Por Celeste Murilo
Em 30 de dezembro de 1936 explode a
greve na General Motors e autopeças de Flint (Michigan, EUA). Pela primeira
vez, um sindicato combativo decide enfrentar a empresa que parecia invencível.
Greves sentadas, ocupações, reuniões clandestinas e táticas militares para
enfrentar a polícia.
Feliz Ano Novo? Começa greve
Um ditado popular dizia: "Uma vez que
atravessa as portas da General Motors, esqueça a Constituição dos Estados
Unidos”. Flint era uma “company town”,
uma cidade onde tudo era de propriedade da empresa. Se a General Motors parava,
parava tudo. A empresa estava acostumada à cumplicidade da burocracia sindical
e dos funcionários.
Na cidade de Flint havia 45 mil operários da
indústria automotiva, mas apenas 122 eram filiados ao jovem UAW (sindicato dos operários
da indústria automotriz). O UAW queria estabelecer a negociação coletiva no
sindicato, foram classistas, combativos e, embora fosse um sindicato
minoritário quando começou a luta, não cederam frente a empresa.
Em 30 de dezembro se fez a primeira greve sentada na planta número 1 da Fisher
Body da General Motors. O turno da noite deixou de trabalhar, a fábrica foi
trancada e começou a ocupação. O método utilizado foi a greve sentada (greve de
braços cruzados onde os trabalhadores sentavam sobre as máquinas para impedir
que os fura-greves trabalhassem e desse modo mantinham o controle da fábrica).
O método mais utilizado até esse momento nos Estados
Unidos eram os piquetes, mas os empresários contratavam pelegos e os piquetes
nem sempre eram eficazes. Desta vez, os trabalhadores se trancaram na fábrica.
Com a sentada, embora dependessem da
ajuda externa para sobreviver, a greve foi transformada em um centro de
resistência contra a empresa que controlava a cidade, o governo, a justiça e a
polícia.
Um dos principais jornais, o Flint
Journal, um porta-voz da General Motors, amdrontava com manchetes
sensacionalistas que alertavam a "invasão dos russos”. Nas escolas se
faziam trabalhos com o título "Por que a greve é errada", muitas
vezes filhos e filhas dos trabalhadores eram obrigados a escrevê-los. Algo parecido
acontecia nas igrejas e nos tribunais. Isso não impediu as iniciativas do
sindicato e dos partidos de esquerda que acompanhavam e incentivavam a greve. Crescia
a resistência dos trabalhadores.
Batalhas
fabris
Passou o Ano Novo, os primeiros dias de janeiro, e
os trabalhadores seguiam firmes. O governador democrata Frank Murphy tentou, em
vão, desocupar as plantas com a polícia estadual. Tentaram desocupá-los com a
ordem de um juiz. O sindicato fez sua própria investigação buscando contestar a
decisão e descobriu que o juiz era um acionista da General Motors. Então o juiz
foi cassado e os trabalhadores ganharam sua primeira batalha legal.
A greve se estendeu por todo janeiro de 1937.
Dentro da fábrica, os trabalhadores instalaram "salas de estar", com
assentos dos futuros automóveis e organizavam salas de leitura e discussão com
todos os jornais, periódicos de esquerda e livros de história. Estabeleceu-se
uma organização interna que permitiu desenvolver a greve: administradores, encarregados
da comunicação, logística, um mundo próprio dentro da fábrica.
À medida que os dias passavam, os
piquetes contra os pelegos e a polícia tornavam-se massivos: homens, mulheres e
crianças se colocavam nas entradas dia e noite. Para evitar serem acusadas de
porte de armas, as mulheres da Brigada Auxiliar de Mulheres levavam em seus bolsos
uma barra e meia de sabão, para responder às provocações dos fura-greve e bate-paus.
O primeiro ataque sério da polícia foi em 11 de
janeiro na planta número 2 da Fisher Body. Eles planejaram sufocar os
trabalhadores com bombas de gás lacrimogêneo para forçar a saída. De dentro, os
trabalhadores abriram as mangueiras contra incêndio e apontaram contra a
polícia, enquanto também jogavam peças de carro. Do lado de fora, as mulheres
da Brigada de Emergência quebraram as vidraças da fábrica para deixar o ar
entrar.
Quatorze trabalhadores ficaram feridos por balas. A
polícia fez várias tentativas, mas depois de seis horas de resistência,
recuaram. Após a vitória, batizada de batalha onde "fizemos a polícia correr",
a empresa queria que o governador usasse a Guarda Nacional (semelhante ao
exército) para expulsar os grevistas.
A participação das mulheres nos confrontos era
fundamental, nas palavras de um grevista: "Nas principais batalhas da
greve, as mulheres desempenharam um papel fundamental no sucesso do sindicato...
deixavam tudo nos piquetes, desafiando a General Motors a passar por cima delas”.
Momento
decisivo
Terminava janeiro de 1937 e a greve estava em um
impasse. Ninguém cedia. Havia que dar um golpe decisivo. Na planta número 4 estava
o coração da fábrica: a fábrica de montagem que, apesar de ter reduzido drasticamente
sua produção, seguia funcionando com os fura-greves.
A ala esquerda do sindicato propôs a ocupação da
planta 4. Foram várias discussões, mas finalmente votou-se e o sindicato discutiu
em uma reunião pública marchar até a planta 9, na qual os espiões comunicaram a
ação à polícia.
Em 1° de fevereiro milhares de trabalhadores
marcharam até a planta 9 para enfrentar a polícia que os esperava na porta.
Eles entraram e a polícia os seguiu disparando gás lacrimogêneo; os grevistas
responderam com tudo o que tinham em mãos. Do lado de fora acontecia uma
batalha campal, as mulheres da Brigada foram preparadas: levavam paus e quebraram
todos os vidros para sair o gás lacrimogêneo.
Enquanto isso, outro grupo de trabalhadores e
mulheres entrava na planta 4. Mal chegaram e se enfrentaram com os pelegos e a segurança.
A Brigada começou a discutir com a polícia: "O que você faria se sua
esposa que estivesse aqui? Não queria que te defendesse?". Piquetes e
barricadas foram formados, se ouviam gritos "Defender o forte",
"Sobre nossos cadáveres."
No dia seguinte, um juiz ordenou o despejo, as áreas
que eram não controladas pelos trabalhadores, foram controladas pela Guarda
Nacional. As cartas estavam lançadas, o sindicato reuniu todos os reforços
possíveis e começaram a chegar os contingentes de trabalhadores de todo o país.
O momento decisivo se aproximava.
Em
11 de fevereiro de 1937, a empresa concordou com o sindicato e aceitou, pela
primeira vez, o direito à negociação coletiva, reconhecendo o UAW como interlocutor
para negociar salários e condições de trabalho. A partir desse momento a
General Motors deveria contratar apenas os trabalhadores sindicalizados em suas
17 plantas e recontratar todos os grevistas, sem perseguição. O UAW passou de
30 mil a 500 mil afiliados em todo o país. O triunfo dos métodos combativos
contra a General Motors desencadeou uma onda de greves em fábricas, oficinas e
lojas, que deixaram a sua marca própria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário