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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Porque discutir gênero?

Publicamos abaixo contribuição de Lourdimar Silva*, companheira independente do Piauí.
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Algumas questões hoje na sociedade são tratadas como desnecessárias ou secundárias, até mesmo dentro de espaços de discussão contra-hegemônicos. Exemplo disso são as questões de gênero e de raça. São tratadas muitas vezes, como se fossem discussões superadas. Seria hoje realmente superada a discussão de gênero? Esse é um ponto a ser discutido.
A mulher ainda se encontra sim, hoje, em posição inferior à do homem, sofrendo rotineiramente as opressões e violências que muitas vezes se configuram como normais e passam despercebidas e isso se mostra claramente na sociedade. Tanto na esfera considerada privada, como as atividades domésticas e cuidados familiares, consideradas, por esse motivo, menos valorizadas, quanto na esfera pública, como por exemplo a pouca participação da mulher na política. Esses papéis determinados a homens e mulheres se relacionam as construções sociais determinadas pelas relações de poder e se acirraram com o capitalismo. Entendendo aí o poder nas questões públicas e também privadas, ou seja, o poder pode ser assumido tanto no palácio do governo como dentro de um quarto.

Na história dos últimos 500 anos, o poder além de cor, tem gênero e raça. O que significa dizer que os homens, brancos, colonizadores europeus, lançaram historicamente sobre as nossas sociedades latinas, não só suas idéias de poder, mas principalmente a forma e o conteúdo de seu exercício. E o papel que os homens se deram era, por sua vez, o que tiravam das mulheres, como sujeitos políticos.

Não se nasce mulher, torna-se mulher. Isso significa que o ser mulher é algo construído e tem sido construído como gênero inferior, que deve servir ao homem, que é frágil. Biologicamente homem e mulher são diferentes, porém essa diferença não se autoriza um tratamento do homem como superior e da mulher como ser humano de segunda categoria.

No passado, a mulher era considerada apenas a reprodutora da sociedade, e sua única função, praticamente, era servir o homem e cuidar de seus filhos. Isso, de certa forma, vem mudando. As mulheres adquiriram o direito de voto e de serem votadas, o direito a maternidade, o direito de serem iguais perante a lei, entraram no mercado de trabalho e tiveram algumas outras conquistas pontuais. Porém, vem a dúvida, essa sociedade tem mesmo engolido essas conquistas ou seriam concessões do capitalismo para tentar “tapar um buraco” diante de mais uma de suas contradições. O modelo de mulher perfeita, sempre exigido na nossa sociedade, ainda perdura (porém transformado), encontrando-se no formato de: “Princesa e boa mãe + tiazinha e boa profissional”. Nesse sentido, a mulher tem que se manter meiga, carinhosa, submissa, publicamente discreta, cumpridora dos afazeres domésticos, mãe zelosa e ainda muito mais que isso, ser linda, ter um corpo escultural, ser sensual na intimidade, além de uma profissional cordata. A diferença de salário entre homens e mulheres exercendo a mesma função, o número muito maior de mulheres em situação de pobreza no mundo e piadas que depreciam a figura da mulher, são fatores que legitimam ainda mais a concepção de que ainda hoje não existe a igualdade nos gêneros. Sem falar na violência de gênero, que se sustenta nas normas sociais baseadas em regras que reforçam essa valorização diferenciada para os papéis masculinos e femininos. Papéis esses produzidos e culturalmente pela sociedade machista.

Observando assim a realidade, sugerimos que paremos pra pensar: porque algo tão opressor não é pauta de discussão urgente na sociedade? Bom, é de se esperar que o “poder”, ou os donos dele não se interessem em discutir isso. Até mesmo setores dos movimentos sociais ainda devem avançar muito no sentido de pautarem e priorizarem essa discussão A mulher, ainda que avançado nas relações, é mão de obra barata e foi inserida no mercado de trabalho (durante a revolução industrial) porque interessava ao capital, ou seja, foi uma concessão do capital, e com isso, aproveitando-se das definições de papeis atribuídos aos sexos, junto com a entrada da mulher no mercado de trabalho, veio também a proletarização delas e a inferiorização em relação ao homem. As relações diferenciadas entre os sexos são hoje ainda legitimadas e aproveitadas pelo sistema. Estamos aí falando de uma opressão dentro da classe, que nos remete a rever o tema do gênero. Quem sofre mais, quem é mais oprimida, a mulher rica ou a mulher pobre?

E os avanços? Como as conquistas alcançadas pelas mulheres,estão sendo tratadas e divulgadas pelas instituições de poder e pela mídia? Observamos avanços, como a Lei Maria da Penha que cria mecanismos para coibir e prevenir as violências domésticas e familiar contra a mulher, através da especialização da prestação jurisdicional. Foi um avanço no sentido de tentar igualar quem tem hoje uma posição inferior na sociedade. Porém, essa não é uma questão que possa ser superada de forma pontual. Não queremos simplesmente reformas nas cotas de emprego, cotas em cargos na política e severas punições (compreendemos que são necessárias sim, vendo a mulher como parcela da população merecedora de especial proteção), precisamos de mais, precisamos de rupturas com o que está estabelecido. È necessário sim, que questionemos esses papeis atribuídos às mulheres e as opressões a que elas se submetem.

E aí está o papel dos movimentos sociais, do movimento estudantil e principalmente, esta é uma tarefa para nós mulheres, que sejamos militantes dia-a-dia diante disso e que nos organizemos no sentido de denunciar e atuar na contramão do sistema opressor que antes de tudo, se sustenta na opressão da mulher pelo homem. Não é nossa melhor opção, é a única Não adianta pensarmos na emancipação de um grupo, caso esta não venha acompanhada da emancipação de uma classe a partir da implementação de novos valores superadores das tradicionais regras de submissão e sujeição femininos. A ruptura com esse obstáculo da opressão de gênero tem que ser dos dois lados: tanto nas relações entre homens e mulheres, quanto na criação de novos valores para ambos. Dessa forma, queremos fomentar o debate dentro do Movimento Estudantil nos DA’s, CA’s , DCE’s, Executivas, Coletivos, encontros, bem como nas relações sociais do dia- a dia, buscando dar forma e força a luta cotidiana contra as desigualdades nas relações de gênero.

* Lourdimar Silva é estudante de Economia da Universidade Federal do Piauí, integrante da FENECO-Federação Nacional dos Estudantes de Economia e do CORDEL-Coletivo de Resistência, diálogos, estudos e lutas.

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