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sábado, 23 de maio de 2009

Abortos clandestinos, mortalidade materna e insalubridade: saúde para quem?

Por Clarissa Menezes, estudante da UFRJ e integrante do Pão e Rosas e Mara Onijá, estudante da Fundação Santo André e dirigente da LER-QI

Diariamente 1.600 mulheres e mais de 10 mil recém nascidos morrem por complicações da gravidez e do parto que poderiam ser prevenidos, sendo que no mundo 99% das mortes maternas ocorrem nos países chamados do “terceiro mundo”, onde o risco é de 100 a 200 vezes maior do que nos países ricos. É também na maioria dos países mais pobres onde as mulheres não têm o direito ao aborto legal, livre e seguro.

Além disso, o aborto inseguro é a principal causa de mortalidade materna na América Latina e Caribe, segundo dados da Organização Panamericana de Saúde de 2004[1]. De acordo com a OMS cerca de 21% das mortes maternas nessa região devem-se às complicações do aborto inseguro[2]. Outros estudos estimaram que cerca de 4 milhões de abortos clandestinos aconteçam ao ano na América Latina e Caribe, sendo que no Brasil devam ocorrer de 750 mil a 1,5 milhões[3].

O aborto inseguro constitui a 2ª ou 3ª causa de morte materna em alguns estados do Brasil, causa perfeitamente evitável, e que tem atingido de setenta a oitenta mil mulheres por ano em todo o mundo[4]. Esses dados demonstram que o fato de o direito ao aborto ser negado tem significado uma condenação à morte a milhares de mulheres que não podem pagar por um aborto em clínicas particulares.

Ao mesmo tempo em que o direito ao aborto é condenado, o direito à maternidade nos é negado por um sistema de saúde que trata nossos corpos e nossas vidas como um objeto que pode ser largado nos corredores. Recentemente, denúncias foram publicadas no jornal ABC Repórter sobre o atendimento no Pronto Socorro Central de São Bernardo. Uma das mulheres grávidas informa que tem sangramentos há um mês e o hospital simplesmente a manda de volta para casa. Uma jovem descobriu que seu feto estava morto e teve de permanecer por semanas em casa, sem medicação e tendo sua internação negada.

No capitalismo, nossas vidas não valem nada

Os dados que apresentamos acima sobre a mortalidade materna estão inseridos num contexto em que a saúde pública configura-se a cada dia ainda mais sucateada. Como podemos falar em saúde frente às condições de vida da enorme maioria da humanidade? Falta de acesso à água potável, sistema de esgoto, gás e eletricidade, condições insalubres de moradia. Falta de acesso à saúde e à educação, desemprego, precarização no trabalho e salários de miséria. Sem falar nas catástrofes ambientais e sanitárias que a devastação indiscriminada dos recursos naturais gera, propiciada pela sede de lucro capitalista.

É por causa da sede de lucro que os sistemas de saúde colapsam, incapazes de responder às catástrofes da saúde como vivemos no Brasil no ano passado com a epidemia de dengue. E será pior à medida que a crise econômica mundial continue se aprofundando. Os capitalistas querem descarregar a crise que eles geraram sobre as nossas costas. Para salvar bancos e empresas, os governos não hesitam em destinar bilhões, para isso cortando verbas da saúde, educação, etc. Desse modo, aprofunda-se a lógica de acesso à saúde apenas para quem pode pagar. Aumentam os lucros dos hospitais privados, que tornam cada vez mais caro e restrito o atendimento médico. E a saúde pública torna-se um grande negócio.

O Sistema “Único” de Saúde (SUS) deteriora-se a cada dia com as políticas privatizantes. A contínua escassez de verbas destinadas à saúde não mudou durante o governo de Lula e do PT. A saúde da população vai de mal a pior e em seu detrimento o pagamento das dívidas internas e externas, e agora na crise os grandes montantes de dinheiro do povo destinados aos empresários e banqueiros. Aos setores do PT que tinham ilusões que o SUS poderia realmente vir a ser universal, fica um gosto amargo.

É o mesmo gosto amargo que sentem as feministas petistas diante da “Política Nacional de Humanização do SUS” que existe desde 2003 “para efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão”[5] que dentre outros tem a proposta de uma assistência humanizada à mulher. A realidade que vemos ainda hoje é um total descaso e mau tratamento das mulheres que tiveram um aborto nos hospitais públicos e privados (que atendem pelo SUS), que passam horas com dor e ensangüentadas até serem atendidas e medicadas, como espécie de punição. É que não é possível um atendimento humanizado enquanto prime a ideologia da Igreja sobre nossos corpos, enquanto sejamos perseguidas pela “justiça” como criminosas. Se não conquistamos o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, qualquer proposta de humanização na assistência à saúde da mulher será algo somente para constar no papel. Também não é possível um atendimento humanizado sob as condições impostas pelos interesses capitalistas, em que o Estado deixa de destinar verbas para a saúde, a fim de garantir os montantes para bancos e empresas.

Por mais verbas para a saúde, educação e moradia, mediante a suspensão do pagamento das dívidas interna e externa! Por medicamento gratuito e de qualidade! Contra as fundações de direito privado na saúde pública! Estatização sem indenização de todos hospitais, clínicas e laboratórios privados, para usar toda a capacidade de exames, consultas, leitos para atender aos interesses da população. Por um verdadeiro plano de obras públicas que garanta a construção de hospitais e postos de saúde controlado pelos trabalhadores!

[1] Organización Panamericana de la Salud. Unidad de Género y Salud. Equidad de género y salud en las Américas a comienzos del siglo XXI. Washington: OPS; 2004.
[2] Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Dossiê aborto inseguro: direito de decidir sobre o aborto: uma questão de cidadania e democracia. Belo Horizonte: Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos; 2001.
[3] Alan Guttmacher Institute. Aborto clandestino: una realidad latinoamericana [monografia]. Nueva York: Alan Guttmacher Institute; 1994.
[4] José Henrique Rodrigues Torres. Aborto inseguro: é necessário reduzir riscos. Revista de saúde sexual e reprodutiva. Março, 2009.
[5] Fonte: www.saude.gov.br/humanizasus

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