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sexta-feira, 16 de julho de 2010

APROVAÇÃO DO MATRIMÔNIO IGUALITÁRIO NA ARGENTINA: “É hora de acabar com as mentiras, a hipocrisia, o obscurantismo”

(Argentina, 15 de julho de 2010) Depois de uma longa jornada de debate no Senado, que começou perto do meio dia de quarta-feira e terminou na madrugada do dia seguinte, foi aprovada a lei do matrimônio igualitário. Conversamos com Andrea D´Atri, dirigente nacional do PTS que impulsiona a agrupação de mulheres Pan y Rosas na Argentina, que participou intensamente na campanha a favor deste direito.

Que significado tem a aprovação desta lei?

AD: É o resultado de uma longa luta do movimento de gays, lésbicas, travestis e transexuais, como também de diversas organizações sociais e políticas que acompanhamos permanentemente a reivindicação de igualdade de direitos. Mas significa também um primeiro passo muito importante que pode nos permitir avançar em outros direitos e liberdades democráticas, como o direito ao aborto ou a separação da Igreja e do Estado.

Justamente, a Igreja montou uma campanha ultra-relacionaria, falando de “guerra santa”. Qual a sua opinião a respeito?

AD: A Igreja, sempre que está frente a possibilidade de perder algo de sua nefasta e reacionária influencia, trava batalha. Fizeram isso quando se tratou da lei do divórcio e agora seu inimigo é a comunidade homossexual. Mas também condenaram Galileu por dizer que a terra girava! Mesmo condenado, lhes disse: “Eppur si muove” (“entretanto, gira”). Hoje, 70% da população se manifestou a favor do casamento igualitário. Isso quer dizer que ainda que a Igreja não queira, isto é um direito conquistado.

Nesta ocasião, idealizaram uma estratégia para atacar o direito ao matrimônio igualitário, se baseando na falácia de que a família só é verdadeira se tem “uma mamãe e um papai”. Mas na Argentina, quase 30% dos lares são sustentados por mães solteiras. E estes, o que são? Também diziam que não se sabia o que poderia acontecer com crianças criadas por duas mães ou dois pais. É certo que as pessoas homossexuais são filhos de uma mãe e um pai heterossexuais. E a Igreja pretende por acaso proibir o casamento tradicional para que não sigam tendo filhos “desviados do plano de deus?” É verdadeiramente ridículo. Nas famílias que eles chamam de “normais”, não são poucas as mulheres vítimas de violência machista, ou as meninas e meninos que são abusados e violentados pelos seus próprios pais.

A Igreja mostra novamente a profunda hipocrisia que a corrói: ontem iniciou um julgamento canônico contra o padre de Córdoba que apóia o casamento gay, enquanto cobre centenas de padres pedófilos e abusadores com seu manto de impunidade. Foi iniciado um julgamento canônico ao padre Grassi depois que foi condenado por abuso de menores? A Igreja separou de suas fileiras o padre Von Wernich que ouvia confissões dos detidos-desaparecidos que eram torturados pelo genocida Camps na ditadura? Não, não fez isso. Por isso é hora de acabar com mentiras, hipocrisia, obscurantismo… Precisamos avançar na separação da Igreja e do Estado, porque os padres levam a frente sua cruzada de ódio, enquanto recebem subsídios milionários que pagamos todos os trabalhadores com os impostos. Se você é gay ou heterossexual, católico, judeu ou ateu, não importa; com os impostos estamos pagando salários de mais de 10 mil pesos aos bispos, subsídios a escolas católicas e mais um monte de coisas. Desde que me lembro, os aposentados reivindicam 82% “movil” [1] e, no entanto, o Estado que diz que não pode pagar essas aposentadorias, para aposentadorias aos padres que nunca trabalharam!

Por isso, voltando ao que te dizia antes, o matrimônio igualitário é um grande passo a frente que não deve parar aí, mas tem que servir para ir além.

A Igreja tentou montar uma provocação no ato a favor do matrimônio igualitário, enquanto era pautada a lei no Senado…

AD: Sim, mas fracassaram. Prenderam uma bandeira na própria grade do Congresso, que dizia “Nem adoção, nem união, só HOMEM e MULHER” e uns trinta começaram a rezar o rosário em uma provocação aberta contra milhares de pessoas que se encontravam ali manifestando seu apoio à lei. Finalmente, com um grupo de jovens gays, as companheiras do Pan y Rosas, militantes de partidos de esquerda e ativistas do movimento LGBTT e com gritos e consignas, conseguimos fazer com que eles se retirassem. Eles fugiram atrás de um cordão policial.

Mas a Igreja conseguiu polarizar a discussão sobre o matrimônio igualitário, colocando o governo como inimigo...

AD: Sim, uma falsa polarização, porque o projeto de lei veio dos blocos de centro-esquerda e foi consensuado pelo movimento LGBTT. O governo se negou a dar quorum em Deputados em duas oportunidades e, além disso, sob a figura da “liberdade de consciência”, tentou ocultar que, em suas fileiras, há dezenas de deputados e senadores clericais e direitistas que estão contra os direitos de gays e lésbicas. A polarização que Bergoglio incitou, acabou favorecendo o kirchnerismo, que pretendia tirar proveito político do projeto. A oposição se deu conta de que o governo poderia sair fortalecido caso se aprovasse a lei e, então, insistiu em remarcar que tinha um corte transversal em todos os blocos, onde todos tinham senadores a favor e contra.

No entanto, entre quem sempre se manifestou contrario ao matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, desta vez houve uma proposta que chamaram de “intermediária”, de união civil. Qual a sua opinião sobre essa alternativa?

AD: Não é nenhuma alternativa. Se tratava de um projeto de direitos especiais para uma comunidade a qual se considera “diferente da norma”. Em síntese: uma lei baseada na discriminação. Eu comentava ao jornalista do Crônica TV que me entrevistou durante o fechamento da rua que realizamos com o Pan y Rosas: “é como se disséssemos que a educação pública é para toda a população, exceto para os filhos de imigrantes, então a essas crianças vamos dar escolas que se chamem de outra forma...por quê?”. A consigna que o movimento LGBTT adotou foi: “O mesmo direito, com o mesmo nome”. Assim deve ser.

Por outro lado, a união civil que propunha a ultra-reacionária senadora Liliana Negre, impedia o direito à adoção e incluía a possibilidade de “objeção de consciência” para os funcionários do Estado de quem dependesse essa união. O que significa isso? Que se um juiz considera que vai contra seus princípios morais ou religiosos unir homossexuais civilmente, poderia não fazê-lo. Quer dizer, o permitia infringir a própria lei!

Com relação à adoção, os argumentos medievais se chocam com a realidade, porque na Argentina, qualquer pessoa solteira pode adotar individualmente, sem necessidade de dizer qual é sua orientação sexual. O que permitiria essa lei do matrimônio é que os casais possam adotar, assumindo ambos os integrantes do casal, os deveres com relação a criança. Isso permitiria que, em caso de falecimento do cônjuge adotante ou no caso de divórcio, o outro cônjuge deve se responsabilizar pela criança adotada. Aos fundamentalistas católicos que andam vociferando sobre os direitos das crianças, há que dizer que essa lei amplia seus direitos, e não o contrário.

Finalmente, a pesar de ter conseguido metade dos votos favoráveis dos Deputados, de contar com o apoio de quase 70% da população, a aprovação da lei esteve permanentemente em situação de “empate técnico” no Senado, correndo o risco de não ser aprovada e com a possibilidade de que ficasse arquivada até o próximo ano. Por que um projeto que conta com tanta aprovação social se encontrou diante desta encruzilhada?

AD: Acredito que a forma em que, finalmente, se aprovou a lei – com uma margem muito pequena, pondo em risco até o último momento os direitos dos gays e lésbicas ao matrimônio civil- mostra que não podemos deixar nas mãos desses deputados e senadores, do “oficialismo” e da oposição, a conquista de nossos direitos.

A estratégia do lobby parlamentar mostrou seus terríveis e perigosos limites quando foi a mesmíssima Igreja que mobilizou milhares de pessoas em todo o país, pressionando os senadores, desafiando com a retirada do apoio. Lamentavelmente, a estratégia privilegiada pelas organizações do movimento LGBTT foi a do lobby, quer dizer, confiar que essa cova de ladrões que é o parlamento, pudesse legislar a favor de nossos direitos, e não colocar o centro em nossas próprias forças. Deveriam ter convocado manifestações que reunissem centenas de pessoas homossexuais e heterossexuais que já disseram basta à discriminação e que apoiaram esta iniciativa.

Se com esta lei chegamos a uma situação de quase empate técnico, como vamos conseguir que se aprove o direito ao aborto livre e gratuito? Como vamos conseguir separar a Igreja do Estado? Evidentemente, será necessária uma combativa e massiva mobilização de milhares para arrancar do Congresso nossos direitos. Consideramos que esta é a primeira conclusão que devemos tirar se queremos seguir avançando. O Pan y Rosas sempre insistiu nessa perspectiva. Não podemos confiar que esses partidos patronais da oposição ou o “oficialismo” aprovarão as leis, sem colocar nossos direitos em risco de serem negados ou condicionados pelos direitistas e fundamentalistas recalcitrantes, se não é pela nossa luta ativa, nas ruas! Temos que nos mobilizar com independência do Estado, do governo e dos partidos do regime, para arrancar nossos direitos do Congresso.

[1] Fórmula usada para reivindicação de reajuste da aposentadoria.

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