Páginas

terça-feira, 3 de novembro de 2009

"Marxismo e Emancipação da Mulher", por Marina Fuser no Colóquio Marx e Engels

Publicamos abaixo artigo de Marina Fuser, socióloga e integrante do grupo de mulheres Pão e Rosas, sobre marxismo e a emancipação da mulher, a ser apresentado no dia 03/11 às 18h no Colóquio Internacional Marx e Engels, na Unicamp

Marxismo e Emancipação da Mulher

A questão da emancipação da mulher, na perspectiva marxista, está intrinsecamente ligada à questão da emancipação humana. Não se pode isolar a questão da mulher de seu contexto social, já que esta se desenvolve e se consolida segundo determinados parâmetros econômicos e sociais, envolvendo fatores tanto objetivos como subjetivos. Mas seria um equívoco pensar a emancipação humana sem compreender a necessidade histórica da emancipação específica da mulher. Quando um sistema é colocado em xeque, todos os valores engendrados pelo mesmo também o são; e uma nova gama de valores socialmente construídos substitui os antigos paradigmas e a revolução abriria caminho para modificar as bases sobre as quais se erige a sociedade. Para viabilizar esse processo, os embriões do que constituiriam esses novos valores e paradigmas precisam se sedimentar na consciência daqueles que tomam para si um projeto de transformação radical da sociedade. Trata-se de um questionamento mais profundo da vida em todos os seus aspectos – da vida que se almeja transformar e no que constituiria essa transformação, do fim último ao qual se destinaria um novo projeto de sociedade.
Segundo a socióloga Heleieth Saffioti, “a preocupação com o problema da mulher apresenta-se como uma constante do pensamento socialista” . Os marxistas tiveram que se debruçar sobre os entraves apresentados ao processo da emancipação da mulher. Se por um lado, a igualdade de direitos constituía uma de suas metas fundamentais, eles iam além, buscando criar condições concretas para viabilizar o fim da opressão da mulher.
Eis que François Maria Charles Fourier denunciou as condições miseráveis, tanto do ponto de vista material, como moral, que se proliferava no seio da burguesia nascente, apontando as mulheres como as principais vítimas dessa engrenagem. Seu projeto de sociedade apresentava como alicerce a igualdade absoluta entre homens e mulheres – e por igualdade absoluta, entende a supressão das diferenças entre os sexos para além do campo jurídico, mas também no que tange aos costumes. Para ele:

A evolução de uma época histórica é determinada pela relação entre o progresso da mulher e da liberdade porque relações entre o homem e a mulher, entre o fraco e o forte, fazem ressaltar nitidamente o triunfo da natureza humana sobre a bestialidade. O grau de emancipação feminina determina naturalmente a emancipação geral...

A idéia de igualdade entre o homem e a mulher é abraçada por Flora Tristán , que também compreende a emancipação da mulher e a emancipação humana como questões inseparáveis, uma vez que a educação das mulheres abriria caminho para a libertação dos trabalhadores. Comprometida com a causa das mulheres proletárias, Tristán não consegue levar a frente o seu projeto de conformar uma União Operária, encontrando obstáculos aparentemente instransponíveis impostos pela patronal. Segundo Heleieth Saffioti:

Embora o equacionamento que das idéias feministas e socialistas faz Flora Tristán seja tosco, deixando às vezes, entrever um privilegiamento da categoria sexo feminino em detrimento da classe social, constitui, inegavelmente, um refinamento da consciência proletária .

Não obstante, seu legado fornece subsídios socialistas às mulheres na luta por seus direitos em 1848, quando está em voga uma ebulição social que objetiva “varrer os últimos vestígios da antiga ordem social” . Em 1848, as idéias de Flora Tristán são assumidas por novos agentes sociais, como Jeanne Deroine, Eugenie Niboyet e Pauline Roland, comprometidas com a emancipação da mulher na luta de classes. Em uma análise acerca das produções teóricas e sua expressão na realidade em forma de lutas sociais, Zuleika Alambert esboça uma crítica que aponta para algumas debilidades que se sobressaíam nesse contexto histórico:

...Nenhuma delas sabia localizar acertadamente as raízes mais profundas das desigualdades das mulheres e indicar o caminho mais geral de sua emancipação. Uns localizaram essas raízes na inferioridade da instrução recebida pela mulher, outros no fato de os homens abusarem do poder que receberam de Deus; outros ainda, talvez os mais avançados, buscaram as essas raízes na miséria material e moral do mundo burguês. Mas essas raízes, no seu sentido mais profundo, seriam localizadas e trazidas à luz do dia, pela primeira vez, através das elaborações teóricas de Karl Marx, Friedrich Engels e August Bebel .

Engels assinala que o surgimento da propriedade privada constitui a raiz do patriarcalismo e do Estado patrimonialista. A mulher passa a ser a primeira propriedade. À medida que os bens coletivos convertem-se em propriedade privada, é selada a supremacia do homem como pater familia, a partir da substituição da filiação feminina pela masculina e do direito hereditário materno pelo paterno. A família patriarcal nasce com a propriedade privada e modifica toda a estrutura da sociedade gentílica. A luta pela libertação plena da mulher, nessa perspectiva, é a luta contra a propriedade privada, no contexto de uma sociedade dividida em classes, em que a mulher das classes subalternas é duplamente oprimida: em casa e no trabalho.
O avanço das forças produtivas tornou o trabalho mais leve e suscetível a empregar a mão-de-obra de mulheres e crianças, o que amplia o exército industrial de reserva, acirra a concorrência entre trabalhadores e trabalhadoras e barateia o custo da força de trabalho.Os entraves à integração social da mulher impostos pelo Capitalismo nascente, como assinala Heleieth Saffioti, não são orquestrados no uníssono da uniformidade. Seu órgão regulador consiste na competição cada vez mais acirrada, em que a mulher é usada como objeto de barganha para o rebaixamento de salários e ampliação do que Marx chama de “exército industrial de reservas”. Trata-se de um elemento indispensável para o funcionamento do sistema, pois o desemprego estrutural acirra a concorrência e constitui um instrumento de barganha para o rebaixamento dos salários, de pressão para o aumento da produtividade e da decorrente extração de mais-valia. O fantasma do desemprego assombra o trabalhador, levando-o a se sujeitar a trabalhar até o limite de suas forças.
Saffioti observa que as oportunidades de trabalho oferecidas às mulheres “variam em função da fase de desenvolvimento do tipo social em questão ou, em outros termos, do estágio de desenvolvimento atingido por suas forças produtivas” . Seu grau de desvantagem na competição pelo trabalho na sociedade capitalista nascente permite aos capitalistas uma extração insaciável de mais-valia absoluta pela maximização da produtividade, ampliação da jornada de trabalho e rebaixamento de salários das mulheres.
A luz das novas idéias preconizadas pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa, as mulheres que já haviam deixado suas marcas na História através das lutas contra os Estados absolutistas do Ocidente: eis que surge o primeiro movimento feminista, onde francesas e britânicas tomam para si a luta pelo voto feminino – o movimento sufragista. As idéias revolucionárias absorvem a questão de gênero e servem de motor para o período de efervescência que se segue, colocando as mulheres na frente de batalha pela transformação da sociedade na Revolução Francesa em 1789 e já com contornos de classe na Comuna de Paris em 1871 e na Revolução Russa em 1917. A Comuna de Paris sublinhou o protagonismo das mulheres, à medida que estas interpuseram frente aos canhões, impedindo que as tropas de Thiers desarmassem Paris; mas é na Revolução Russa que a dialética entre a exploração humana e a opressão da mulher se faz sentir com mais força. Surge no seio do Partido Bolchevique uma vanguarda de mulheres em defesa dos direitos da mulher, como Clara Zetkin, Alexandra Kollontai e Nadezhda Krupskaya, que refletem a questão de gênero na esfera da quebra de parâmetros deflagrada pela revolução.
Em A História da Revolução Russa, Leon Trotsky coloca em evidência o protagonismo orquestrado por esta vanguarda feminina no calor da efervescência social que culminou na eclosão da revolução russa em outubro de 1917. Em 23 de fevereiro, passando por cima das diretrizes dos comitês de bairro que desaconselhavam os trabalhadores a entrar em greve, frente à ameaça latente de um enfrentamento aberto, as operárias de algumas fábricas do ramo têxtil resolveram declarar greve. A greve se alastrou por outros setores da economia fabril, alcançando a adesão de 240.000 operários no perímetro de 48 horas. A greve foi marcada por manifestações de mulheres operárias com consignas que clamavam por pão e refutavam a autocracia e a guerra, sendo rapidamente incorporadas por uma quantidade massiva de trabalhadores insatisfeitos com os imperativos e a miséria imposta pelo regime autocrático do Czar. Nas palavras de Trotsky:

O soldado da cavalaria se eleva por cima da multidão, e seu espírito se ergue separado do grevista pelas quatro patas da besta. Uma figura vista desde baixo aparece sempre mais ameaçadora e terrível. A infantaria está ali mesmo, ao lado, mais próxima e acessível. A massa tenta se aproximar, olhá-la nos olhos, envolvê-la com seu alento inflamado. A mulher operária representa um grande papel na aproximação entre os operários e os soldados. Com maior audácia que o homem, penetra nas fileiras dos soldados, pega os fuzis com suas mãos, implora, quase ordena: ‘Desviem as baionetas e venham conosco’. Os soldados se comovem, se envergonham, parecem inquietos, vacilam; um deles se decide: as baionetas desaparecem, as fileiras se abrem, estremece no ar um urra entusiasta e agradecido; os soldados se vêem cercados de gente que discute, repreende e incita: a revolução dera outro passo a frente. .

No governo provisório de Alexandre Kerensky, as mulheres conquistaram o direito ao sufrágio, uma demanda ainda vigente em países mais desenvolvidos, como a Inglaterra e os EUA, que só realizariam essa proeza em 1918 e 1920, respectivamente. No campo dos direitos civis, houve muitos avanços, tal como assinala Andrea D´Atri:

Com a revolução proletária de outubro de 1917, as mulheres soviéticas conquistaram, antes das mulheres dos países capitalistas, o direito ao divórcio, ao aborto, à eliminação do poderio matrimonial, à igualdade entre o matrimônio legal e o concubinato, etc. (...) Porém a conquista mais importante da revolução não foram as leis, mas ter assentado as bases para pleno e verdadeiro acesso da mulher aos domínios culturais e econômicos .

Se bem a revolução russa brindou grandes conquistas no que tange às mulheres, o grau de emancipação tem como premissa fundamental a organização de mulheres comprometidas com a luta pela igualdade entre os sexos. Elas foram precursoras de lutas políticas no interior dos comitês de bairro, dos soviets e do Partido Bolchevique. Não é tarefa simples transformar valores há séculos enraizados no imaginário cultural de uma sociedade. Esse espaço tinha que ser conquistado. Nesse intuito, algumas mulheres se destacaram e deixaram a sua contribuição na malha de produções teóricas que problematizam a emancipação da mulher sob o prisma do marxismo.
Alexandra Kollontai inaugura um debate acerca das tarefas rumo à emancipação da mulher na URSS dentro e fora do PCUS, que se desenrolaram entre 1920 e 1928. O essencial de sua obra consiste na construção de uma nova moral baseada no reconhecimento dos direitos e da dignidade da mulher em pé de igualdade com relação ao homem em detrimento da moral sexual da velha sociedade que relegava a mulher à condição de escrava.

Ao examinar os efeitos da revolução russa sobre a temática da emancipação da mulher, Saffioti ressalta:

A experiência soviética demonstra que, se a libertação da mulher e a sua conseqüente integração plena na sociedade não se realizou completamente sob o regime socialista, foi neste regime que ela atingiu o seu maior grau. Deve-se destacar, nesse processo, que só nas sociedades de economia coletiva a maternidade pode, efetivamente, ser considerada um encargo social .

Dada uma escassez de recursos reais do Estado, em meio à miséria dos anos que se seguiram após a revolução de outubro em plena guerra civil, de acordo com Trotsky, a família não pode ser abolida, pois a emancipação da mulher era inviável no “terreno da miséria socializada ”. A ascensão da burocracia stalinista ao poder do Estado colocou em marcha uma guinada conservadora, que tratou de liquidar os principais direitos conquistados pelas mulheres na revolução de outubro. Segundo D´Atri:

A partir de 1926, sob o regime de Stalin, se instituiu novamente o matrimônio civil como única união legal. Mais tarde é abolido o direito ao aborto, junto à supressão da seção feminina do Comitê Central e seus equivalentes nos diversos níveis de organização partidária. Em 1934, é proibida a homossexualidade e a prostituição se converte em delito. Não respeitar a família se converte em conduta ‘burguesa’ ou ‘esquerdista’ aos olhos da burocracia termidoriana .

O conservadorismo da burocracia liquidou os direitos e a organização das mulheres, perseguiu e exterminou oposição, colocou sob ilegalidade os soviets , exaltando o papel da mulher enquanto mãe e dona de casa, impedindo as mulheres de se organizar politicamente. Porém, houve mulheres importantes, tanto no interior dos PC´s, como sobre bases autônomas, que travaram uma luta contra-hegemônica exaltando a necessidade histórica da emancipação da mulher em termos marxistas. As trotskistas Natália Sedova e Nadezhda Joffe se destacaram no combate ao stalinismo; Pen Pi Lan na China se postula contra a opressão de Chiang Kai Shenk no decorrer do processo revolucionário chinês na década de 1940, e depois se debruça sobre o combate à censura e à repressão desferida por Mao Tse Tung. No Brasil, Patrícia Galvão torna-se um ícone feminista a partir da década de 1930, por sua aspiração à libertação da mulher, em uma combinação entre o questionamento da ordem patriarcal e a centralidade da causa operária.
No período entre as duas revoluções que fizeram ecoar pelo mundo novas formas de se pensar a sociedade, o feminismo atravessa o oceano, chegando às Américas em grande estilo, precisamente no coração do que viria a ser a grande potência hegemônica mundial. Esse feminismo essencialmente europeu, que tinha como alicerce os sufragismos francês e inglês, vai de encontro com feminismo antiescravista já presente no território estadunidense, se colocado à prova na declaração de Sêneca Falls em 1848, que clamava pela igualdade entre os sexos e raças. A potência antagônica ao processo de inserção e superexploração do trabalho feminino no norte dos EUA, que se imprime sob as bases da divisão sexual do trabalho, pela assimetria salarial e a distinção de funções, se dá pela maneira como as mulheres passam a se organizar politicamente. Em Nova Iorque , em 8 de março de 1857, uma greve pela redução da jornada de trabalho e igualdade salarial entre homens e mulheres, protagonizada por operárias do setor têxtil, foi duramente reprimida, com o saldo de 130 mulheres queimadas vivas. O Dia Internacional da Mulher é instituído no dia 8 de março, prestando as suas homenagens.
A questão da emancipação da mulher ganha sobressalto nos debates com o despertar dos movimentos sociais na virada de 1960 para 1970. O maio francês em 1968 trouxe ao cenário os estudantes, que a partir das universidades Sorbonne e Nanterre se sublevaram em recusa à forma de existência social que lhes era imposta, despontando o despertar dos movimentos sociais, com bastante adesão do movimento operário, repercutindo internacionalmente, inclusive no Brasil. O documentário Classe de Luta , realizado pelo grupo Medvedkine, ilustra cenas do maio de 1968, acompanhando a greve da fábrica Yema e a criação de uma delegação sindical da CGT em uma fábrica de relógios – onde predomina a força de trabalho feminina, pois o labor exige a maleabilidade de pequenas mãos. Havia uma grande quantidade de mulheres mobilizadas, que passavam a se sindicalizar, a despeito das resistências e dos obstáculos impostos pela patronal e por seus próprios companheiros.
Os episódios que marcaram esse período serviram de estopim para o surgimento de novos atores sociais, nas universidades, nas fábricas e em múltiplos ramos da sociedade. Nos EUA, nesse mesmo período surgem o Black Power e os Black Panthers, que se levantam contra o racismo e em 1969, ganha força o combate à violência contra homossexuais, servindo de combustível ao movimento LGBT .
Para as mulheres, era o momento de “rasgar os sutiãs”; o ano de 1968 nos Estados Unidos, tendo como epicentro a Universidade de Berckley na Califórnia, foi palco de manifestações feministas; mulheres que refutavam o moralismo da classe dominante, impregnado por um ideário machista. Eclode uma série de manifestações, consagradas como “Revolução Sexual”, que visava subverter o status quo e rechaçar a guerra do Vietnã. Sua repercussão adquire dimensões internacionais. Na Itália, mulheres saem às ruas em manifestações massivas pelos direitos da mulher, tendo como eixo a luta pela legalização do aborto, que a despeito das pressões contrárias do Vaticano, obtém êxito em 1972. Eis a segunda onda do feminismo, que sela a insurgência de novas teorias, como o “feminismo radical”, de Shulamith Firestone, Kate Millet, Betty Friedman, etc.
Nesse momento, a resistência às ditaduras militares na América Latina se enfrenta com a repressão aberta aos movimentos sociais e ao movimento de massas. A luta de classes aparece no cenário brasileiro com muita força, sobretudo no período entre 1978 e 1980 quando emerge um processo de lutas do movimento operário, marcado por greves “selvagens” , ocupações de fábrica, piquetes, militância clandestina e intensa politização, culminando na greve política de 1979, quando a luta contra a ditadura alcançaria uma dimensão mais radicalizada e tendências revolucionárias se faziam sentir no calor dos acontecimentos que marcaram o período. A obra de Heleieth Saffioti está munida pela subjetividade transformadora que se alastra pela intelectualidade que se aproxima do marxismo, e deposita nesse processo as esperanças de uma revolução social. Engajada, ela demonstra como a questão da mulher se vincula visceralmente à questão operária, sobretudo quando mulheres são presas e torturadas pela militância política.
Confluindo com as idéias de Saffioti, que elucidam o binômio exploração-opressão como questões inseparáveis, Andrea D´Atri compreende que o período que se encerra em 1980 apresenta uma mudança na subjetividade que aponta para caminhos opostos. De acordo com a autora:

O processo revolucionário que sacudiu o Oriente e o Ocidente simultaneamente entre 1968 e o início dos anos 80 foi fechado mediante concessões às massas, reformas nos países centrais e por golpes contra-revolucionários e sangrentos nos países periféricos. Para tornar isso possível as classes dominantes contaram com a colaboração das direções do stalinismo, da social-democracia e do nacionalismo burguês, que impuseram desvios, derrotas e traições à mobilização revolucionária e que permitiu ao imperialismo se rearmar e, no início da década de 1980, lançar uma contra-ofensiva econômica, política e militar contra o seu próprio proletariado, as massas semicoloniais e os Estados operários burocratizados. Foi o início do que veio a ser chamado de a “ofensiva neoliberal”. Por meio do “neoliberalismo” (...) a burguesia mundial tentou sair da crise estrutural que primava no sistema capitalista nos últimos anos .

As lutas revolucionárias sofrem um desvio que brinda o triunfo das democracias no sistema capitalista. Prima um crescente desvio e cooptação do movimento de mulheres à iniciativa privada, pela via de organizações não-governamentais (ONG´s) e pela incorporação a partidos que disputam as eleições – se fazendo valer da questão da mulher para alavancar a propaganda eleitoral e angariar mais votos entre as cidadãs. Assim como as estruturas de trabalho, os grupos ditos feministas atomizam-se, e colocam em relevo o predomínio de políticas afirmativas, que buscam maior inserção de mulheres ao mercado de trabalho, nivelamento de salários e oportunidades sem questionar o sistema que oprime as mulheres nos postos mais precários de trabalho. Cláudia Mazzei Nogueira se inspira nas transformações neoliberalismo para compreender a mulher na atual divisão sexual do trabalho. Para ela:

Os resultados da reestruturação produtiva, no contexto da mundialização do capital, são complexos e contraditórios, atingindo de forma bastante diferenciada a trabalhadora e o trabalhador. (...) Essa presença feminina se dá mais no espaço dos empregos precários, em que a exploração, em grande medida, encontra-se mais acentuada (...) na Europa, na América Latina e no Brasil. O impacto das políticas de flexibilização do trabalho, nos termos da reestruturação produtiva, tem-se mostrado como um grande risco para toda a classe trabalhadora, em especial para a mulher trabalhadora .

O processo de reestruturação produtiva decorrente da ofensiva neoliberal aponta para uma nova dinâmica nas relações capital-trabalho, dando vazão a uma nova categoria de trabalho: o setor de prestação de serviços. Atomizado e disperso, o trabalhador de novo tipo encontra empecilhos para a sindicalização e a organização política. O contrato de trabalho é terceirizado e o trabalhador já não mais possui vínculo empregatício com o local de trabalho. Cresce a rotatividade, as leis trabalhistas são flexibilizadas, o desemprego estrutural é um elemento disciplinador, os contratos de trabalho são temporários e a demissão já não precisa ser justificada.
No Brasil a flexibilidade da jornada de trabalho feminino é justificada pela legitimação social acerca da compatibilização da mulher entre o núcleo familiar e o trabalho.Outra justificativa comumente aceita para precarizar o salário feminino é a idéia de um salário complementar à renda familiar, o que com a redução e a flexibilização de salários e o crescente desemprego, em grande medida não se sustenta, pois o trabalho feminino deixa de ser complemento, tornando-se indispensável para garantir a subsistência familiar.
O capitalismo e a emancipação da mulher caminham em vértices opostos, já que a preservação do sistema depende da força de trabalho feminina e de mecanismos que assegurem a sua submissão, como a hierarquização dos salários, os contratos flexíveis, etc. A chave para se compreender a questão da mulher está na gênese social e histórica que compreende um correlato duplo entre a exploração e a opressão da mulher. As duas questões não podem aparecer separadas. O Sujeito transformador deve resgatar o papel histórico da mulher nos processos revolucionários e nos momentos em que a sua luta se combina com a luta pela emancipação de toda a humanidade, tanto na teoria, como na prática.


Bibliografia:

ALAMBERT, Zuleika (1986). Feminismo – O Ponto de Vista Marxista.Nobel, São Paulo-SP.
D’ATRI, A.(2008). Pão e Rosas –Identidade de Gênero e Antagonismo no Capitalismo. Iskra, São Paulo-SP.
ENGELS, F. (1979). “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, 5ª Edição, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro – RJ
__________“Engels to Guillaume-Shak”, Marx and Engels on the Trade Union, Kenneth Lapides, www.marxists.org.
MARX, K.. A Santa Família ou Crítica da Crítica-Crítica. .In: Sobre a Mulher. Global. s/d
NOGUEIRA, C. M. (2004). A Feminização no Mundo do Trabalho. Autores Associados. Campinas-SP
SAFFIOTI, H.B. (1976). A Mulher na Sociedade de Classes – Mito e Realidade. Vozes, São Paulo-SP
TROTSKY, L (1985). Historia de la Revolución Rusa, Sarpe, Madri.
___________ (1938). La Revolución Traicionada. Claridad, Buenos Aires.
ZETKIN, C (1934). Lênin e a Questão Sexual In: Assim foi Lênin, Moscou

Nenhum comentário:

Postar um comentário