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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Sente-se, companheiro: greve contra a General Motors de 1936

Por Celeste Murilo
Em 30 de dezembro de 1936 explode a greve na General Motors e autopeças de Flint (Michigan, EUA). Pela primeira vez, um sindicato combativo decide enfrentar a empresa que parecia invencível. Greves sentadas, ocupações, reuniões clandestinas e táticas militares para enfrentar a polícia.




Feliz Ano Novo? Começa greve


Um ditado popular dizia: "Uma vez que atravessa as portas da General Motors, esqueça a Constituição dos Estados Unidos”. Flint era uma “company town”, uma cidade onde tudo era de propriedade da empresa. Se a General Motors parava, parava tudo. A empresa estava acostumada à cumplicidade da burocracia sindical e dos funcionários.
Na cidade de Flint havia 45 mil operários da indústria automotiva, mas apenas 122 eram filiados ao jovem UAW (sindicato dos operários da indústria automotriz). O UAW queria estabelecer a negociação coletiva no sindicato, foram classistas, combativos e, embora fosse um sindicato minoritário quando começou a luta, não cederam frente a empresa.
Em 30 de dezembro se fez a primeira greve sentada na planta número 1 da Fisher Body da General Motors. O turno da noite deixou de trabalhar, a fábrica foi trancada e começou a ocupação. O método utilizado foi a greve sentada (greve de braços cruzados onde os trabalhadores sentavam sobre as máquinas para impedir que os fura-greves trabalhassem e desse modo mantinham o controle da fábrica).
O método mais utilizado até esse momento nos Estados Unidos eram os piquetes, mas os empresários contratavam pelegos e os piquetes nem sempre eram eficazes. Desta vez, os trabalhadores se trancaram na fábrica. Com a sentada, embora dependessem da ajuda externa para sobreviver, a greve foi transformada em um centro de resistência contra a empresa que controlava a cidade, o governo, a justiça e a polícia.
Um dos principais jornais, o Flint Journal, um porta-voz da General Motors, amdrontava com manchetes sensacionalistas que alertavam a "invasão dos russos”. Nas escolas se faziam trabalhos com o título "Por que a greve é errada", muitas vezes filhos e filhas dos trabalhadores eram obrigados a escrevê-los. Algo parecido acontecia nas igrejas e nos tribunais. Isso não impediu as iniciativas do sindicato e dos partidos de esquerda que acompanhavam e incentivavam a greve. Crescia a resistência dos trabalhadores.

Batalhas fabris
Passou o Ano Novo, os primeiros dias de janeiro, e os trabalhadores seguiam firmes. O governador democrata Frank Murphy tentou, em vão, desocupar as plantas com a polícia estadual. Tentaram desocupá-los com a ordem de um juiz. O sindicato fez sua própria investigação buscando contestar a decisão e descobriu que o juiz era um acionista da General Motors. Então o juiz foi cassado e os trabalhadores ganharam sua primeira batalha legal.
A greve se estendeu por todo janeiro de 1937. Dentro da fábrica, os trabalhadores instalaram "salas de estar", com assentos dos futuros automóveis e organizavam salas de leitura e discussão com todos os jornais, periódicos de esquerda e livros de história. Estabeleceu-se uma organização interna que permitiu desenvolver a greve: administradores, encarregados da comunicação, logística, um mundo próprio dentro da fábrica.
À medida que os dias passavam, os piquetes contra os pelegos e a polícia tornavam-se massivos: homens, mulheres e crianças se colocavam nas entradas dia e noite. Para evitar serem acusadas de porte de armas, as mulheres da Brigada Auxiliar de Mulheres levavam em seus bolsos uma barra e meia de sabão, para responder às provocações dos fura-greve e bate-paus.

O primeiro ataque sério da polícia foi em 11 de janeiro na planta número 2 da Fisher Body. Eles planejaram sufocar os trabalhadores com bombas de gás lacrimogêneo para forçar a saída. De dentro, os trabalhadores abriram as mangueiras contra incêndio e apontaram contra a polícia, enquanto também jogavam peças de carro. Do lado de fora, as mulheres da Brigada de Emergência quebraram as vidraças da fábrica para deixar o ar entrar.

Quatorze trabalhadores ficaram feridos por balas. A polícia fez várias tentativas, mas depois de seis horas de resistência, recuaram. Após a vitória, batizada de batalha onde "fizemos a polícia correr", a empresa queria que o governador usasse a Guarda Nacional (semelhante ao exército) para expulsar os grevistas.
A participação das mulheres nos confrontos era fundamental, nas palavras de um grevista: "Nas principais batalhas da greve, as mulheres desempenharam um papel fundamental no sucesso do sindicato... deixavam tudo nos piquetes, desafiando a General Motors a passar por cima delas”.
Momento decisivo

Terminava janeiro de 1937 e a greve estava em um impasse. Ninguém cedia. Havia que dar um golpe decisivo. Na planta número 4 estava o coração da fábrica: a fábrica de montagem que, apesar de ter reduzido drasticamente sua produção, seguia funcionando com os fura-greves.
A ala esquerda do sindicato propôs a ocupação da planta 4. Foram várias discussões, mas finalmente votou-se e o sindicato discutiu em uma reunião pública marchar até a planta 9, na qual os espiões comunicaram a ação à polícia.
Em 1° de fevereiro milhares de trabalhadores marcharam até a planta 9 para enfrentar a polícia que os esperava na porta. Eles entraram e a polícia os seguiu disparando gás lacrimogêneo; os grevistas responderam com tudo o que tinham em mãos. Do lado de fora acontecia uma batalha campal, as mulheres da Brigada foram preparadas: levavam paus e quebraram todos os vidros para sair o gás lacrimogêneo.
Enquanto isso, outro grupo de trabalhadores e mulheres entrava na planta 4. Mal chegaram e se enfrentaram com os pelegos e a segurança. A Brigada começou a discutir com a polícia: "O que você faria se sua esposa que estivesse aqui? Não queria que te defendesse?". Piquetes e barricadas foram formados, se ouviam gritos "Defender o forte", "Sobre nossos cadáveres."
No dia seguinte, um juiz ordenou o despejo, as áreas que eram não controladas pelos trabalhadores, foram controladas pela Guarda Nacional. As cartas estavam lançadas, o sindicato reuniu todos os reforços possíveis e começaram a chegar os contingentes de trabalhadores de todo o país. O momento decisivo se aproximava.

Em 11 de fevereiro de 1937, a empresa concordou com o sindicato e aceitou, pela primeira vez, o direito à negociação coletiva, reconhecendo o UAW como interlocutor para negociar salários e condições de trabalho. A partir desse momento a General Motors deveria contratar apenas os trabalhadores sindicalizados em suas 17 plantas e recontratar todos os grevistas, sem perseguição. O UAW passou de 30 mil a 500 mil afiliados em todo o país. O triunfo dos métodos combativos contra a General Motors desencadeou uma onda de greves em fábricas, oficinas e lojas, que deixaram a sua marca própria.

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