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quarta-feira, 1 de julho de 2009

Honduras: "Sim, é possível, com greves e piquetes, os golpistas retrocedem!"

No último domingo, o parlamento hondurenho ao lado da Corte Suprema, do exército e das Igrejas deram um golpe de Estado. As notícias voaram através de emails, videos caseiros publicados no Youtube e nas redes sociais que, neste caso, agradecemos por existirem. Rapidamente, a agrupação de mulheres Pan y Rosas - Argentina emitiu um comunicado de repúdio ao golpe e em solidariedade às mulheres e a todo povo de Honduras e essa foi a ponte para conhecermos as feministas centroamericanas que se encontram por lá, em Tegucigalpa e em outras cidades do país, bloqueando estradas, mobilizando-se.

Assim conhecemos Jéssica que nos disse estar interessada em difundir o que passa por lá, mas que naquele momento estava muito cansada. Nos pediu desculpa e disse que no dia seguinte poderiamos tentar algum contato. Isso porque durante todo o dia ficou sem eletricidade: sem explicações sua luz foi cortada, a única de toda a vizinhança, mas finalmente "uns companheiros da ENEE", os trabalhadores da empresa nacional de energia elétrica, religaram sua luz. Mesmo assim, há o forte ruído dos aviões militares no céu de Tegucigalpa, que talvez não permita que ela durma. Jéssica integra a Rede de Mulheres Comitzahual e também a Rede de Escritoras Feministas, mas hoje, como todas as feministas hondurenhas formam um só Movimento de Feministas em Resistência.

Jéssica, felizmente, pôde voltar a conectar-se no dia seguinte e o primeiro que quis denunciar foi que os meios de comunicação "nos deixam bloqueados porque a maioria pertence à classe social política responsável pelo golpe de Estado". Confiscaram as câmeras da equipe da Telesur no último dia 29 de junho, "prendendo e socando a repórter e os câmeras que a acompanhavam", nos disse. Enquanto isso, nossa amiga Daniela, desde El Salvador, nos informa que desalojaram o piquete de mais de 4 mil pessoas onde se encontra um dirigente sindical amigo seu; que tiveram feridos, mas que voltariam no dia seguinte, dispostos a "tomar as ruas". Jéssica, em Tegucigalpa, também tem informação sobre este piquete "gigante": "os militares agrediram as pessoas que estavam na ocupação da ponte de El Progreso e tiveram 20 feridos, três deles em estado grave". Segundo nos informou, houveram 32 bloqueios de estradas em todo o país, mas a CNN está somente em Tegucigalpa e não transmite nada sobre o que está ocorrendo nas ruas bloqueadas pelas manifestações.
Os meios tampouco dizem que a greve, segundo diz nossa amiga hondureña, "segue em pé, muitos comércio estão fechados e agora se somaram à greve os professores e professoras. Vale destacar que a maioria dos professores, cerca de 80% são mulheres" e agrega, "em Tegucigalpa, San Pedro Sula, Intibucá, El Progreso, resumindo em 16 dos 18 departamentos do país houveram manifestações de todo o tipo". Perguntei a ele se estas ações são organizadas ou espontâneas, o qual me responde que: "É uma combinação das duas coisas, as organizações tem chamado sua gente, mas também o povo, homens e mulheres tem saído às ruas. A CNN, ao contrário, somente mostrou a manifestação em Tegucigalpa a favor de Micheletti, pois é fácil fazer isso quando este tipo de manifestação conta com o apoio do exército, enquanto nós na outra manifestação estávamos sendo atacadas com bombas lacrimogêneas, gases que deixavam manchas vermelhas no corpo, além de socos e prisões. Houve uma companheira muita ferida que estava no hospital e saiu de lá ontem. As pessoas da manifestação de Micheletti iam com cartazes em inglês, nossos cartazes eram em espanhol da região, algumas vezes mal escrito e também vale lembrar que não temos camisas de seda branca como uniforme, vamos com o que temos", nos disse em alusão ao chamativo uniforme dos manifestantes pró-golpistas. Também denuncia que uma companheira de San Pedro Sula "nos expressou que na manifestação só estão deixando entrar pessoas nativas", disse referindo-se aos meios de comunicação hondurenhos. Quando perguntei sobre qual foi a resposta do movimento de mulheres e feminista hondurenho, me respondeu sem titubear "Todas contra o golpe! O movimento de mulheres está ativo, lutando em diferentes regiões do país. As feministas e as redes organizadas de mulheres do país temos nos declarado em resistência, também as mulheres camponesas, negras, indígenas, a as que não se consideram feministas estão em luta, no bloqueio das estradas, na resistência". Lhe disse que, entretanto, a CNN tem mostrado Micheletti falando diante da manifestação em seu apoio e agradecendo a "estas valentes mulheres", que o acompanhavam no palco. Jéssica responde indignada: "As 'valentes mulheres' que lamentavelmente também criaram e apresentaram o decreto contra as pílulas anticonceptivas de emergência (PAE) - decreto vetado pelo presidente Zelaya - são parte do setor conservador e oligárquico deste país. A líder do movimento é a presidente da Associação contra o Aborto "Pró-Vida". Elas têm recursos que nós feministas não temos, têm o poder econômico; mas nós temos o poder social e a mobilização de companheiras que não temos medo, que estamos em resistência; pacífica". Mas Jéssica não quer despedir-se sem nos contar uma cena que viu pela Tele Ceiba: "Os militares chegavam a um centro de votação e armados pediam às pessoas a urna. As pessoas não resistiram e lhe deram, mas quando os militares iam saindo, uma mulher agarrou a bandeira de Honduras, cobriu seu corpo com a bandeira e começou a cantar o hino nacional, e os demais passaram a cantar com ela... Foram seguindo o carro dos militares cantando o hino nacional e eles, desconcertados, lhes tiraram a urna com todos os votos. O carro se distanciou e as pessoas ficaram paradas, cantando..."

Enquanto isso, desde o México e a Venezuela, nos chegam saudações de feministas que dizem sentir-se representadas pelo pronunciamento independente do Pan y Rosas - Argentina contra o golpe. Me despedi de Jéssica e lhe disse, incentivando-a "Sim, é possível, com greves e piquetes, os golpistas retrocedem!". Ela me sugeriu que esse podia ser o título da entrevista. Apressei a publicação desta entrevista, para seguir na mobilização, e dizer NÃO ao golpe em Honduras.

PS: Às 17:54, Jéssica me enviou um email: "Andrea, repasse por favor, é urgente: Mulheres, o executivo passou do Congresso à Corte Suprema o Estado de Sítio, esperamos que a qualquer momento seja aprovado, por favor se pronunciem, isto acaba com todas as liberdades constitucionais, liberdade de associação, liberdade de mobilização".

Entrevista feita por Andrea D'Atri, do grupo de mulheres Pan y Rosas - Argentina.

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