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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Pão e Rosas entrevista a professora potiguar Amanda Gurgel (entrevista na íntegra)

Publicamos abaixo a entrevista na íntegra com Amanda Gurgel, professora do Rio Grande do Norte e militante do PSTU, onde buscamos a opinião desta professora - que tornou-se nacionalmente conhecida - sobre os eixos da campanha que o Pão e Rosas vem levando adiante como parte da Chapa 2. Como expressamos neste material, há uma série de debates que queremos travar com as companheiras de outras correntes que compõe a Chapa 2, como a necessidade de lutar pela efetivação sem necessidade de concurso público, ou a necessidade de levar de frente a discussão sobre a legalização do aborto. Abaixo, as opiniões de Amanda e sua luta.


Flavia Vale - Pão e Rosas - Belo Horizonte - MG: O fenômeno do vídeo na internet expressa que há um enorme espaço para lutar contra as péssimas condições de trabalho do professor e para lutar pela educação pública de qualidade. Como você vê a questão, como acha que podemos coordenar as lutas efetivamente?

Amanda Gurgel: Então, o fenômeno do vídeo realmente abriu esse espaço pro debate da educação de um jeito que a gente nunca tinha visto. Inclusive com um espaço na grande mídia, que é um espaço que nós devemos utilizar na tentativa de ganhar a opinião pública para essa questão, já que existe todo um trabalho da ideologia feito para a divisão da classe trabalhadora, para que os pais dos alunos acreditem que os professores são responsáveis pelo caos da educação. Então, é um espaço agora que estamos tendo em diversos veículos, tanto da imprensa alternativa como da imprensa burguesa, da gente divulgar nossa campanha pelos 10% do PIB e esclarecer as pessoas quanto a essa questão, dos verdadeiros responsáveis pelo caos da educação que são os governos. Então, do ponto de vista prático, além das redes sociais, que nós não podemos desconsiderar o poder que essas redes sociais tem, além da atuação nesse ambiente da internet, estamos tentando ampliar essa luta à luta clássica, a luta nas ruas. Isso não é uma tarefa fácil, mesmo porque nossa principal entidade, a entidade que nos reúne em medida nacional, que é a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), ela não está imbuída desse mesmo sentimento que nós estamos. Mesmo porque é uma entidade que está atrelada ao governo, e nós estamos tendo que construir essa mobilização nacional por outras vias. Nesse final de semana, eu vou me reunir com o pessoal na reunião da CONLUTAS nacional, eu estarei presente para que a gente possa desenvolver alternativas de mobilização real da categoria em nível nacional. Levando em consideração, ainda que se não tivermos o apoio da CNTE, e se as mobilizações não forem chamadas pela CNTE, isso vai ser um enfraquecimento para o movimento, já que uma paralisação que não seja convocada por uma entidade reconhecida oficialmente é considerada uma falta como outra qualquer. Assim, muitos trabalhadores talvez não queiram aderir pelo fato de não ter uma coisa oficial, mas a nossa batalha é para que a CNTE perceba esse momento que nós estamos vivendo agora, um momento histórico para o debate da educação, entenda a importância dessa mobilização nacional e que esteja junto com as redes sociais, enfim, com a minha imagem também que nesse momento, apesar de eu não ter qualquer tipo de vaidade nem me achar especial ou diferente de qualquer professor, mas afinal de contas a minha imagem está associada a esta luta, e que a CNTE venha somar suas forças à nossa.

FV: Sobre o kit anti-homofobia, como a Dilma cedeu à bancada católica e evangélica e retrocedeu mais em nossos direitos democrático. Qual o papel dos professores desde as escolas na luta pelos direitos dos homossexuais, como o casamento igualitário, a criminalização da homofobia, colocando os professores como aliados dos jovens para que todos possamos expressar livremente nossa sexualidade?

AG: Olha, se nós tivéssemos uma escola ideal, uma escola que fosse um ambiente favorável à construção do conhecimento, a função do professor seria a de realizar esses debates dentro da escola. No entanto, as nossas estruturas hoje na escola são estruturas que impedem qualquer tipo de debate, mesmo porque a maior parte do tempo dentro das salas de aula – isso você pode confirmar com qualquer professor – a maior parte do tempo nas escolas a gente passa para administrar o caos dentro da própria sala de aula. A hiperatividade dos alunos, a super lotação, no caso nosso no Rio Grande do Norte, o calor. Então, assim, nós não temos muitas condições de realizar debates dentro das salas de aula. Se nós tivéssemos uma educação, uma escola que fosse comprometida realmente com a educação transformadora, a nossa função seria essa, mas como nós não temos, infelizmente nós ainda precisamos entender e ter a consciência que precisamos ser pacientes com nossos colegas professores, que muitos ainda não alcançaram esse nível de consciência em relação aos segmentos que são oprimidos na sociedade, mais oprimidos que os trabalhadores de modo geral, que são as mulheres, os negros e negras, os homossexuais. Enfim, nesse modelo que nós temos hoje de escola, que é um modelo em que a escola funciona como um depósito - não é um chavão, é um fato - e que os professore têm atuado apenas como guardiões dessa crianças, o professor está um pouco limitado. Não tem muito como realizar esse debate, como contribuir pra isso dentro do ambiente escolar. Agora, em relação à Dilma, acho que não é uma surpresa, não podemos dizer que é uma atitude surpreendente, mesmo porque durante a campanha dela, ela utilizou como moeda de troca também a questão do aborto, entendeu? E cedeu à pressão dos evangélicos, negando uma luta histórica do próprio partido dela. Então, não só o kit gay, como a questão da defesa do aborto, como qualquer outra demanda que seja levantada dentro do governo Dilma, mesmo que seja uma luta histórica do próprio PT, a gente não tem dúvida que ela vai ser utilizada como moeda de troca, e que vai ser relegada ao mais baixo patamar, desde que seja pra atender os interesses do governo.

FV: ...do governo e desses setores também ...

AG: ...exatamente, a bancada evangélica, as bancadas moralistas fundamentalistas. Infelizmente...

FV: Agora, em relação ao aborto. Nós fazemos parte de uma categoria que mais de 60% são mulheres, como a luta por uma escola publica, gratuita, de qualidade e laica continua sendo fundamental, pra colocar mais do ponto de vista dos professores, apesar de todo atraso que tem na categoria, essa luta que a gente tem como CSP-CONLUTAS como ANEL.

AG: Sim, isso é um debate difícil demais porque, pra questão do aborto, por exemplo, existe todo um trabalho da ideologia e da mídia pra que seja, em primeiro lugar, feito uma confusão entre a legalização do aborto, o direito da mulher de fazer um aborto, e a defesa do aborto em si. Porque o nosso movimento não defende que as mulheres saiam por aí abortando ou que o aborto seja uma forma contraceptivo. Não é isso que nós defendemos. O que defendemos é que a mulher tenha o direito de decidir sobre seu próprio corpo e que ela não seja considerada uma criminosa por causa disso. Mas não é isso que é propalado pela mídia. O que é propalado é que nós somos mulheres que estão querendo fazer aborto a todo o momento e querendo que todas as mulheres façam aborto. E isso coloca já em choque essas mulheres, que constituem a maioria da nossa categoria, e que muitas são cristãs, e que já têm essa dificuldade de realizar na sua própria prática pedagógica a isenção do que se refere a essa ideologia, e que é reforçada ainda pela mídia dessa forma, distorcendo nosso discurso, distorcendo a nossa bandeira. Então, é um debate que nós, que estamos na vanguarda, temos a obrigação de levar pra dentro das escolas com muita paciência, porque eu tenho visto no meu espaço, onde atuo, nas escolas do RN, a mudança de concepção de alguns colegas. Então, em alguns momentos, eu passo a considerar algumas mulheres muito mais avançadas do que eu, porque são mulheres que tiveram uma formação cristã tradicional, que foram educadas para o casamento, para o cuidado com o lar e de repente estão defendo isso, defendendo que a mulher precisa ter o direito de decidir sobre o próprio corpo. Que se ela decidiu que ia fazer um aborto, é porque ela tinha essa necessidade e por isso ela não será considerada criminosa. Mulheres que tiveram essa formação extremamente tradicional e que estão voltando nas suas memórias e lembrando que as suas avós realizaram aborto, que as suas mães realizaram aborto, e que isso não fez delas mulheres criminosas ou menos cristãs. Então é um compromisso nosso, nós, que estamos na vanguarda, temos o compromisso de levar o debate pra dentro das escolas. Mas eu tenho ainda uma certa crítica ao nosso próprio movimento, que é a forma como nós levamos que não é muito didática. E eu percebo que no momento que você consegue trazer pra vida concreta, como esse exemplo que eu estou dizendo, como a minha avó, por exemplo, eu não tenho vergonha de dizer, eu chego na escola e digo: “olha, minha avó ela realizou dois abortos, minha avó era cristã, católica”. Então, assim, eu acho que nós devemos ter essa forma mais didática de dialogar com as pessoas. Uma das coisas, um dos elementos que as pessoas têm destacado para essa questão do vídeo e tal, do sucesso e tudo, é a minha linguagem, a forma como eu me expresso e tal, e que é minha, tudo bem, não tô dizendo que é melhor nem pior do que a de ninguém, mas que nós precisamos levar em consideração nesses momentos de dialogar sobre esse debate, entendeu? Nós não estamos abrindo, eu não to abrindo mão de nenhuma bandeira do nosso movimento, nem do movimento de mulheres, nem do movimento gay, não tô abrindo mão de nenhuma bandeira mesmo, nem do meu partido, nem da minha central, não tô abrindo mão de nada, mas, a forma como eu tenho me dirigido as pessoas, entendeu?, tem sido mais fácil delas compreenderem, apenas isso.

FV: Mas sendo você essa porta voz, como você faria o diálogo em relação ao direito à maternidade, ao direito ao aborto na nossa categoria, como você pensa em fazer isso?

AG: Mas eu faço, é isso que eu tô dizendo, eu já faço, já tenho dentro das escolas essa tarefa, entendeu? Me sinto nessa obrigação de fazer esse debate, e eu faço dessa forma. Gente, o que as mulheres, o que nós, mulheres feministas, estamos defendendo não é o aborto como uma forma de contraceptivo, de jeito nenhum, entendeu? Não é isso que nós estamos defendendo. O que nós estamos defendendo é que se uma mulher compreende que ela precisa realizar um aborto, ela não pode ser encarada como uma criminosa por causa disso. É apenas isso que nós estamos defendendo, né? E que principalmente ela possa ter acesso a esse serviço na rede básica de saúde, na rede pública, porque se é uma mulher que tem dinheiro, ela pode fazer, eu levo exatamente assim, entendeu? Se é uma mulher que tem dinheiro, se é a prefeita da cidade, por exemplo, que a gente não tem como ter acesso a informações sobre a vida privada das pessoas, nem interessa, mas se é qualquer pessoa que tenha dinheiro, ela faz num consultório médico, e isso não vai ser problema nenhum, nem ela vai ser exposta nem ridicularizada por causa disso, mas se é uma mulher da classe trabalhadora, ela vai colocar a vida dela em risco.A nossa única defesa é essa.

FV: Agora só para finalizar, última pergunta: Em São Paulo, no Rio Grande do Norte e em quase todos os Estados, a categoria de professores é dividida ao meio, entre efetivos e temporários, uma forma de enfraquecer nossa categoria e manter os trabalhadores com muita desigualdade de salários e direitos. Como é essa situação no Rio Grande do Norte, e que programa vocês levantam para acabar com esse problema?

A.G: Olha, no Rio Grande do Norte é muito parecida. É, na rede municipal nós temos, além dos professores concursados, normais né?, aqueles que são efetivos, nós temos educadores infantis, que é uma coisa que nem era mais para existir, né?, que foi num concurso recente, 4 anos atrás, a primeira turma de educadores infantis que entrou na rede municipal, que são professores que tem apenas o ensino médio, certo? E que pra uma jornada de 40 horas semanais, elas recebem o mesmo salário que nós recebemos pra uma jornada de 20. Então, a maioria, mulher, certo? E mulheres extremamente exploradas, né? Numa situação de exploração gritante, assim, até pelas condições que elas têm dentro das creches. Essas educadoras infantis que trabalham com as crianças de três meses até cinco anos de idade. Então, a primeira divisão que tem na rede municipal é essa, de professores efetivos, concursados, de nível superior e os de nível médio, que são os educadores infantis, além dos contratados, que são os precários, que a qualquer momento podem ter seus contratos rescindidos ou não renovados, e que estão, por exemplo, esse ano trabalhando desde o início do ano letivo sem receber um centavo. Não receberam ainda nenhum centavo, e não sabem sequer o valor do salário, qual vai ser o valor desse salário que eles não receberam ainda, certo? Na rede estadual, nós temos os concursados, que são os efetivos, temos os estagiários, que são os precários dos precários, que recebem menos da metade do nosso salário, e temos ainda (eu falei os estagiários e os contratados?) os efetivos, os contratados e os estagiários. Então, você até perguntou se não seria o caso da gente efetivar os professores que são contratados...

FV: Sem necessidade de concurso...

AG... sem necessidade de concurso. A bandeira nacional que a gente defende é a bandeira do concurso, entendeu? Agora, no caso aqui de Belo Horizonte, pelo que eu estou vendo, é tanto professor contratado que eu não sei se seria o caso da gente rever isso, e ter uma bandeira local que fosse para a contratação, a efetivação desses professores contratados. Agora, nacionalmente o que a gente defende é o concurso, entende? Eu não sei, realmente eu não poderia nem opinar sobre isso aqui, localmente, entende? Porque a bandeira que nós defendemos é que nós tenhamos concurso já, e que não tenhamos professores contratados, porque os professores contratados trabalham em condições ainda mais precárias do que nós, entendeu? Hoje, por exemplo, no Rio Grande do Norte a nossa categoria está quase que 100% em greve, mas o Estado se apóia nos professores contratados para dizer que as escolas estão funcionando. Porque são professores que não têm coragem assim, porque precisam desse dinheiro né? Precisam desse salário, que um dia eles vão receber, porque eles também estão trabalhando sem receber, até hoje na rede estadual né? E assim, nós não trabalhamos para fazer poupança, eu não conheço nenhum professor que tenha dinheiro guardado. Nosso salário ele é todo, tem o destino todinho, recebe o salário e ele já tá todo repartidinho para pagar nossas despesas. Então, o Estado se apóia nesses professores precários pra dizer que nosso movimento não é tão forte quanto a gente tá dizendo, entende? Então por isso nós não defendemos contratação, defendemos que haja concurso público imediatamente, e que sejam concurso que ofereça vagas suficiente para suprir as demandas da escola, entende? Essa é nossa bandeira a nível nacional.

FV: Ta ótimo. Você quer colocar alguma coisa mais?

AG: Queria pedir desculpas porque eu não respondi sua pergunta...

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