexuais, dizendo que a “família é composta por mãe e pai”, ignorando assim a própria realidade do país na qual 30% das famílias são compostas por mulheres que criam seus filhos sozinhas.

Devemos ressaltar a luta exemplar dada pelo Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) e pelo Pan y Rosas da Argentina, que durante todo o processo se colocou ao lado dos LGBTTs mostrando que através da luta é possível conquistar os direitos democráticos. Em meio ao que foi proposto como uma “festa” de comemoração pela luta dada pelos movimentos LGBTTs, o PTS junto ao Pão e Rosas foram os únicos setores que se levantaram para dizer que: Sim! É momento de comemorar!, mas como Andrea D’Atri diz “significa também um primeiro passo muito importante que pode nos permitir avançar em outros direitos e liberdades democráticas, como o direito ao aborto ou a separação da Igreja e do Estado”, portanto, seguir na luta pelos direitos democráticos, como o direito ao aborto, não criando ilusões nos deputados que ditam as regras no governo em aliança com a igreja para garantir que nossos direitos democráticos elementares sejam conquistados, fortalecendo nossa luta com a ampliação de debate na esquerda, convocando a população à discutir as opressões e a forma como as superamos de forma independente dos patrões, dos governos e da Igreja, chamando debates nos locais de trabalho, sindicatos, secretarias de mulheres, universidades, grêmios estudantis. Após essa importante conquista democrática, Andrea D’atri, falando para os milhares presentes na frente do Congresso, junto a companheiras e companheiros do PTS e do Pan y Rosas, gritam: “Agora vamos por mais! Vamos pelo direito ao direito ao aborto livre e gratuito e pela separação da Igreja e do Estado!”

A situação do casamento homossexual no Brasil

O reconhecimento de união entre pessoas do mesmo sexo ocorre no Brasil apenas em decisões judiciais isoladas. O primeiro projeto de lei foi apresentado por Marta Suplicy (PT-SP) em 1995, mas jamais foi colocado em votação pela Câmara. Hoje, a própria Marta Suplicy, em ano eleitoral no Brasil, se isenta do debate declarando à população que este não é o momento adequado para se pautar esta discussão, já que “qualquer tema polêmico significa ganhar votos de um lado e perder de outro”, demonstrando que nessa democracia dos ricos os direitos democráticos são apenas moeda de troca por votos.

O estado do Rio Grande do Sul hoje é o mais avançado do país em relação aos direitos de união civil entre homossexuais, sendo o primeiro estado a publicar uma norma administrativa (da Corregedoria Geral da Justiça do estado) determinando que os cartórios de Títulos e Documentos registrassem contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em julho de 2008, a Corregedoria Geral da Justiça do Piauí também expediu uma norma similar. Há também decisão, datada de 2002, que obriga os cartórios de Títulos e Documentos do município de São Paulo a registrarem tais contratos. No entanto, estas normas não ferem a legislação nacional sobre casamento e união estável em vigência e decisões referentes à direito à herança, pensão, planos de saúde, adoção, entre outros, ainda cabem à decisão final dos juízes. Isto acontece porque tanto o casamento quanto a união estável prevêem constitucionalmente que a família é a união apenas entre “homem e mulher”, sujeita à proteção especial do Estado. Desta forma, fica a critério de juízes garantir ou não as uniões entre homossexuais podendo alegar existir uma legislação federal que a impede.

Como a lei prevê que uma família só é considerada como tal quando há união entre homem e mulher, a adoção de crianças por casais homossexuais somente é possível por parte de uma das pessoas desta relação (no caso de solteiros sejam eles hetero ou homossexuais, a adoção é possível, porém é sujeita à decisão judicial a adoção por parte de casais homossexuais).

O direito ao casamento homossexual é uma bandeira democrática. É lutar para que pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo tenham os mesmos direitos civis que os heterossexuais. Mesmo que como revolucionários não reivindiquemos o casamento em si, por se tratar de uma instituição burguesa com direitos que apontam pra manutenção da propriedade privada e um dos pilares da opressão às mulheres, acreditamos que devemos lutar para que todos seres humanos possam ter o mesmo direito de se casar sem nenhuma diferenciação seja no nome jurídico que se adote, seja em “restrições” como o não direito à adoção por casais homoafetivos, e tendo todas as pessoas em nosso país o mesmo o direito, podem optar ou não por ele.

Eleições presidenciais em 2010: a continuidade da política homofóbica

Após a aprovação do casamento homossexual na Argentina, os três principais candidatos à Presidência do Brasil já se posicionaram a respeito do tema. Marina Silva afirmou que “a gente não pode fazer o discurso do ódio contra essas pessoas. Eu não apoio (o casamento homoafetivo), mas a minha relação é de respeito e de não promover a discriminação”. O que será que Marina Silva entende por discriminação? Pois sendo ela contra a aprovação do casamento entre homossexuais, ela já coloca em prática a sua discriminação diferenciando os direitos dos homossexuais dos heterossexuais.

Enquanto isso, Serra não poupou seu discurso reacionário, afirmando que “é um assunto que Estado não entra, é problema das pessoas. Cada crença tem a sua orientação. Se uma igreja não quer casar, mesmo reconhecendo união civil, a igreja não pode ser obrigada a isso. Se duas pessoas querem viver juntas, ter herança, é problema delas, não é do Estado”. E porque, para ele, o casamento heterossexual é um problema do Estado e o dos homossexuais não o são? Devemos entender que, assim como para os burgueses, Serra entende que o casamento entre heterossexuais é funcional para o estado capitalista, que impõe a dupla jornada de trabalho às mulheres, as têm como meros “seres reprodutivos”, etc.

Já Dilma também não se pronunciou em relação ao casamento homossexual, mantendo a mesma política que tem tido em relação ao direito ao aborto, o silêncio. Mas como diz um ditado popular, “quem cala, consente”, o que nesse caso significa o consentimento para que se perpetue as milhares de mortes por abortos clandestinos, para que se perpetue homofobia e a ausência de direitos iguais para todos os seres humanos que habitam nosso país possam amar quem quiserem e dispor dos mesmos direitos que outra parcela de seres humanos têm, escolher ou não avalizar juridicamente uma relação afetiva, “se casar”.

Enquanto os candidatos jogam a bola para a Câmara dos Deputados, o deputado Paes de Lira (PTC-SP) afirma que o setor que defende esta questão no Brasil é muito minoritário e já tem, para ele, um espaço desproporcional nos debates da Câmara, e acrescenta que “os modos alternativos são uma realidade com as qual temos que conviver, mas essa realidade não encontra respaldo nos fundamentos cristãos de um país como Brasil ou mesmo Argentina. É uma tristeza. É um retrocesso que tem sido apresentado como avanço social. É uma subversão dos fundamentos cristãos, algo terrível para uma nação católica como a Argentina".

No final das contas, os três principais presidenciáveis e suas distintas declarações, nos deixam uma mensagem: têm uns que são mais iguais do que outros. Ou seja, se todos deveriam ser iguais perante a lei, porque no caso do casamento homossexual, seria diferente?

A Igreja e seu papel reacionário


Lula, com seu acordo Brasil-Vaticano, dificulta ainda mais qualquer possibilidade de aprovação dos direitos democráticos tanto d@s LGBTTs quanto das mulheres. Refletindo sua posição no Plano Nacional de Direitos Humanos III quando depois de muita pressão por parte da igreja , dos meios de comunicação, dos militares e de diversos partidos políticos, foram retirados os artigos que acenavam para o apoio à projetos de lei para a legalização do aborto e a união e adoção por casais homoafetivos, além deixar impunes os torturadores da ditadura militar no Brasil, propondo a investigação de torturadoras e torturados aqui sim em pé de “igualdade”.

A intervenção da Igreja no Estado se dá em tantos âmbitos no Brasil que a Igreja precisou “legitimar” esta intervenção a partir deste acordo com o Vaticano, de 2008, permitindo que a Igreja Católica usufruísse de uma série de benefícios envolvendo isenções fiscais, regime trabalhista de religiosos, casamento, imunidades, patrimônio cultural, ensino religioso nas escolas públicas, entre outros. Não podemos deixar que a igreja consuma tanto poder de influência dentro do governo, pois quando precisamos de nossos direitos democráticos, como a legalização do aborto ou do matrimônio homossexual, ela é sempre a primeira colocar sua influência acima de tudo e todos, impedindo que nossos direitos sejam garantidos!

Este pensamento cristão, após as denúncias de pedofilia que saíram contra a Igreja Católica no começo do ano, se defendeu apoiando-se em um suposto estudo “científico” que diz que a pedofilia é própria do comportamento homossexual, não estando esta ligada à castidade. Um absurdo por completo, com o intuito de colocar a questão homossexual como uma “doença”, além de se constituir como uma incitação a homofobia.

Justamente este tipo de pensamento proclamado pelos setores mais conservadores da igreja dá espaço à casos de “especialistas” que se dizem capazes de “curar” a homossexualidade. Em 2009, por exemplo, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) condenou a psicóloga Rozangela Justino que sofreu uma censura pública por parte do mesmo por há mais de 20 anos prometer a cura da homossexualidade aos seus pacientes. Não coincidentemente, esta mesma psicóloga atua também como reverenda, em uma igreja evangélica.

Quando a igreja afirma ser “pecado” a união entre pessoas do mesmo sexo (pois para ela o modelo de família apenas é baseada no matrimônio heterossexual, na monogamia – essencialmente para as mulheres –, e na sexualidade voltada exclusivamente para a reprodução[1]) e fazem suas campanhas “a favor do direito à vida” contra o aborto, respaldam a extrema violência sofrida pelos LGBTTs e as milhares de mortes de mulheres em decorrência de abortos clandestinos.

Às vésperas das eleições presidenciais no Brasil, em relação ao aborto Serra diz que “No que depender de iniciativa do Executivo, porque deputado e senador pode tomar, eu não procurarei mudança na lei atual. Ficará como está”; Marina já se colocou por diversas vezes contra a legalização do aborto considerando ser uma “questão de consciência” e a favor de um plebiscito para discutir o tema no país, enquanto que Dilma se coloca ora a favor do aborto (dizendo que é uma “questão de saúde pública”), ora contra (em resposta à pressão feita pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil por sua declaração “comprometedora”), estando nós, mulheres, a beira de sermos ainda mais criminalizadas e correndo risco de morte com a possível aprovação do PL definido como “Estatuto do Nascituro”[2].

Também não é cabível acreditar que os partidos burgueses darão uma saída efetiva para a conquista dos direitos e diminuição da violência. Sabemos que São Paulo sedia a maior parada gay do mundo, porém esta se recusa a ser um palco de debates políticos acerca desta questão. A parada gay, que surgiu como um movimento de resistência, hoje expulsa os setores mais combativos da esquerda, alegando que não pode abrir suas portas para a discussão “de esquerda”, tornando-se hoje o segundo evento mais lucrativo para a cidade de São Paulo, onde quem lucra é a rede de hotelaria e o comércio voltado para o público LGBTT. No entanto, todos os anos, setores governistas e a burguesia usam este evento como palco de discursos que exaltam uma falsa democracia afirmando que os LGBTTs têm em suas mãos “liberdade de expressão” e que tem do governo seu apoio incondicional.

E a violência continua...

O Programa Brasil Sem Homofobia foi lançado em 2004 a partir de uma série de discussões entre o Governo Federal, ONGs e movimentos LGBTTs com a suposta intenção de “promover a cidadania e os direitos humano de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homofóbicas”[3]. No entanto, o projeto de Lula, impulsionado pela Secretaria de Direitos Humanos, jamais saiu do papel. O maior país católico do mundo também lidera o ranking de maior violência e homicídios contra LGBTTs[4] no mundo, em sua maioria pobres da periferia. O Brasil hoje possui em média 53 homicídios homofóbicos por ano[5], e o papel da igreja de promoção ao ódio aos LGBTTs contribui para que a opressão e violência aumentem.

Não podemos nos esquecer dos Marcelos Campos que morrem cotidianamente em nosso país vítimas de uma sociedade homofóbica e de uma polícia assassina. Marcelo Campos, que morreu em junho de 2009, no mesmo dia da 13ª Parada Gay em São Paulo, espancado até a morte por um grupo de extrema-direita, era negro e homossexual. Quantos Marcelos Campos terão que morrer enquanto a polícia “assiste” e legitima esta violência?

Estatísticas de violência contra travestis e transexuais sequer refletem a real dimensão dos preconceitos sofridos. A sociedade é tão homofóbica que à travestis e transexuais lhes restam apenas a prostituição, onde estes estão ainda mais expostos e vulneráveis à violências.

E agora, vamos também lutar para arrancar nossos direitos?!

Mesmo considerando esta conquista como uma vitória do movimento LGBTT argentino, devemos a partir dela, seguir na luta pelos direitos democráticos, como o direito ao aborto, não criando ilusões nos deputados que ditam as regras no governo em aliança com a igreja para garantir que nossas demandas sejam atendidas, fortalecendo nossa luta com a ampliação de debate na esquerda, convocando a população à discutir as opressões e a forma como as superamos de forma independente, nos sindicatos, secretarias de mulheres, centros e diretórios acadêmicos, grêmios estudantis, encontros estudantis, comissões de fábricas e comitês de bairros. Devemos enfrentar todos os setores conservadores e reacionários para impor nossos mais elementares direitos de igualdade, com a perspectiva de que é preciso, sempre, ir por mais, vivendo numa sociedade tão miserável como o capitalismo, que nos relega opressão, violência e exploração!

- Pela aprovação do casamento entre casais homoafetivos no Brasil!

- Pela aprovação da adoção de filhos por casais homoafetivos!

- Abaixo todas as leis e normas que discriminam e reprimem gays, lésbicas, travestis, transexuais!

- Punição de todos os padres e bispos pedófilos e abusadores!
- Abaixo a homofobia da Igreja!
- Queremos educação sexual para decidir, contraceptivos gratuitos para na abortar, aborto legal, livre, seguro e gratuito para não morrer!

- Anulação imediata do acordo Brasil-Vaticano! Pela separação da Igreja do Estado!

- Contra o Ensino religioso nas escolas! Precisamos de uma educação sexual obrigatória em todos os níveis da educação primária e secundária respeitando a diversidade sexual! Pelo direito ao livre exercício da sexualidade! Contra a homofobia!


[1] Ver artigo “Homossexualidade: Pecado, delito, doença, caricatura... distintas formas de opressão
de Andrea D’Atri, em http://nucleopaoerosas.blogspot.com.
[2] ver artigo “Um brutal ataque aos direitos das mulheres, o reacionário “Estatuto do Nascituro”, de Clarissa Menezes e Fernanda Tellez, em http://www.ler-qi.org/spip.php?article2472.
[3] http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/brasilsem/
[4] Dados publicados pelo Grupo Gay da Bahia, em 2008.
[5] Dados referentes à alguns países Africanos e Asiáticos não estão disponíveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário