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segunda-feira, 11 de maio de 2009

“O Pai da Pátria”

Por Marina Fuser, estudante de Ciências Sociais da PUC-SP e integrante do grupo de mulheres Pão e Rosas

Acusado de ser “o pai da pátria”, e alvo de diversas sátiras por parte da opinião pública internacional, o presidente paraguaio e ex-bispo de São Pedro enfrenta uma crise que coloca em xeque a sua legitimidade de governância. O presidente foi pressionado a assumir publicamente a paternidade de Guillermo Armindo Carrillo Cañete, um menino que está prestes a completar 2 anos concebido enquanto ocupava o cargo de bispo. Em conferência de imprensa no Palácio do Governo, Lugo admite: “Perante minha consciência e em homenagem a toda a população que depositou sua confiança em minha pessoa, manifesto com a mais absoluta honestidade, transparência e sentido do dever, em relação à polêmica suscitada por uma suposta demanda de filiação, é certo que houve uma relação com Viviana Carrillo. Diante disso, assumo com todas as responsabilidades que pudessem derivar de tal fato, reconhecendo a paternidade do menino”.

A mãe da criança, Viviana Carrillo, alega ter relações com o até então bispo desde que tinha 16 anos de idade, o que, de acordo com a legislação paraguaia, caso comprovado, seria qualificado como “estupro” (o que no Brasil seria tratado como um caso de pedofilia). Como se isso não bastasse, outras acusações vêm à tona: Eis que Benigna Leguizamón, apontou-o como pai de um de seus 4 filhos, Lucas Fernando, de 6 anos, nascido em setembro de 2002. Após ter supostamente interrompido o envio de auxílio financeiro ao filho, o presidente teria o prazo de 24 horas para que reconhecesse a paternidade da criança. Caso contrário, a mãe recorreria à Justiça. De acordo com o advogado da Presidência, Marcos Fariña, o presidente aceitou submeter-se ao exame de DNA, mas negou ter tido relações sexuais com Leguizamón. Para complicar ainda mais as coisas, uma terceira mãe, Hortensia Morán Amarilla, também alega ter carregado um filho de Lugo: Juan Pablo, de 1 ano e 4 meses. De acordo com Morán, o presidente é pai de pelo menos 6 filhos não reconhecidos. Porém ela diz que não pretende levar o caso à Justiça. Pressionado, o presidente responde: "Com relação aos acontecimentos que são de público debate, que tem a ver com informes de paternidade referidos à minha pessoa, quero expressar o seguinte: sou um ser humano e por tanto nada humano me é alheio".

Um ser humano que até o momento em que se recorre à opinião pública, prejudicando, portanto, a sua imagem como presidente, recusa-se a assumir a paternidade de outro ser humano (possivelmente outros seres humanos). De todo modo, a sua demagogia vem a tona, e de acordo com os relatos divulgados pela mídia, Lugo não só negligenciava à paternidade de seu(s) filho(s), como não cumpria com o auxílio financeiro que lhe cabia enquanto pai, demonstrando-se bastante alheio a outros seres humanos- nesse caso, envolvendo também a(s) mãe(s). Todas as responsabilidades referentes ao sustento, à criação e à educação de se(s) filho(s) recaem sobre a mulher, como se o homem não tivesse participado de sua concepção. Eis uma das expressões mais agudas do machismo ainda imperante na atual sociedade: a idéia de que “a culpa é da mãe”, enquanto os pais lavam suas mãos.

O tão clamado “bispo dos pobres” se alçou como um suposto “ícone” na luta pela reforma agrária e por melhor distribuição das riquezas em um país que se destaca entre aqueles que apresentam maior clivagem sócio-econômica entre ricos e pobres. Conformando uma ampla coalizão entre os partidos de esquerda, “centro-esquerda” e setores diretamente burgueses, em uma aberta conciliação de classes, a sua eleição teve por mérito a interrupção de 61 anos de domínio da direita sob a sigla do Partido Colorado. Suas medidas tomadas enquanto presidente, apoiando-se em setores da burguesia e lançando mão da política de “morde e assopra”, com um assistencialismo e algumas concessões sobretudo no meio agrário (sua principal base de apoio) e severos ataques à classe trabalhadora, que se vê obrigada a se desdobrar pra manter seus empregos frente à política governamental que diz se enfrentar com o imperialismo, mas segue à risca as diretrizes estabelecidas pelos organismos internacionais do imperialismo para lidar com a crise econômica: descarregar sobre as costas dos trabalhadores através da superexploração, da flexibilização das leis trabalhistas, da contenção de gastos empresariais (ou em outras palavras, demitindo em massa). Após sua vitória nas urnas, em 30 de julho de 2008, Lugo perdeu seu status clerical por via de um decreto assinado pela Congregação para os Bispos, eximindo-o dos votos religiosos perante a Sociedade do Verbo Divino. O celibato seria um deles.

As turbulências que tramitam em torno dos processos judiciais, que incluem a solicitação de reconhecimento oficial da paternidade de dois filhos e acusação de “estupro” por manter relações sexuais com uma menina de 16 anos, deixam o clima favorável à oposição direitista, que já fala em “impeachment”. A colorada Lílian Samaniego, principal porta-voz da denúncia de “estupro” opina: “Se o caso do estupro se comprovar, creio que é viável um julgamento político. Eu não vou me fazer de distraída porque um delito é um delito”. Os escândalos serviram evidentemente como pedra de toque para a campanha pelo impeachment do presidente paraguaio. Lugo tem a seu favor o apoio da maioria dos deputados do PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico), principal partido governista. Para levar a cabo a deposição do presidente, a oposição teria que contar com o voto de 53 dos 80 parlamentares da Câmara. Eis que o PLRA atualmente sofre de uma cisão interna, que aproxima o vice-presidente Federico Franco dos opositores do governo Lugo, em um cenário que parece estar muito longe de um desfecho.

As críticas, contudo, não se restringem à oposição, abrangendo, inclusive, membros da sua acessoria, como a ministra da Criança e do Adolescente, Liz Torres, e ministra da Mulher, Gloria Rubin: “Como ministras do Poder Executivo, esperamos que o presidente assuma, como fez na primeira vez, uma postura clara e que facilite o esclarecimento do caso, com firmeza e transparência. Que mostre que as mudanças (prometidas na campanha eleitoral) começam pelo presidente”.

A opinião pública não ficou alheia aos acontecimentos. Após os episódios conturbados que abalaram a legitimidade do presidente Lugo, seu índice de aprovação caiu de 64% para 48%. A opinião pública parece oscilar entre aqueles que tratam do assunto como um problema político mais sério, e outros que o vêem como assunto pertinente ao foro íntimo, satirizando-o, como um grupo de cúmbia que canta: ( Lugo) “tiene corazón, pero no usó el condón” (“tem coração, mas não usou camisinha”).

De acordo com o departamento de registro civil paraguaio, 7 em cada 10 crianças são registradas apenas com o nome materno. O fato de se tratar de um presidente da república, e sobretudo, por um bispo da Igreja Católica (que só renunciou ao cargo clerical após o fato consumado) traz a tona um problema social de enorme envergadura. É notável o oportunismo da direita paraguaia e os estratagemas para se aproveitar da situação para se alçar com um programa reacionário, mas por outro lado, as máscaras caíram e revelaram na figura do presidente paraguaio como uma amostra do machismo e da hipocrisia orquestrada pela Igreja Católica, que prega a castidade para os seus membros, mas só no Brasil, foram denunciados 1700 membros do sacerdócio por assédio sexual de crianças e adolescentes, o que corresponde a 10% da instituição no país. Isso se soma às múltiplas atrocidades que a Igreja comete no cotidiano, como a condenação do uso de preservativos, a privação das mulheres do direito de decidir sobre o próprio corpo culminando em cerca de 68.000 mortes por ano devido a abortos clandestinos, a disseminação da homofobia, entre outros “pecados capitais”.

Abaixo à hipocrisia da Igreja!

Tirem os seus rosários dos nossos ovários: pelo aborto legal e gratuito a todas as mães que desejarem não ter filhos. Basta de mortes de mulheres por abortos clandestinos!

Pelo direito à maternidade! E por maternidade, pressupõe-se a garantia de seus direitos e condições de dar luz a uma nova vida, como saúde, educação e moradia. Que as mulheres não sejam as únicas responsabilizadas por essa nova vida! Que o presidente Lugo sirva de exemplo pra desmascarar a hipocrisia da Igreja e o machismo da sociedade!

Nem Lugo, nem os colorados! Que os trabalhadores paraguaios tomem para si os rumos da sociedade, apoiando-se no que há de mais avançado em seus métodos e tradições.

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