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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Em defesa das que lutam

Por Stella, estudante da Letras da USP, 
militante do Grupo de Mulheres Pão e Rosas

O Dia Internacional da Mulher ganha destaque todos os anos. Mas são poucos que sabem que nesse dia em que se comemora passionalmente o “valor feminino”, queimaram mais de 130 mulheres dentro de uma fábrica por elas se recusarem a manter os seus serviços ao decretarem greve. A todo tempo medidas como a repressão são usadas para combater as pessoas que se colocaram contra os "grandes interesses" de suas épocas.
A opressão à mulher, assim como o racismo e a homofobia, não são mero sadismo, servem como mecanismos extremamente competentes para manterem calados, pela força ou pelo medo, os setores mais oprimidos da sociedade, quando estes apresentem o ímpeto humano de reivindicar o direito a uma vida digna.
Nos últimos dias, uma companheira lutadora, indo contra a vontade da sociedade machista, se juntou à luta da(o}s trabalhadora(e)s terceirizada(o)s da empresa União que, cansada(o)s de baixar a cabeça aos patrões, se colocaram em luta pelo pagamento imediato de seus salários e direitos atrasados, resgatando e aprofundando a luta das trabalhadoras da Dima, ocorrida em 2005, pelos mesmos motivos. Tal companheira vem sendo alvo de intensas ofensas na internet, inclusive em meios de mídia que supostamente deveriam prezar pelos direitos de imagem defendidos pela justiça burguesa pela qual tanto clamam.

Como seria de se esperar, tais ofensas tem um teor profundamente machista e minimizam o papel político que esta estudante cumpria, se atendo a discutir seu corpo, objetificando-o, e especulando sobre sua sexualidade, evidenciando o papel que a sociedade capitalista quer reservar às mulheres. Não podemos aceitar a censura e discriminação pelo direito à luta. Nem nos calarmos frente qualquer tentativa de desqualificar as lutadoras, fato que indiretamente, busca deslegitimar a luta que compõem  – no caso, a das terceirizadas. 

O Grupo de Mulheres Pão e Rosas se coloca imediatamente a defender essa companheira, mas também a denunciar o uso constante do reacionário machismo para deslegitimar uma luta. É preciso que notemos que o uso da figura da mulher como o mais acessível para os ataques – como se demonstrou em 8 de março de 1857 – é mais uma forma de tolher a liberdade de toda mulher de se colocar em luta.

O projeto do capitalismo é o de uma mulher inserida unicamente no lar que quando, irada, se coloca em luta, vê sua revolta atribuída a supostos problemas psíquicos, retirando o que há de político na intensa opressão rompida com esses gritos. Há mais de 200 anos as mulheres seguem trabalhando e produzindo nas grandes indústrias e nos comércios. O que aconteceria se todas se sentissem no direito de se levantar contra os patrões? Lutar e se organizar politicamente é uma ferramenta legítima a todos os trabalhadores, que não deve ser retirada de nenhuma mulher.

O que as terceirizadas fazem hoje é dar o exemplo à toda a população e dizem com todas as letras e através de todas as suas ações que se consideram, sim, capazes de arrancar de qualquer patrão tudo o que nos foi, historicamente, roubado.

Segue abaixo uma declaração da companheira Stella, que sob tal injúria, usa da sua palavra em defesa da luta das terceirizadas:

"Assim que cheguei à Reitoria, no primeiro dia da paralisação (6ª feira), e vi aquelas trabalhadoras – que aos olhos dos estudantes, professores e trabalhadores efetivos, sempre foram invisíveis – organizadas e reivindicando direitos mínimos para sua sobrevivência, imediatamente passei a me sentir parte dessa luta exemplar e também do combate contra a terceirização como um todo, sendo esta a real responsável por essa intensa exploração. Ao me inserir na luta, acatei também todos os métodos escolhidos por essas trabalhadoras, não por passividade, mas por reconhecer que neles estavam contidos todos os meios de libertação dentro dos lugares onde eram tratadas como escravas.

Sou uma estudante de Letras da Universidade de São Paulo e levei quatro anos para ter esse direito, me sinto também no direito de protestar dentro desse espaço, me colocando assim como uma daquelas trabalhadoras, que também fazem parte desse espaço, apesar de não terem o direito de estudar nele. Nesse momento, não sou uma estudante apenas, assim como nenhum de meus companheiros e companheiras estudantes. Somos todos trabalhadoras terceirizadas, e nos agregamos à sua luta por, junto a elas, nos indignarmos, sofrermos e agirmos contra essas condições de trabalho em regime de semi-escravidão, que nesse momento já se caracterizava, pelo não pagamento de seus salários, como escravidão de fato.

Sou uma educadora do Sistema Público e acredito que a sensibilização dada pela literatura quando lemos “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, e entendemos como um retrato da miséria, tem a sua efetivação para a transformação social quando nos colocamos a contribuir num processo de luta contra a miséria de muitos – nesse caso os trabalhadores invisíveis – e não apenas como mero deleite intelectual. Educar é visar a humanização. É provocar a crítica e o ímpeto de transformação em cada ser humano com o qual estabelecemos contato, utilizando todo o cânone literário na luta contra a miséria, a pobreza e a carência, possibilitando uma leitura crítica para um engajamento na vida.

Assim como não calarão as trabalhadoras e sua luta, não calarão a mim e nenhuma mulher que se colocar ao lado delas e das mulheres que lutam contra sua opressão e exploração. Tenho muito orgulho de estar lutando ao lado dessas trabalhadoras tão exploradas e tão fortes, muito mais de fazer parte desta greve de trabalhadores tercerizadas na USP, algo que mostra que a História está viva, e que as revoltas servem para causar, sim, uma Revolução. 

As trabalhadoras hoje (19 de abril de 2011) começam a receber seus salários, graças ao apoio determinado dos estudantes, do Sintusp e de trabalhadores efetivos que se colocaram ao seu lado, mas também graças aos métodos que tanto foram criminalizados. A luta continua, até o pagamento de todos os seus direitos trabalhistas, até a efetivação imediata de todas essas trabalhadoras ao quadro da USP sem concurso público e, finalmente, até o fim da terceirização, que escraviza, humilha e divide.
Convidamos todos os estudantes e suas entidades, bem como os trabalhadores e professores a comporem o Comitê contra a terceirização, que realizará sua próxima reunião no saguão do prédio de Ciências Sociais, no dia 25 de abril, às 18h.

Pelo conhecimento a serviço da transformação – viva a aliança operário-estudantil!”

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