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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Mais creches, mais luta

Por Diana Assunção, da Secretaria de Mulheres do SINTUSP e do grupo de mulheres Pão e Rosas

No último mês, cerca de 20 pais (fura-greves) fizeram uma manifestação de repúdio durante um piquete na Creche Central da Universidade de São Paulo. Eles diziam querer proteger suas crianças e garantir o direito que elas têm à creche. Mas o que fazer com as milhares de crianças, filhas de funcionários, estudantes, professores e principalmente de trabalhadores terceirizados e informais da comunidade universitária que não têm acesso à creche por falta de vagas, espaço e quadro de funcionários? Estes pais, que ficaram apenas 3 dias sem creche por conta de um piquete que exigia o pagamento dos dias em greve (justamente para poder alimentar os filhos dos grevistas, que haviam ficado sem salário) fizeram uma verdadeira histeria nacional com o apoio da Veja, Istoé, Folha de São Paulo, Estadão, Band, Gilberto Dimenstein, Reitoria da USP, entre outros. Mas a pergunta continua: o que fazer com os que ficam 365 dias por ano sem creche?

Nesta greve duríssima, os trabalhadores da USP utilizaram diversos métodos combativos da classe trabalhadora para garantir o pagamento dos dias não trabalhados, e conseqüentemente o direito de greve que historicamente proporcionou diversos benefícios ao conjunto da categoria (e não somente aos que lutaram) como a própria creche que existe hoje na USP. Mas a luta que travamos há anos é de resistência a um projeto de privatização da universidade. Em contrapartida, apresentamos um projeto de universidade a serviços dos trabalhadores e da maioria da população, que inclui não somente abrir as portas da universidade derrubando o vestibular como também exigindo todos os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, entre eles o direito à creche 24 horas 100% garantido pelo Estado com vagas, educadores reconhecidos como professores (e não técnicos de apoio educativo) e espaço compatível com a demanda de crianças da comunidade universitária, para que nenhuma criança fique sem creche.

100 mil pessoas na Universidade, 563 vagas nas Creches

A Universidade de São Paulo é composta por diversos campi, na capital e no interior de São Paulo. Nem todos os campi possuem o serviço de creche, como por exemplo os campi de Pirassununga, Lorena e USP Leste. Nestes campi predomina o “auxílio-creche”, um benefício de R$ 422,22 [1] que segundo portaria do Ministério Público substitui o serviço de creche. A Reitoria divulga o dado em seu Anuário Estatístico de 2009 que o total de vagas nas creches é de 563 contra uma demanda de 402, o que significaria, portanto, que sobram 161 vagas. A dúvida então é: porque ainda muitas crianças da comunidade universitária ficam sem creche?

Em primeiro lugar, alguns pais e mães são obrigados a utilizar o auxílio-creche [2] como forma de complementação da renda, diante dos baixos salários dos funcionários básicos, por exemplo. E outros, porque os horários das creches não batem com seus horários de trabalho, e, portanto têm que recorrer a outras creches para colocar seus filhos. Mas num universo de 56.998 alunos de graduação e 25.591 alunos de pós-graduação, onde 46,81% são mulheres; 15,341 funcionários efetivos onde 49,34% são mulheres; 5,732 docentes onde 36,71% são mulheres; e ainda milhares de trabalhadores terceirizados e informais (limpeza, segurança, lanchonetes, xerox, entre outros) que obviamente não aparecem no Anuário Estatístico oficial da USP e justamente por isso sabemos que são em sua grande maioria mulheres e negros; num universo com mais de 100 mil pessoas, como podemos acreditar que a demanda por creches é de apenas 402 vagas? Para se ter uma idéia, em 1988, uma matéria do Jornal da ASUSP (Associação de Servidores da USP) dizia “A necessidade é imensa numa universidade com cerca de 11.000 funcionários, 16.000 professores e 30.000 estudantes. Mas a USP, através da COSEAS, oferece anualmente apenas 395 vagas” – ou seja, em 22 anos, quando o número de pessoas na comunidade universitária mais do que dobrou, o número de vagas na creche passou de 395 para apenas 563.

É evidente que esta demanda atual não condiz com a realidade, o que coloca em questionamento também as Assistentes Sociais ligadas à Reitoria que são responsáveis pela seleção de crianças para as vagas – há vários pais e mães que procuram as creches e permanecem sem vagas, além de que os critérios de escolha se mantêm obscuros. Neste caso é necessário desde já que exista uma comissão independente, conformada por trabalhadores, professores, pais e mães para averiguar a seleção de vagas. Também é preciso ressaltar que estamos numa universidade que ignora os trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas, que não fazem parte nem das estatísticas. Ao contrário dos pais que lutavam por 1, 2 ou 3 dias de creche para poderem furar a greve tranquilamente, sem ter que cuidar de seus filhos, a nossa luta deve ser pra exigir que todas as crianças da comunidade universitária sejam atendidas nas creches, em primeiro lugar a dos trabalhadores com os salários mais baixos.

A histórica luta por creches

“Em 1984, aqui na USP, um movimento de pais e mães trabalhadoras lutava pela ampliação da creche. (...) Essa luta conquistou o aumento do número de vagas de 70 para 250 crianças. Porém, esse foi apenas um capítulo da história. Há 30 anos, iniciava-se a luta por creches na USP”. Este relato aparece em um dos jornais da ASUSP de 1988, expressando que a luta por creches é uma antiga luta dos trabalhadores e trabalhadoras junto ao Sindicato (antiga ASUSP). No Brasil, desde a década de 1960, mas principalmente a partir da década de 1970, as mulheres trabalhadoras, nos sindicatos, em seus encontros e congressos vêm exigindo com muita força a implementação de creches nos locais de trabalho. Esta é uma consigna histórica das mulheres trabalhadoras, pois, como demonstraremos a seguir, questiona um dos fundamentos básicos da opressão como pilar de sustentação do capitalismo: a dupla jornada de trabalho. Nas universidades estaduais paulistas, não foi diferente, e em especial a década de 1980 foi de intensa luta de pais e mães trabalhadoras que exigiam a construção de creches por cada unidade da universidade. Os jornais do SINTUSP, desde a década de 1980 expressavam esta intensa luta por creches. Em 23 de outubro de 1990 publica-se matéria que diz “Que precisamos ter um local decente pra deixar nossos filhos enquanto trabalhamos, todos nós sabemos. Que a USP não garante nossos direitos, também sabemos. O que ainda não conseguimos entender é que para garantir nossos direitos é preciso lutar e pra lutar precisamos nos organizar”. Além da demanda por creches, uma das reivindicações dos trabalhadores era da ampliação da Escola de Aplicação e garantia de vagas para todos.

A Creche Oeste da USP, por exemplo, foi fruto de muita luta das trabalhadoras, tendo sua origem se tornado muito conhecida pelas passeatas de mães trabalhadoras com seus bebês no colo. Conforme estudo sobre o tema “(...) as creches implantadas nas universidades públicas paulistas têm em comum o fato de se originarem a partir de uma mesma motivação - a movimentação dos funcionários em prol de atendimento para seus filhos durante sua jornada de trabalho na universidade, pautando o atendimento na figura da mulher que trabalha fora de casa, especificamente, da servidora pública” [3]. Não podemos esquecer também a discussão colocada por muitas das educadoras e educadores das creches da USP, que ressaltam a necessidade de discutir o direito à creche não somente do ponto de vista do direito do trabalhador, mas também do direito da criança e todas as implicações que isto tem.

Essa luta histórica das mulheres trabalhadoras diz respeito a exigência de implementação do artigo 389 presente na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que diz “§ 1º - Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação”. A Portaria 3.296/1986, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), diz que a empresa poderá, em substituição à exigência contida na CLT, adotar o sistema de auxílio-creche.

Esta legislação, obviamente, não dá conta da necessidade das mulheres trabalhadoras. Em primeiro lugar porque não é implementada em todas as empresas ou serviços públicos – sem falar das empresas terceirizadas, que passam longe deste tipo de direito. Mas também, o período da amamentação para a CLT é considerado de 6 meses, e é justamente durante este período que a própria CLT obriga as empresas a fornecerem creche. Mas se a licença-maternidade já é de 6 meses, porque as trabalhadoras necessitariam de creches justamente nesses primeiros 6 meses da criança, quando já estariam com elas? As trabalhadoras não necessitam de creches somente neste período da amamentação, mas principalmente dessa idade até a entrada da criança na pré-escola, ou seja, até os 6 anos.

Sob o governo Lula, pouco se avançou nos direitos das mulheres trabalhadoras. Nem falar na situação das creches em São Paulo, com inúmeras denúncias de falta de merendas, colchões e outros, sob a direção de Gilberto Kassab, do DEM com o aval de José Serra, do PSDB. Agora, com Dilma Roussef como presidenciável, o PT quer fazer uma campanha “feminista” e já promete a construção de mais 6 mil creches no país. Isso parece “conversa pra boi dormir”, quando as estatísticas do próprio governo dizem que 84,5% das crianças brasileiras estão fora das creches – o que demonstra que a situação na USP é apenas um pequeno retrato da situação brasileira.

Neoliberalismo, privatização e os direitos das mulheres trabalhadoras

Numa sociedade onde a força de trabalho feminina é tida como forma de aumentar os lucros dos capitalistas, concedendo salários menores às mulheres, qualquer forma de privatização dos serviços públicos necessariamente terá conseqüências maiores para as mulheres trabalhadoras. A dupla jornada de trabalho se configura pelo trabalho não pago exercido pelas mulheres em suas casas após o trabalho na fábrica, empresa, universidade, etc, que são essencialmente o cuidado com os filhos (além de idosos e doentes), a comida, a limpeza da casa, a lavagem da roupa, entre outros. Todo esse trabalho não pago é socialmente necessário para que os trabalhadores, e a própria trabalhadora, possam seguir trabalhando no dia seguinte. Neste sentido, é de interesse dos capitalistas não fornecer estes serviços gratuitamente através de creches, lavanderias ou restaurantes que possam livrar as mulheres desta segunda jornada em suas casas, pois reduziria seus lucros.

Historicamente, como colocamos acima, as mulheres lutaram por estes direitos, mas o ataque neoliberal desde a década de 1990 atingiu profundamente a classe trabalhadora, dividindo-a entre efetivos, terceirizados, temporários e informais, esfacelando muitos dos direitos conquistados. Este período foi assistido por toda a classe trabalhadora sem nenhuma forte resistência, situação imposta principalmente pelas burocracias sindicais, que contribuíram neste momento para avançar numa verdadeira “derrota moral” da classe operária, que pesou duplamente sobre as costas do proletariado feminino. Se do ponto de vista objetivo, dividiu-se a classe operária em diversas “subclasses”, utilizando-se sempre da opressão às mulheres (e também aos negros e homossexuais) para dividi-la ainda mais, do ponto de vista subjetivo conseguiu fazer os trabalhadores deixarem de acreditar em suas próprias forças. Os projetos de privatização caminham também neste sentido.

É importante ressaltar que, no que diz respeito aos direitos das mulheres, todo o contingente feminino que compõe o setor mais explorado e precarizado não têm direito à creche e outros direitos elementares, como a própria licença-maternidade que acaba de ser aprovada obrigatoriamente por 6 meses pra todas as empresas. Mas as terceirizadas são demitidas quando ficam grávidas, então não têm esse direito. Neste sentido, os projetos de privatização da USP apresentados pelo governo Serra através de seu interventor Rodas, nosso Reitor, fazem parte desta ofensiva que busca retirar direitos, flexibilizar os contratos de trabalho e impedir que um setor importante de trabalhadores se organize politicamente. Não à toa esta ofensiva contra o direito de greve, uma forma efetiva de desmantelar a classe trabalhadora para poder privatizar e terceirizar os serviços públicos, aumentando diferenças salariais entre homens e mulheres e retirando os direitos das mulheres trabalhadoras, como as creches. Portanto uma das bandeiras fundamentais que devemos levantar é a exigência de efetivação imediata de todos os trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas sem a necessidade de concurso público, já que a maior comprovação de que estão aptos a fazer o trabalho é o fato de já estarem trabalhando.

Retomar a luta pelas creches e ir por mais!

Hoje, portanto, a luta em defesa do direito de greve e contra a perseguição dos lutadores e lutadoras é fundamental para resistir a este projeto de privatização da universidade. Ao mesmo tempo, é necessário avançar na luta pela universidade a serviço dos trabalhadores e do povo pobre, impondo uma série de direitos, entre eles o direito à creche. É fundamental exigir que existam creches 24 horas em todas as unidades, para atender às diferentes jornadas de trabalho, que sejam 100% garantidas pela Reitoria. Essas creches devem englobar desde o berçário até o maternal, ou seja, até 6 anos de idade. Para isso, é necessária a construção de novas creches em todas as unidades e nas unidades que ainda não têm como Pirassununga, Lorena e USP Leste, e quando necessário a ampliação das creches já existentes.

Combinado a isso, precisamos exigir a contratação de funcionários efetivos (não terceirizados e nem precários) para atender a demanda real de crianças, sem que para isso seja necessário sobrecarregar com horas-extras os trabalhadores que já estão alocados nas Creches. Quanto a isso, devemos repudiar os 3 meses “de experiência” que na verdade são 3 meses “para o chefe decidir se vai com a sua cara” expondo os trabalhadores a todos os tipos de humilhação para “provar” que é um bom funcionário abrindo margem para discriminação às mulheres, negros e homossexuais.

Ainda que a Reitoria queira escondê-los não os publicando no Anuário Estatístico, os trabalhadores terceirizados existem, e são milhares, na sua maioria mulheres. Ao mesmo tempo em que exigimos a efetivação dos mesmos, exigimos a extensão imediata do direito à creche para todos os terceirizados, temporários, estagiários e informais da universidade. O acordo do final da greve de 2009 deve ser atendido imediatamente alterando a nomenclatura dos Técnicos de Apoio Educativos reconhecendo-os como professores e professoras de Educação Infantil.

Pelo piso salarial do DIEESE no valor de R$ 2.157,88 (tabela maio/2010) para que nenhum trabalhador tenha que ser obrigado a usar o auxílio-creche em detrimento do serviço da creche para complementação de renda. Repudiamos qualquer forma de assédio moral e perseguição política às trabalhadoras e trabalhadores das Creches que participam de greves. E chamamos a compor uma verdadeira organização de pais e mães das Creches, livres da tutela do Sr. Acauã (diretor da Associação de Pais e Funcionários das Creches) que consiga organizar de forma conseqüente toda esta luta, junto aos trabalhadores, estudantes e professores combativos.

Dentro e fora da universidade, a luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras é fundamental. Na USP, acreditamos que conseguimos dar um exemplo de luta e combatividade impondo o pagamento dos dias em greve, num momento em que nacionalmente muitas categorias tiveram seus dias cortados. Mas esta foi apenas uma batalha, pois além da necessidade de barrar o projeto de universidade do governo tucano, há uma série de reivindicações que queremos arrancar com a força de nosso movimento. O direito a creche é um deles, pois diz respeito não somente a um direito elementar das mulheres, mas uma forma de livrá-las da opressão cotidiana em suas casas. É preciso retomar a luta pelas creches, diante da insuficiência escandalosa das apenas 563 vagas na USP, mas com a consciência de que temos que lutar por mais, exigindo lavanderias e restaurantes que de fato atendam à demanda da universidade, livrando as mulheres deste trabalho não remunerado que se configura na dupla jornada de trabalho, permitindo que as mulheres tenham tempo livre para cultura, diversão, arte, mas também para a luta, o sindicato e a militância.

[1] R$ 422,22 por dependente, para funcionários celetistas em jornada de 36, 40 ou 12x36 horas semanais, funcionários autárquicos em jornada Completa e para docentes em RDIDP; R$ 211,11 por dependente, para funcionários celetistas em jornada de 20 ou 30 horas semanais, funcionários autárquicos em jornada Parcial ou Comum e, a partir de 01/03/2010, para os docentes em RDP e RTC. Quem tem direito: Servidores técnico-administrativos e docentes, ativos ou afastados por motivo de saúde, com filhos ou crianças tuteladas ou legalmente adotadas, até 6 anos de idade, e que não estejam matriculados em Creche, Núcleo de Recreação Infantil ou Escola de Aplicação mantidos pela Universidade. O Auxílio-creche está relacionado ao dependente. Quando os seus pais - ou representantes legais - forem ambos servidores da Universidade, somente a um deles será cadastrada a relação de dependência. Da mesma forma, servidor com acumulação de cargo/função dentro da Universidade, terá direito a uma única cota por dependente. Informações retiradas do site www.usp.br/drh

[2] Um benefício que é fruto da luta de trabalhadores e trabalhadoras, pais e mães, o auxílio-creche vem sendo utilizado pela Reitoria como uma forma de substituir o direito à creche, já que o valor despendido com o auxílio-creche é inferior ao custo por criança na creche. Dessa forma, a Reitoria, para diminuir gastos, consegue transformar uma conquista em retirada de direitos, já que não se pode comparar a existência de creches com condições pra atender às crianças e um auxílio-creche que muitas vezes é utilizado como complementação de renda para os trabalhadores com salários mais baixos.

[3] “A implementação de creches nas universidades estaduais paulistas” Sueli Helena de Camargo Palmen.

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