No quinto ano da crise
econômica que atingiu potências como os EUA e tem hoje seu epicentro na Europa,
ao mesmo tempo em que se desenvolvem processos revolucionários como no Egito e
se renovam os ventos da chamada primavera árabe como na Tunísia - ventos esses
que por um tempo ficaram carregados de apoio da OTAN contra a ação independente
das massas -, levanta-se a questão sobre a importância de tratar sobre a
opressão às mulheres. Frente à atual situação política, econômica e social do
mundo, por que tal tema deve vir à tona?
Ao redor do mundo,
temos visto convulsões sociais e mobilizações de trabalhadores, estudantes,
setores oprimidos da sociedade, indignados com a crise e com seus governos. Em
muitas dessas mobilizações vimos amplos setores de mulheres saírem às ruas,
tomando a frente dos processos de lutas e levantando suas bandeiras, como no
Egito e na Índia. No Chile, as jovens levantaram pela educação pública, contra
a repressão e contra a violência sexual dos agentes do regime herdeiro de
Pinochet. Esses movimentos, que necessitam da auto-organização dos
trabalhadores e dos estudantes e de direções revolucionárias para seguir avançando
até sua vitória, precisam que essas direções guiem também na luta pelas
demandas das mulheres, pelo fim das opressões. Para isso, é necessário entender
o que significa a opressão da mulher no capitalismo.
EXPLORAÇÃO
E OPRESSÃO NA SOCIEDADE DE CLASSES
Durante toda nossa
formação, educação e construção social, as mulheres estão sujeitas a vários
tipos de opressão. Desde a infância, com a divisão sexual entre cores e
brinquedos, até o assédio nas casas, ruas, escola e trabalho, violências
físicas e psicológicas, a obrigação de ser mãe, esposa e a mulher da
tradicional família mineira ou a dona de casa, o salário menor do que o do
homem, entre outras expressões da opressão. Várias dessas nos passam
despercebidas ao longo da vida, sendo naturalizadas e aceitas sem
questionamentos, inclusive sendo reproduzidas muitas vezes pelas próprias
mulheres.
Tudo isso porque
vivemos hoje imersos em uma sociedade que tem suas bases consolidadas na
exploração e opressão, pois o capitalismo se utiliza dos dois para seguir com
seus lucros e sua dominação. Desde uma perspectiva marxista, a exploração tem
suas raízes no aspecto estrutural econômico, sendo essa a relação da classe
dominante – a burguesia, que se apropria do trabalho alheio – com a classe
trabalhadora – a que produz. Marx e Engels explicam essa relação de
exploração entre a burguesia e o proletariado brevemente no Manifesto do
Partido Comunista quando coloca:
“Com o desenvolvimento
da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe
dos operários modernos, os quais só vivem enquanto têm trabalho e só têm
trabalho enquanto seu trabalho aumenta o capital. Esses operários,
constrangidos a vender-se a retalho, são mercadoria, artigo de comércio como
qualquer outro (...)” (Marx, Engels, 1848). [1].
Já a opressão é a
relação de submissão de um grupo sobre outro por razões culturais, raciais,
étnicas, sexuais ou de gênero, e faz uso da desigualdade. Porém, exploração e
opressão se combinam de maneira perfeitamente orquestrada pelo capitalismo,
para que sua burguesia consiga seguir em seu posto de classe dominante.
Incentivando a divisão entre os trabalhadores, a burguesia sempre buscou as
vias para aumentar a mais valia absoluta e relativa e uma de suas armas é a
divisão entre homens e mulheres, disseminando a ideologia da submissão das
mulheres. Quanto mais explorado é um setor, maior a expressão da sua opressão.
Ou seja, mulheres pobres, trabalhadoras precárias, moradoras das favelas e
periferias, em sua maioria negras, são as maiores vítimas das opressões. A
opressão das mulheres se insere na história da luta de classe e, apesar de não
ter surgido no capitalismo, ganha nesse sistema traços particulares, sendo
apropriada pelo próprio sistema para a manutenção do status quo. Ainda
no Manifesto, os autores mostram o papel que a mulher cumpre para a burguesia:
“‘Vós, comunistas, quereis
introduzir a comunidade das mulheres!’, grita-nos toda a burguesia em coro.
Para o burguês, a mulher nada mais é do que um instrumentos de produção. Ouvindo
dizer que os instrumentos de produção serão explorados em comum, conclui
naturalmente que o destino de propriedade coletiva caberá igualmente às
mulheres. Não imagina que se trata precisamente de arrancar a mulher de seu
papel de simples instrumento de produção.” (Marx, Engels, 1848) [2]
Contudo, há ainda hoje
setores que dizem que as mulheres alcançaram a igualdade com os
homens, podendo trabalhar fora, ocupam postos de chefia, são a maioria dentre
os que possuem ensino superior completo, e até mesmo chegam a ser presidente.
Entretanto, são ainda as mulheres as responsáveis pelos cuidados com a casa,
comida, marido e filhos, gerando assim, às mulheres trabalhadoras, a dupla
jornada de trabalho; além de ocuparem os postos de trabalho mais precários,
estarem mais sujeitas às violências físicas e psicológicas – inclusive
institucional em alguns países – e serem as milhares a morrerem em vários
países devido à abortos clandestinos, senda essa no Brasil a quarta causa de
morte entre mulheres, com aproximadamente 1 milhão de abortos realizados por
ano.
Isso mostra como,
desde o surgimento da sociedade dividida em classes, a posição de classe
ocupada por uma pessoa expressa não só o nível de exploração ao qual ela está
submetida como, diretamente ligada a esse, expressa quais os limites da
opressão sofrida, estando a mulher trabalhadora submetida à dupla jornada de
trabalho desde o início do capitalismo. Por exemplo, uma mulher em dado emprego
possui um salário que corresponde a cerca de 66% do salário de um homem que
ocupa a mesma posição. Porém, quanto mais precário for o trabalho, mais serão
as mulheres quem ocuparão esses postos, tendo ainda necessariamente que, além
de trabalhar exaustivamente por salários de miséria, responder pela manutenção
da casa e da vida do marido e filhos por não ter condições financeiras de arcar
com empregadas domésticas, babás, creches privadas – empregos estes que são
também a expressão de como são as mulheres as relegadas aos trabalhos mais
precários, ligados à limpeza e cuidados.
Esse trabalho não
remunerado que a mulher exerce na casa e na criação e educação dos filhos é a
garantia de que o marido – o trabalhador assalariado e explorado – esteja
sempre em condições de seguir com seu trabalho, estando alimentado, com as roupas
limpas, a casa arrumada. E isso sem que o Estado precise se preocupar com
a garantia de nada disso – garantindo creches, lavanderias, e restaurantes
públicos – ou seja, é nesse trabalho doméstico não remunerado que está parte do
lucro dos capitalistas. O capitalismo se apropria da opressão histórica da
mulher para fortalecer a exploração, ampliar seus lucros, além de dividir a
classe trabalhadora. E é por isso que a posição de classe faz diferença na
opressão, pois são as mulheres pobres e negras as mais afetadas pela segunda
jornada não remunerada de trabalho.
A PRECARIZAÇÃO TEM ROSTO DE MULHER!
A precarização do
trabalho é mais uma grande expressão da precarização da vida da mulher, sendo
cada vez mais frequente e, nos últimos 10 anos no Brasil, cresceu ofensivamente
durante os governos Lula e agora Dilma. A atual presidenta mostrou também
que ser mulher não significa avanços minimamente democráticos para as mulheres,
pois ainda em seu período eleitoral, Dilma rifou os direitos das mulheres em
sua campanha em troca de votos. Em sua “carta ao povo de Deus”, ela garantiu
aos setores religiosos que não legalizaria do aborto, bandeira essa histórica
dos movimentos de mulheres, que a então candidata suprimiu de seu programa.
Assim, a atual presidenta ganhou o apoio dos setores mais conservadores e da
bancada evangélica do Congresso, aqueles que mais atacam as mulheres e seus
direitos. Já o trabalho precário vem crescendo desde o governo Lula, que sob o
discurso de fim do desemprego e criação de novos postos de trabalho, fez
aumentar o número de emprego precário, terceirizado, e aumentou também a
rotatividade do trabalho.
Basta olharmos ao
nosso redor que veremos trabalhadores “invisíveis” trabalhando por salários de
miséria, na limpeza, em condições insalubres, sem segurança e sem
direitos. Se notarmos bem, a maioria dos que ocupam esses postos são mulheres,
em sua maioria negras, as mais precarizadas no trabalho, e na vida. São também
as que estão mais sujeitas a sofrer assédio e violência, muitas vezes do
próprio companheiro, sem ter condições materiais e econômicas de se desfazer da
relação e seguir sozinha, se mantendo e criando seus filhos.
Dentro da Universidade
o quadro não é diferente, pois há também a reprodução da opressão entre os
próprios estudantes. Exemplos disso são os trotes aos ingressantes; a
imposição de um padrão de beleza que, se não seguido, gera humilhações e até
violência física; a visão de que o corpo feminino enquanto uma mercadoria,
pronta a servir aos interesses de quem quer que seja, o que gera assédios e até
mesmo estupros; além dos casos de homofobia, onde os LGBTTI’s são também
oprimidos, não podendo se expressar livremente, opressão essa que tem raízes
também no machismo.
Além disso, hoje as
Universidades públicas também se constroem com base na precarização. Grande
parte do trabalho estruturante da Universidade é precário, terceirizado e
realizado em sua maioria por mulheres. As trabalhadoras da limpeza, as
cozinheiras do restaurante universitário, são aquelas que mantêm a Universidade
funcionando, mas também são as que recebem os piores salários, sem garantias e
direitos, e estando sujeitas a inúmeros acidentes de trabalho. Travar uma batalha contra qualquer
tipo de opressão dentro e fora da Universidade deve passar necessariamente por
defender esses trabalhadores precários, essas mulheres sujeitas à exploração e
opressão diárias, pois é essa exploração e opressão combinadas que
garantem os lucros e a manutenção do capitalismo e da burguesia enquanto classe
dominante. Por isso o fim da opressão jamais se dará por dentro do
capitalismo, pois esse sistema não permitirá que se acabe com uma de
suas bases de sustentação.
Essa combinação
arquitetada de exploração e opressão é a expressão da necessidade de se
combinar também a luta das mulheres, estudantes e trabalhadoras, pelos seus
direitos e pelo fim da opressão e violência, com a luta da classe trabalhadora
pelo fim de sua exploração, da dupla jornada de trabalho e da precarização.
Porque as mulheres são diretamente afetadas por esses ataques e, ainda que por
dentro do capitalismo vimos alguns avanços, é preciso ter em mente
que a opressão não cairá pelas mãos daqueles que dela tanto necessitam.
QUANDO UMA MULHER AVANÇA, NENHUM HOMEM RETROCEDE!
Somos todas oprimidas!
Mas não somos iguais. Angela Merkel na Alemanha dirige os planos de reajuste na
Europa contra os trabalhadores e o povo, sendo uma das principais responsáveis
pelo desemprego, demissões e fechamento de fábricas nesses países. Dilma mantém
o nível de precarização do trabalho como um dos pilares do antigo crescimento
econômico, sendo grande parte destes postos ocupados por mulheres; Heloísa
Straling, quando vice-Reitora, permitiu a entrada da tropa de choque e
cavalaria na UFMG para reprimir estudantes em 2007. Isso mostra como a luta
contra a opressão não está por fora da luta de classes. Há as chefes e
burocratas acadêmicas, em grande parte brancas, que são parte dos planos para
que sejam os trabalhadores e o povo a pagar por sua crise. E neste feito as
mulheres trabalhadoras e pobres são as que mais sofrem. Na luta contra a
opressão a classe trabalhadora é a única que pode se colocar à frente da
conquista de todas as demandas democráticas do conjunto das mulheres! Entre
todas as mulheres as que mais sentem as amarras capitalistas que nos prendem
devem ter espaço para tomar à frente de nossa luta: as mulheres trabalhadoras
que sofrem com a opressão e exploração e que devem ser acompanhadas pelas
mulheres mais oprimidas do povo negro e pobre.
E é por isso que nós,
do Grupo de Mulheres Pão e Rosas, reivindicamos que a juventude, como vem
se mostrando ao redor do mundo, tem que cumprir o papel essencial de estar à
frente dessas batalhas, contra a exploração e todas as formas de
opressão. Um Movimento Estudantil combativo, enquanto um movimento de
jovens dispostos a lutar e transformar não só a Universidade, mas a sociedade
como um todo, deve estar ao lado da única classe capaz de levar a frente essa
transformação da sociedade. Para isso as mulheres devem estar a
frente desse movimento, levantando suas bandeiras, contra todas as formas
de opressão, mas também contra a exploração que, quanto mais aguçada, mais
humilha e oprime as mulheres. Cabe às estudantes lutar ao lado das
demandas das trabalhadoras, escolhendo seu lado de classe; e às trabalhadoras
se auto-organizarem para poder arrancar o fim de sua opressão, e o que lhes é
seu por direito. Cabe à classe trabalhadora, organizada independente dos
patrões, tomar para si as demandas das mulheres e dos setores oprimidos, travando
uma luta unificada pelo fim da exploração e opressão.
- Pelo direito ao aborto livre,
legal, seguro e garantido pelo estado!
- Não à precarização do trabalho e
da vida! Igual trabalho, igual salário!
- Pelo fim da terceirização e
incorporação imediata nas empresas e sem necessidade de concurso público nas
instituições públicas!
- Pela aliança operário-estudantil
- Contra todas as formas de
opressão!
- Que
os capitalistas paguem pela crise!
[1] MARX, K., ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista, 1848
[2] Idem