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sábado, 14 de novembro de 2009

Entrevista com Liliana Ogando Caló e Luis Siebel, das Edições ISKRA, sobre os Escritos Latino-Americanos de Leon Trotsky

Entrevistamos Liliana Ogando Caló e Luis Siebel, do CEIP León Trotsky e das Edições ISKRA respectivamente, sobre sua última publicação, os Escritos Latino-americanos de Leon Trotsky, grande revolucionário russo.

Pão e Rosas: O que são os Escritos Latino-Americanos de Leon Trotsky?

Luis: Os Escritos Latino-americanos reúnem os principais escritos e discussões realizadas sobre o nosso continente no último exílio de Trotsky no México. Possuem a particularidade de ser o produto de um encontro histórico bastante inesperado: Trotsky, uma das principais figuras da política mundial e ator de primeira ordem na Revolução Russa de 1917, encontra-se com uma realidade em grande medida ainda inexplorada naqueles anos pelos marxistas. Assim, por um trabalho que foi realizado pelo CEIP da Argentina há 10 anos – quando da sua primeira edição em espanhol -, foram reunidos estes escritos. Além disso, refletem o pensamento maduro de Trotsky, após a sua elaboração definitiva da teoria da revolução permanente no final dos anos 1920 e após confrontá-la com as distintas e complexas realidades da luta de classes nos anos 1930. A visão apresentada por Trotsky sobre a América Latina era também parte de toda uma corrente (se assim pudermos definir) de interpretação alternativa da formação do capitalismo no continente, que se formava através dos diferentes grupos trotskistas e que deixou bases importantes para nós hoje. Desta forma, ainda que tenha sido uma experiência interrompida, pois também o trotskismo “clássico” entrou em crise após os anos 1940; a partir deste ponto de vista, estava longe daquilo que definia Deustcher sobre Trotsky como um “profeta desarmado”: as correntes trotskistas, em muitos países, foram verdadeiras alternativas ao stalinismo nos anos 1930.

Liliana: Os textos compilados são muito interessantes porque permitem fazer uma leitura da “questão latino americana” sob a ótica de Leon Trotsky, ainda que não sejam parte de uma elaboração sistemática dele, em se tratando de escritos esparsos motivados por uma série de razões. Trata-se de recuperar outra linha na historia do marxismo latino americano, a do trotskismo, raramente colocado em discussão nos estudos críticos e inclusive marxistas sobre a América Latina. Pensar na revolução latino-americana é se perguntar sobre o caráter e a dinâmica, quais são as alianças de classe necessárias, as demandas a resolver, os métodos de luta, a direção política da revolução etc. Nesse sentido encontramos nos Escritos Latino-Americanos uma resposta alternativa, dialética, ao conjunto da orientação etapista e mecanicista dos Partidos Comunistas que divide países maduros e não maduros para a revolução proletária e considera progressivo o papel das burguesias nacionais na luta pela libertação nacional, e que tanta influência teve nas correntes políticas e nos intelectuais de nosso continente.

Luis: Através de textos, artigos, entrevistas, inéditos em português publicados nesta edição, Trotsky desenvolve os principais conceitos dos fenômenos políticos que se apresentaram durante seu exílio no México, como o cardenismo; a política norte-americana no continente sob o governo Rooselvet, a estatização dos sindicatos na época imperialista, ao mesmo tempo em que interage com as principais reflexões dos trotskistas mexicanos sobre a revolução mexicana, que são uma leitura da teoria da revolução permanente em um novo nível de concretude e que confirmam sua veracidade histórica.

Pão e Rosas: O livro fala sobre a Revolução Mexicana de 1910. Quais foram suas principais lições?

Liliana: Ao fazer esse balanço, ele sinala um conceito fundamental que é o atraso histórico do qual é portadora a revolução mexicana.

Pão e Rosas: O que isso significa?

Luis: Que surgindo em um momento de transição, entre o fim do capitalismo de livre competição e o começo da época imperialista, era uma revolução burguesa atrasada, e isso tinha conseqüências. As tarefas democráticas contra a ditadura e fundamentalmente agrária foram assumidas pelo movimento camponês de forma radicalizada. O campesinato mexicano que teve a enorme virtude de alcançar o nível elevado de radicalidade mostrou seus limites para apresentar uma alternativa nacional contra o projeto da burguesia. A revolução mexicana permitiu comprovar mais uma vez, no cenário da luta de classes, o diagnóstico da teoria da permanente que nega qualquer possibilidade de um regime democrático intermediário, nem burguês nem proletário, liderado pelos camponeses. Demonstrava que os camponeses constituem uma enorme força revolucionária, porém impossibilitados de impor uma política própria. Era necessário superar e derrotar a burguesia constitucionalista que se oferecia como alternativa ao porfirismo, derrotando-a com a tomada do poder do proletariado e dos camponeses.

Liliana: Há que reconhecer que, como assinalava Trotsky, neste mais de meio século as burguesias nacionais se demonstraram incapazes de libertar nossos países das amarras da dominação imperialista e a questão agrária continua sendo uma tarefa pendente que deverá resolver o proletariado, a única classe capaz de liderar essas tarefas, como força social decisiva.

Pão e Rosas: No começo do ano, as Edições ISKRA publicaram o livro Lutadoras. Histórias de mulheres que fizeram história onde muitas mulheres latino-americanas foram retratadas. Vocês teriam algo a falar sobre a história das mulheres mexicanas?
Liliana: A história das lutadoras mexicanas é também a história da luta de classes no país. Importantes lutas, protagonizadas por operários e camponeses mexicanos no início do século XX, que antecedem a Revolução Mexicana de 1910, tiveram participação ativa das mulheres. Na publicação Lutadoras, destacamos a história de Lucrecia Toriz, uma operária têxtil originária de Veracruz, que teve importante participação na greve Rio Blanco, ocorrida em 1900, abarcando operárias e operários têxteis de três estados do país. Os grevistas reivindicavam jornada de 8 horas, aumento salarial e melhores condições de trabalho. Esta greve foi marcada por duros confrontos com a patronal, que fechou as fábricas que não estavam em poder dos trabalhadores e se colocava contra qualquer negociação das reivindicações, o movimento grevista, entretanto cresceu e foi adquirindo cada vez mais força. Em 7 de janeiro, operários e operárias se concentraram em frente a fábrica Rio Blanco para impedir a entrada de fura-greves, ocorrendo um confronto entre a patronal e os grevistas, com tiros disparados por agentes na patronal que provocou um incêndio em uma tenda montada em frente à fábrica. Os operários e operárias espalharam-se pela região e tomaram alguns quartéis e estações de trem, que sofreram repressão estatal. Essa revolta de operários foi duramente reprimida pelo Estado e há relatos de Lucrecia Toriz, discursando contra os repressores em meio a multidão, com fuzis apontados em sua direção. Após essa sanguinária represália não se mais registros históricos sobre a vida da operária.

Pão e Rosas: Qual a importância de publicar esse livro hoje, num momento em que a América Latina vê golpes de estado, grandes greves operárias e mobilizações?
Luis: Consideramos que a obra de LT constitui uma alternativa para o século XXI. É que Trotsky atuou nos anos mais convulsivos de nossa época, começando pela primeira guerra mundial, o crack de 1929, fenômenos de revolução e contra-revolução abertos como, a revolução espanhola e o fascismo, a burocratização do primeiro Estado operário, ou seja, sua obra foi construída ao calor desses acontecimentos e longe de só analisá-los, sua política foi de apreendê-los e tirar lições para intervir neles.

Liliana: Ainda que as analogias não sejam uma fiel reprodução de fatos acontecidos, a importância de obra de Trotsky se acrescenta se consideramos que a crise internacional aberta com a queda do Leckman-Brothers nos EUA, em 2008, abre perspectivas comparáveis ao da convulsionada década dos 30. Já na América Latina começam a se delinear projetos políticos como os populismos nacionalistas, como é o caso do chavismo na Venezuela, ou o golpe de estado institucional na Honduras que provocou a resistência operária e popular, ou a maior ingerência imperialista no continente com a instalação de sete novas bases militares na Colômbia.

Luis: A publicação desta obra tem esse duplo objetivo, conhecer suas reflexões sobre a América Latina para convertê-las em um ponto de apoio de interpretação dos novos problemas de nosso século, em nosso continente. Um dos nossos principais propósitos, através da difusão das obras do marxismo revolucionário das Edições Iskra, é reivindicar e recriar o pensamento marxista. Nós acreditamos que à luz da luta de classes e das experiências das ultimas décadas, será possível enriquecer no que diz respeito à obra de Leon Trotsky seu método e o desenvolvimento de suas próprias reflexões.

É possível consultar o catálogo da editora http://www.ler-qi.org/spip.php?rubrique184 e para entrar em contato envie um email para iskra@ler-qi.org

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